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As relações luso-brasileiras - a immigração e a «desnacionalização» do Brasil
Title: As relaes luso-brasileiras Subtitle: a immigrao e a desnacionalizao do Brasil Author: Jos Barbosa Release Date: November 8, 2009 [EBook #30424] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha, Chuck Greif and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This book was created from images of public domain material made available by the University of Toronto Libraries (http://link.library.utoronto.ca/booksonline/).) Nota de editor: Devido existncia de erros tipogrficos neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Nov. 2009) JOS BARBOSA As relaes luso-brasileiras LISBOA 1909 JOS BARBOSA As relaes luso-brasileiras (A immigrao e a desnacionalizao do Brasil) LISBOA EDIO DE JOS BARBOSA RUA DO LORETO, 56, 1. D. 1909 todos os direitos reservados LISBOA TYPOGRAPHIA DO COMMERCIO Rua da Oliveira, 10, ao Carmo 1909 Amicus Plato sed magis amica veritas... INTRODUCO O Brasil j foi uma regio mal conhecida. Hoje j o no . Em todos os centros civilizados deixou de ser ignorado. Existe, emfim! E no existe smente por ser riquissimo de climas, de flora e de fauna, nem por offerecer, nos seus terrenos inexplorados, largo campo s ambies insatisfeitas dos povos do Velho Mundo, nem sequer por haver desenvolvido de maneira collossal as suas produces. Tudo isso torna conhecido o Brasil. Mas o que mais lhe propaga o nome a surpreza causada pela sua cultura, ainda ha pouco representada de modo inolvidavel e memorando pelos seus delegados na Conferencia de Haya e no Congresso de Hygiene de Berlim, Ruy Barbosa e Oswaldo Cruz. O que, alm disso, no escapa a ninguem a supremacia que lhe cabe entre as naes sul-americanas, a funco de arbitro da paz do continente, em que o investiram os estadistas da Republica, entre os quaes se tem de destacar a excelsa figura de Rio Branco. [6] Para o Brasil de hoje convergem todos os olhares. Deixou de ser a terra do ouro e dos diamantes para se transformar em vasta arena aberta s mais levantadas especulaes da intelligencia e s mais audazes e fecundas iniciativas materiaes. O estudo e o trabalho congregam-se para o seu progresso. A liberdade e a paz social acolhem e protegem os desherdados que alli vo buscar po e esperanas... As sociedades europas, imbuidas de preconceitos e avassalladas pelos privilegios, trancam o futuro s classes trabalhadoras. Que lhes resta, seno o recurso da expatriao? O caminho o Oceano; a Chanaan a America, a livre e egualitaria America, onde o trabalho toda a nobreza. Ns, os portugueses, acompanhamos o movimento geral. A nossa America consiste principalmente no Brasil. Nem podia deixar de ser assim. A raa e a lingua so factores decisivos na escolha do destino. Nenhuma raa revla maior resistencia do que a nossa, nenhuma mais soffredora e tenaz. Como, porm, estamos desapparelhados para a lucta hodierna pela falta de diffuso do ensino, s excepcionaes qualidades ethnicas[1] explicam a posio que ainda cabe nossa colonia no Brasil. Seria, no emtanto, indigno occultar, neste momento, que essa colonia se encontra sriamente ameaada pelos nossos concorrentes. Est, alis, na consciencia de todos esta verdade, que uns calam para lisonjear a nossa colonia [7] no Brasil e outros por no lhe vrem soluo deante da criminosa pertinacia com que os governos do tudo s clientellas politicas e negam, por systema, a esmla do ensino primario aos filhos do contribuinte faminto e esfarrapado! A obra da escola no se concilia com os interesses do regimen, no ha duvida; mas recusem ao povo, forado a emigrar para no morrer de fome, a instruco indispensavel para competir com os outros estrangeiros no Brasil e esperem o resultado no volume das remessas de numerario com que acudimos ao nosso balano economico! O recurso das remessas do Brasil e a exportao que para esse paiz fazemos tornaram-se essenciaes vida portuguesa. E, como nada se fez para dispensar tal dependencia e nada se procurou para assegurar aquelle estado de coisas, a nossa gente laboriosa, conscia dos riscos que corremos, mas sem noo exacta do problema, recebe com esperana e enthusiasmo todas as idas apresentadas por pessoas bem intencionadas. Isso bastaria para explicar o cro das adheses proposta do sr. Consiglieri Pedroso[2], se no interviessem, no lance, a especial categoria, a illustrao e o talento do emrito professor. Discordando, em varios pontos, desse plano de approximao luso-brasileira, dirigi a s. ex.a uma carta aberta a que o Mundo deu a sua larga publicidade e na qual se lia: O estreitamento das relaes de Portugal com o Brasil, dada a vontade que nesse sentido revelam os dois povos, mais do que facil, porque inevitavel, porque est nos destinos de ambos. [8] Imaginar, porm, como deduzo dos considerandos de v. ex.a que, precisando ns da seiva do Brasil, temos meio de lhe conferir uma compensao primacial, qual seja a de evitar o risco da desnacionalizao que esse povo corre pela entrada cada vez maior de outros elementos ethnicos, erro profundo que os factos condemnam de maneira formalissima. E, sobre ser um erro, esse juizo levantar contra Portugal e contra os portugueses a hostilidade das outras colonias e das outras raas, alli na mais intima convivencia e na mais constante fuso com a gente lusitana e luso-brasileira. Com tal motivo, qualquer esforo de approximao resultar contraproducente. No posso, desde que se parte dessa base, dar a minha insignificante collaborao a uma tentativa que tenho por inefficaz, pelo menos. O Brasil precisa de milhes de estrangeiros. No lhos podemos dar. Ha de procural-os em outros paizes. Mas, como um paiz que se sabe governar e que nunca, nem sob este nem sob o antigo regimen, deixou de demonstrar sentimentos patrioticos e ardor civico, no corre o perigo, que v. ex.a entreviu na colonizao italiana e alleman, de se desnacionalizar. Com mais vagar, em um opusculo, hei de deixar demonstrado quanto esto afastados da realidade os que pensam como v. ex.a. Se houvessemos de iniciar negociaes com a ida de evitar esse supposto risco, creia v. ex.a que os brasileiros, cuja hospitalidade tive durante dezeseis annos e cujo espirito conheo, no agradeceriam o alis generoso empenho, porquanto nelle veriam menos apreo pelas qualidades de intelligencia e de patriotismo, de que, com justia, se ufanam muito mais do que das riquezas naturaes da sua patria. Sei que v. ex.a, meu illustre correligionario, s movido por altos e nobres estimulos. Estou convencido de que s falta de documentos directos e de observao propria se pde attribuir o desvio do seu grande espirito critico em materia em que estudos especiaes do a v. ex.a merecida auctoridade. Felizmente, porm, entre muitas idas de real utilidade que constam da proposta de v. ex.a, vejo uma que me garante que o problema, nas suas linhas mestras, tem em v. ex.a o paladino ao lado do qual se podero alinhar os soldados da democracia portuguesa e os cidados da grande Republica Brasileira. Refiro-me ida de procurar approximar os dois povos pela adopo de um espirito commum na legislao de ambos. Nesse ponto estou enthusiasticamente com v. ex.a, porque, no podendo a democracia pura, que a Republica dos Estados Unidos do Brasil, seguir a evoluo regressiva, essa aspirao impe-nos, a ns portugueses, a marcha progressiva para a situao juridica do Brasilo que s poder ser conseguido por uma transformao politica e social, to almejada por mim quanto por v. ex.a. [9] E comprehendo com que intimo constrangimento quem assim sente teria de obedecer s regras protocolares do cargo ao pedir ao joven rei D. Manuel a sua cooperao para um emprehendimento que s pde ser levado a bom termo pelos dois povos e que s se desentranhar em realidades promissoras quando a realeza portuguesa constituir mra recordao historica. Fao votos por que v. ex.a veja em breve realizadas as nossas aspiraes communs. Se, porm, o nosso esforo interno no chegar para tanto, creia v. ex.a que, para no falharem os seus destinos historicos, o Brasil e Portugal se ho de approximar cada vez mais e cada vez mais intensamente a democracia brasileira ha de exercer fatal aco sobre a nao portuguesa, abreviando os dias do regimen monarchico e apressando o advento da Republica Portuguesa. No ha mais eloquente lio do que a dos factos. No ha mais violenta propaganda do que a comparao antithetica dos povos brasileiro e portugus. E, cada portugus, que volta patria, no tarda em sentir a magnitude da aco da Republica no Brasil e em reconhecer a falta das instituies a que l se afizera. Garanto-o a v. ex.a: se no fizermos a revoluo, o Brasil ha de republicanizar Portugal. V. ex.a conhece melhor do que eu o poder da osmose social. Eis a origem deste trabalho. Julguem brasileiros e portuguses se as convices, que elle traduz, carecem de fundamento. I A PROPOSTA CONSIGLIERI PEDROSO Eis a proposta do presidente da Sociedade de Geographia: Considerando que na evoluo politica do mundo contemporaneo facto historico, que se no pde contestar, a irresistivel tendencia para a unificao moral dos grupos ethnicos, que falam o mesmo idioma, podendo at por isso definir-se o dominio da lingua, na sua funco social, como a patria espiritual de uma nacionalidade; Considerando que nem os mais poderosos Estados logram eximir-se a esta universal tendencia, como o prova o movimento de concentrao que no momento actual se est operando nos povos anglo-saxonicos, nos germanicos propriamente ditos e mesmo nos povos slavos, apezar das differenas de religio e de linguagem que separam estes ultimos entre si; Considerando que, em virtude desta tendencia, legitimo prevr-se como irremediavel, em futuro relativamente pouco distante, se no o desapparecimento, pelo menos a desintegrao das pequenas nacionalidades que no consigam defender-se, pela massa dos seus habitantes, da absorpo, consequencia fatal da lucta pela existencia, cada vez mais implacavel entre as grandes naes, que na sua ancia de aambarcamento inquietam os agrupamentos secundarios, embora muito adeantados em cultura; [12] Considerando que Portugal e Brasil, pela sua origem, historia e tradies, pela lingua que ambos falam, pela raa a que pertencem e pelos multiplices interesses que os ligam, sem embargo do glorioso facto consummado da independencia brasilica, e, no obstante, portanto, serem duas soberanias politicas separadas e perfeitas, constituem na realidade, em face das outras agremiaes nacionaes e exoticas, um grupo parte, nitidamente delimitado, com individualidade distincta e, por conseguinte, com um destino historico completamente autonomo, circumstancia a que o direito internacional no pde ficar estranho; Considerando que, na situao de isolamento reciproco, em que se encontram, as duas naes esto compromettendo a grandeza do papel primacial que deviam representar no mundo, com grave prejuizo dos interesses proprios e apenas com vantagem para as naes rivaes, que se esto aproveitando habilmente da desunio de ambas; Considerando que a grande nao brasileira, no obstante os quasi illimitados recursos de que dispe e as brilhantes qualidades dos seus filhos, que se esto impondo considerao universal pela sua intelligencia e illustrao, pelo seu patriotismo e pela sua actividade, corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introduco, cada vez em mais larga escala, de elementos de immigrao estranhos ao seu carater historico e at antipathicos sua idiosyncrasia ethnicaprovaveis causadores de futuras perturbaes e de inevitaveis perigos para a Unio; Considerando que este srio risco de desnacionalizao lenta, mas segura, smente o Brasil pde conjural-o pela approximao e relaes cada vez mais estreitas com Portugal, possuidor ainda hoje de um rico e vastissimo imperio em Africa, de territorio reduzido na Europa, no ha duvida, mas bero de uma robusta e prolifica populao largamente espalhada pelo mundo, de extraordinarias faculdades de adaptao e resistencia, populao indispensavele no substituivel por outrapara a conservao e pureza da raa nacional do Brasil; Considerando mais que o problema da gradual e progressiva fuso da numerosissima colonia portuguesa, que vive no Brasil, com a terra que lhe d to generosa hospitalidade para os futuros destinos da nacionalidade brasileira de capital e decisiva importancia, mas smente de soluo integral possivel quando as duas naes, hoje separadas e quasi estranhas uma outra, se harmonizarem no superior interesse de uma fecunda approximao; [13] Considerando, por outro lado, que a economia nacional portuguesa s ao contacto intimo da exuberante seiva brasileira pde robustecer-se e tonificar-se, sendo, alm disso, fecundissimo campo para a nossa actividade material e progredimento moral as vastas regies cobertas pela gloriosa bandeira auri-verde; Considerando por isso como verdade evidente, sem possibilidade de discusso sequer, que a resoluo definitiva do problema economico portugus depende grandementequaesquer que sejam os esforos, a sinceridade e a intelligencia que para ella se empreguem dentro das nossas estreitas fronteirasde plenamente se realizar um forte e largo accordo luso-brasileiro, formula de renascimento mundial da nossa commum nacionalidade; Attendendo a que a tradicional alliana de Portugal com a Inglaterra, base da nossa situao politica internacional, assim como intimas relaes de cordealidade com as tres naes latinas, nossas irmans, e com a Allemanha, nossa cooperadora em Africa, em coisa alguma so prejudicadas pela unificao moral de Portugal com o Brasil n'um pacto superior, permanente e sui generis, tal como o impem os especialissimos laos fraternaes existentes entre as naes que falam a lingua portuguesa; E, attendendo, finalmente, a que Sociedade de Geographia de Lisboa, pelos seus fins, pela sua constante tradio e pelo logar proeminente, to excepcionalmente em evidencia, que occupa na vida nacional portuguesa, compete, nesta hora difficil para a patria, cooperar, quanto em si caiba, no movimento de renovao do nosso querido Portugal; Tenho a honra de propr que, nos termos do artigo 40. dos estatutos, se crie uma commisso geral permanente com o titulo de Commisso Luso-brasileira a qual ter, entre outros, os seguintes fins: 1.Estudar a forma mais adequada de se realizarem congressos periodicos luso-brasileiros, que devam, em prazos a fixar, reunir-se alternadamente em Lisboa ou Porto e no Rio de Janeiro ou outras cidades brasileiras com o intuito de discutir todos os assumptos de ordem intellectual e economica que interessem em commum e exclusivamente as duas naes, e onde haja de fazer-se a propaganda das deliberaes que pelos mesmos congressos e pelos governos dos dois paizes tenham de ser tomadas a beneficio de ambos os povos, respeitando-se escrupulosamente a independencia de cada um delles e evitando-se toda e qualquer interferencia, por minima que seja, na vida interna e no modo de ser dos dois paizes reciprocamente; 2.Estudar a forma de se negociar um tratado de incondicional arbitragem entre Portugal e as suas colonias de um lado e o Brasil do outro e de se realizar a conveniente cooperao das duas naes em assumptos de caracter internacional; [14] 3. Estudar a frma de se ultimar, com a urgencia que razes obvias aconselham, um tratado de commercio, ou antes um largo entendimento commercial entre as duas naes, procurando-se a maneira, at onde fr possivel vencer as difficuldades naturaes inherentes ao assumpto, de que uma outra concedam respectivamente vantagens especiaes que deixem de ser transmittidas aos outros Estados, no sendo, portanto, attingidas pela clausula de nao mais favorecida, inscripta actualmente nos tratados j existentes tanto de Portugal como do Brasil com os paizes estrangeiros; 4.Promover a creao de uma linha de navegao luso-brasileira entre os dois paizes, sob o alto patrocinio de ambos os governos; 5.Promover a fundao em Lisboa de um entreposto central para o commercio do Brasil na Europa e de um entreposto central no Rio de Janeiro para o commercio portugus na America, podendo, no caso de isso ser conveniente, fundar-se outros dois entrepostos, um no Porto e outro no Recife, ou onde mais convenha ao Brasil; 6.Promover a construco de dois palacios, um em Lisboa e outro no Rio de Janeiro, destinados exposio e venda permanente dos productos nacionaes de cada um dos dois paizes no outro; 7.Promover, sempre que fr possivel, a unificao ou pelo menos a harmonizao da legislao civil e commercial dos dois paizes; 8.Promover a approximao intellectualscientifica, literaria e artisticados dois paizes, dando aos professores e diplomados brasileiros em Portugal e aos professores e diplomados portugueses no Brasil os mesmos direitos com equivalencia dos respectivos titulos de habilitao; 9.Promover visitas regulares de excursionistas e de estudode intellectuaes, de artistas, de industriaes e commerciantes portugueses ao Brasil e brasileiros a Portugal e s suas mais importantes colonias; 10.Estudar a maneira de se fundar em qualquer das duas capitaes, ou simultaneamente em ambas, uma revista que seja o orgo para servir de interprete permanente a este movimento de approximao luso-brasileira; 11.Promover mais intimas e continuadas relaes entre a imprensa brasileira e a imprensa portuguesa pela troca de collaborao e pela instituio de reunies periodicas dos editores de livros e dos representantes do jornalismo de ambas as naes; 12.Promover a intelligencia entre si, respectivamente, das sociedades scientificas, artisticas, de instruco, de beneficencia, de gymnastica, de tiro, de natao e outros desportos maritimos e terrestres, etc., pertencentes aos dois paizes, assim como das associaes academicas brasileiras e portuguesas, creando-se tambem bolsas de viagem para os estudantes de cada um dos dois paizes no outro; [15] 13.Promover o movimento de approximao luso-brasileira no Brasil, ou por intermedio de alguma das sociedades alli existentes, como a Sociedade de Geographia ou o Instituto Historico Brasileiro, que, semelhana da Sociedade de Geographia de Lisboa, queira no territorio da Unio pr-se frente deste movimento, ou contribuindo para a fundao no Rio de Janeiro de uma liga luso-brasileira, com os mesmos intuitos que os da commisso permanente cuja creao aqui se prope; 14.Finalmente, estudar a maneira de se fazer da benemerita colonia portuguesa no Brasil a activa intermediaria da approximao moral dos dois povos, approximao que ter como symbolo da realidade da sua existencia a formosa lingua de Cames e Gonalves Dias a falar-se dos dois lados do Atlantico e a servir, em duas patrias fraternalmente enlaadas, de vinculo inquebrantavel raa luso-brasileira, cujo destino historico, assim engrandecido, dever, a bem da civilizao, alargar-se triumphante pelas mais bellas regies do globo, s quaes o immortal genio latino, representado pela nossa commum nacionalidade, imprimir, com o supremo encanto da forma, o estimulo da sua energia eternamente creadora. II O PROBLEMA LUSO-BRASILEIRO O problema luso-brasileiro uma realidade. No est definido, no se lhe conhecem com preciso os termos; mas existe. Affinidades, claras e logicas umas, e outras obscuras e inconscientes, sollicitam os dois grupos sociaes e politicos, que compem a gens lusitana, se assim se pde exprimir o conjuncto ethnico em elaborao nas terras sob a soberania portuguesa e sob a soberania brasileira. Existe o problema luso-brasileiro, como existe o hispano-americano, como existe o anglo-saxonio. Paizes que derivaram dos povos colonizadores por excellencia e que mantem com elles intimas relaes e permanente convivencia, ha tres nucleos de estados americanos que constituem, maneira que se desenvolvem e maneira que prosperam, no j simples e justificados motivos de orgulho para aquelles povos, mas poderosas engrenagens a cuja sorte elles no podem, de maneira nenhuma, ser estranhos. [18] Sentimos vagamente que ha laos insoluveis que nos prendem ao Brasil. Dia a dia, hora a hora, reconhecemos que existe uma verdadeira interdependencia na vida luso-brasileira. O Brasil influe sobre Portugal e Portugal influe sobre o Brasil. Como e em que espheras das respectivas actividades se exercita essa aco? Eis onde surgem, c e l, as divergencias; eis onde collidem as opinies e onde mais nitidamente se manifesta a complexidade do problema luso-brasileiro. Ha quantos annos Castelar lanou a ida de estreitar os vinculos hispano-americanos? Ha mais de quarenta e, todavia, o problema ficou sem soluo... Dizia Emilio Castelar: Reunir as idas de todos os nossos escriptores; communicar ao Novo Mundo o espirito hespanhol sob todas as suas formas raras e variadas; lembrar-lhe todos os dias, sob todos os tons da nossa lingua, que aqui vivem homens que so seus irmos; mostrar a seus olhos o ideal de um futuro de paz, em que pela reunio das nossas foras e das nossas intelligencias poderemos fazer germinar nas entranhas dessa infeliz America, ferida pela tempestade, e no seio desta desgraada Hespanha consumida pelas cinzas das suas ruinas, uma sciencia nova e uma literatura nova; fazer tudo isto com uma constancia, que lembre o nosso antigo caracter, e fazel-o sem outra recompensa alm da satisfao da nossa consciencia, um dos maiores e mais positivos beneficios que se podem conceber para a nossa raa abatida. A iniciativa do sr. Consiglieri Pedroso no tocante s relaes luso-brasileiras relembra a de Castelar no que concerne s hispano-americanas. A cultura historica, em ambos fortalecida pelas sciencias politicas e sociaes, levou esses dois espiritos de eleio a encararem o mesmo problema sob aspectos quasi identicos. Ao lusitano, como ao hespanhol, affigurou-se indispensavel a seiva americana ao caule ibrico. Era, nos dois casos, a verificao [19] confessada de factos insophismaveis da economia da peninsula hispanica; mas problemas economicos tm de ser resolvidos economicamente. Ora, se Castelar queria que se puzesse em pratica todo o seu programma com a s recompensa da consciencia satisfeita, o sr. Consiglieri Pedroso, mais positivo, estabeleceu um programma em que prevalece o do ut des, a troca de vantagens e servios capazes de apertar os laos que prendem a patria de Cames de Gonalves Dias. A forma pela qual se vir a tornar effectiva essa solidarizaco decorre forosamente das bases que se adoptarem para a conseguir. O estadista hespanhol Francisco Silvela, abordando o problema hispano americano, dizia que, para a renascena das foras da sua patria, era indispensavel luctar nos mercados das antigas colonias, que considerava mercados naturaes da Hespanha; mas, no seu plano, que ia at uma confederao ibero-americana, entendia que o mercado hespanhol devia uma legitima reciprocidade ao commercio, industria e agricultura desses povos irmos. Como dar realidade ao ridente projecto? No nol-o soube ensinar Castelar, no nol-o mostrou Silvela: morreram e tudo continua como antes... Oxal seja mais proveitosa a nossa iniciativa. O sr. Consiglieri Pedroso, com todo o seu saber, labra num engano. sua perspicacia deve ter causado impresso a simples lista dos brasileiros que, com representao official, assistiram sesso da Sociedade de Geographia. Alli esteve o primeiro secretario de legao, sr. Alvaro de Teff, filho do almirante baro de Teff, cuja familia, von Hoonoltz, se me no affigura lusitana, embora aos servios do almirante deva o Brasil a mais grata recordao de patriotismo; e, dos quatorze officiaes de marinha presentes, um era Burlamaqui, [20] outro Bardy, outro Lindenberg, outro Wegylin, outro Costallat... Este facto bastaria, numa representao to diminuta, para nos desilludir cerca da ida corrente em Portugal de que smente os filhos dos portugueses adoptam a nacionalidade brasileira. Antes, estivera no porto de Lisboa o destroyer Piauhy, commandado por Pedro Frontin, tendo por immediato Armando Burlamaqui. E por Lisboa tm passado Filinto Perry e Octavio Perry, officiaes de marinha e filhos de outro illustre official, e tantos outros, a quem nem o nome nem a origem attenuam o sentimento nacional. Lauro Mller, filho de colonos allemes de Santa Catharina, senador e coronel do exercito e foi ministro da viao no governo Rodrigues Alves. Olavo Bilac, Escragnolle Taunay, Pardal Mallet, Clovis Bevilacqua, Henrique Oswald, Felix de Otero, H. Chiaffitelli, Rodolpho e Henrique Bernardelli, Ludovico Berna, Elyseu d'Angelo Visconti, o architecto Stahlembrecher, o pintor Chambelland, nas letras e nas artes; Raja Gabaglia, Lima Drummond, Alfredo Pujol, Vergueiro Steidel, G. Hasslocher, Wanderley Araujo, no direito; Chapot Prvost, Monat, Chardinal, Seidl, Niobey, Alberto Muylaert e Rebello Kock, na medicina; Paulo de Frontin, Jos e Jorge de Lossio Seiblitz, Estanislau Bousquet, Victor Villiot, Everardo Backeuser, Henrique Kingston, Julio Delamare Koeler, Van Erven, Dunham, na engenharia; Gaffre, Guinle e Street, na industriapara citar s de memoria e para pr de lado aquelles que remontam a um passado j distanteso nomes que ninguem pde crr usados por pessas alheias ao espirito nacional brasileiro. Quem foi o ministro da marinha do governo provisorio? Wandenkolk. E quem o actual ministro da guerra? Bormann. De sangue italiano so os filhos do insigne jornalista, hoje presidente do Senado, Quintino Bocayuva; tm sangue francs os filhos do extraordinario patriota que se chama Rio Branco. [21] E, apezar de toda esta fuso de raas, o sentimento brasileiro nada soffre! E, apezar de quaesquer receios de desnacionalizao, o que se v que cada vez se vae robustecendo mais a nacionalidade! E, se certo que a lingua o mais poderoso elemento caracteristico das nacionalidades, evidente que, dentro do Brasil, todos os exoticos so absorvidos e assimilados pela massa luso-brasileira, que forma a sua fora ethnica preponderante. O dr. Bulhes Carvalho, director geral da Estatistica, no prologo do Boletim Commemorativo da Exposio Nacional de 1908, dizia: Em relao naturalidade, extraordinario o predominio do elemento nacional do Brasil. Em 1872, o numero de estrangeiros era de 383.546 para 9.728.515 brasileiros; em 1890 o total dos estrangeiros era de 351.545 para 13.982.370 brasileiros; em 1900 a cifra dos estrangeiros attingia a 1.240.264 para 16.078.292 brasileiros. III O SUPPOSTO PERIGO Onde existe o perigo da desnacionalizao? Diz o sr. Consiglieri Pedroso, no seu 7. considerando, que o Brasil corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introduco, cada vez em mais larga escala, de elementos de immigrao estranhos ao seu caracter historico e at antipathicos sua idiosyncrasia ethnicaprovaveis causadores de futuras perturbaes e de inevitaveis perigos para a Unio. A immigrao no portuguesaeis em que consiste o perigo, no dizer do eminente professor. Ora, a verdade, falada pelos numeros, pde ser sem brilho, mas irrecusavel. Em todo o periodo que vae de 1820 at 1907, diz-nos a estatistica (Bulhes Carvalho, trabalho citado) que, nos portos do Brasil, entraram 1.213.167 italianos, 634.585 portugueses, 288.646 hespanhoes, 93.075 allemes, 56.892 austriacos, 54.593 russos, 19.269 franceses, [24] 11.731 turco-arabes, 11.068 ingleses, 9.086 suissos, 3.780 sucos, 11 belgas e 165.590 de outras nacionalidades. Ao todo entraram 2.561.482 immigrantes. Tirando os portugueses, temos 1.926.897 immigrantes, no sabemos se todos estranhos ao caracter historico e antipathicos idiosyncrasia ethnica do Brasil. claro que no constituiu a sua superioridade numerica causa de perturbaes nem de perigos para a nao... Esses elementos encontraram na sociedade organizada o meio propicio adaptao. Foram assimilados. E, como a emigrao no representa a cultura, porque recrutada entre as classes mais desprotegidas dos paizes europeus, essas ondas humanas foram fecundar as terras de Santa Cruz e l puderam proporcionar sua prle o bem-estar, a instruco e a educao que, deste lado do Atlantico, ella desconheceria; mas no lhe modificaram a cultura: quando muito, integraram-se nella. Desses immigrantes ficaram os nomes. Os cruzamentos, o ambiente e a evoluo peculiar da sociedade nova em que foram incorporados, formaram um typo nacional, em que predominam as caracteristicas portuguesas, mas que, sob alguns aspectos, tende a differenciar-se do nosso. Por que se deu esse predominio? Pelo facto politico-social da posse e da soberania, em primeiro logar; depois pela aco eugenica dos portugueses sobre os elementos indigenas e africanos; e, finalmente, pela continuao d'essa influencia na descendencia mestia. Quando, ha oitenta e tantos annos se iniciou a corrente immigratoria no portuguesa para o Brasil, j l havia uma consideravel populao com a nossa cultura, com as nossas tradies e com as nossas instituies. Era a nossa raa? O brasileiro era o luso? Sylvio Romero nega que o fosse. Acha que a historia do Brasil no a historia exclusiva dos portugueses na America, [25] nem a dos tupys, nem a dos negros. , antes, a historia de um typo novo. Esse typo novo no podia deixar de ter com o portuguselemento superior da sua formao inicialaffinidades mais intimas do que com qualquer outra nacionalidade. Os destinos de um povo dependem dos seus elementos ethnicos superiores. Assim foi que, dada a implantao da civilizao europa na America, as naes, que vieram a constituir-se n'esse continente, se tiveram de modelar e pautar pelas de que promanavam, reproduzindo, alm da medida exacta do sangue, as qualidades essenciaes das raas originarias superiores. sob este ponto de vista que o brasileiro o portugus da America, onde o Canad ainda representa o francs e o ingls, o americano do norte prolonga a modalidade britanica, e os demais povos conservam inconfundiveis traos do hespanhol. Limitando-nos ao caso que nos respeita, quer isto dizer que o brasileiro se encontra apparelhado pela consciencia nacional e pelas energias de ordem legal, moral e material, que do realidade aos gremios nacionaes, para proseguir na sua marcha evolutiva independente, apezar de quaesquer nucleos extra-lusitanos que para o Brasil emigrem. Os factos corroboram a nulla aco desnacionalizadora dos immigrantes no portugueses. De 1824 a 1859, anno em que os allemes deixaram de ir para o Brasil em virtude do rescripto famoso do ministro prussiano Van der Heydt, esses colonos, espalhados pelas provincias do sul, no logravam attingir a cifra de 30.000. A Allemanha, reconhecendo que cresciam extraordinariamente, apezar de prohibida a emigrao, as populaes germanicas no sul do Brasil, procurou conserval-as unidas Vaterland por meio do ensino: creou escolas e na lingua tinha um vinculo precioso e poderosissimo. So conhecidos por teutos esses brasileiros, que, se puderam ser motivo de preoccupaes, deixaram [26] de o ser desde que, escola e lingua allemans se oppuzeram a escola brasileira e a nossa lingua. Quinhentos mil teutos, muito prolificos, em incessante incremento, constituiro esse perigo? Ou sero os quasi cem mil que, nesse total, conservam a nacionalidade alleman? Ou sero esses, mais os dois milhes e meio de italianos e filhos de italianos e mais outro milho de pessoas de outras linguas? Quatro milhes dos seus dezoito a vinte milhes de habitantes no podem desnacionalizar o Brasil. E ai de ns se o pudessem fazer! Que remedio lhe poderiamos dar com os nossos seis milhes de habitantes, em que s no so analphabetos 1.200.000, quando esses paizes para l mandam gente muito menos ignorante? O perigo da desnacionalizao no existe realmente. A actual populao possue capacidades triumphantes de resistencia invaso exotica. Quem o reconhece no somos ns, so os proprios allemes e italianos. A illuso desfez-se. O Deutschthum falliu na sua execuo sul-americana. A Nova Italia foi fa ......Buy Now (To Read More)
Ebook Number: 30424
Author: Barbosa, José
Release Date: Nov 8, 2009
Format: eBook
Language: Portuguese
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