Itinerario da viagem, que fez a Jerusalem o M.R.P

Itinerario da viagem, que fez a Jerusalem o M.R.P. Title: Itinerario da viagem, que fez a Jerusalem...
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Author: Guerrero, Francisco,1528?-1599
Format: eBook
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Author: Guerrero, Francisco,1528?-1599
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Itinerario da viagem, que fez a Jerusalem o M.R.P.

Title: Itinerario da viagem, que fez a Jerusalem o M.R.P. Author: Francisco Guerrero Release Date: September 26, 2009 [EBook #30091] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido existncia de erros tipogrficos neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Set. 2009) ITINERARIO DA VIAGEM, QUE FEZ A JERUSALEM O M. R. P. FRANCISCO GUERREIRO, Racioneiro, e Mestre da Capella da Santa Igreja de Sevilha, natural da Cidade de Bja. OFFERECIDO AO SENHOR ANTONIO VAN-PLATE, Familiar do Santo Officio. LISBOA OCCIDENTAL, Na Officina de DOMINGOS GONALVES, Impressor dos Monges das Covas de Mont-furado. M. DCC. XXXIV. Com todas as licenas necessarias. AO SENHOR ANTONIO VAN-PLATE, Familiar do Santo Officio, &c. Este breve Itinerario da viagem dilatada, que fez a Jerusalem o Reverendo Padre Francisco Guerreiro, natural da Cidade de Bja, Racioneiro, e Mestre de Capella da Santa Igreja Metropolitana de Sevilha, bem conhecido pelos seus ascendentes, os Guerreiros de Campo de Ourique, e pelas obras de musica, que fez estampar, sempre admiradas, e nunca imitaveis, impresso pelo original Portuguez, que deixou escrito de sua ma, muito differente daquelle, que os Sevilhanos adulterara, e publicara em outro seculo no seu idioma, offereo a vossa merce; na para incitar mais o affecto, com que me deseja favorecer, que conheo na poder crescer mais, como experimento, sim por me mostrar agradecido a tantos beneficios, que recebo, e espero receber de sua Catholica, e politica generosidade. He este o primeiro original, que publico; e como vossa merce apadrinhou o acto de meu mayor empenho, honrando-me com a sua assistencia, em outra occasia, agora desejo tambem que me faa a honra de o patrocinar, pois pela materia, pelo Escritor, pelas noticias que inclue, e pela antiguidade, he digno do seu nobilissimo, e piedoso influxo. Tendo eu a certeza de que he do agrado de vossa merce, espero que o seja de todos, pois a estimaa vulgar sempre imita a particular estimaa de sogeitos da esfra de vossa merce; que entendo ser correspondente ao desejo, que tenho de obsequiar a vossa merce, a quem Deos guarde. Af. V. e C. de V. M. q. s. m. b. Joa de Carvalho. ITINERARIO DA TERRA SANTA Tendo eu, pela misericordia Divina, visitado os Lugares da Terra Santa, muitos devotos me pedira escrevesse esta Santa viagem, para que vista do que eu vi, se abrazassem os seus animos, procurando seguir o mesmo caminho, e serem informados do que lhe era necessario para este fim: e por condescender com os seus desejos, e pelo gosto, que tenho da suave memoria de o haver andado, na me ser molesto o fazer huma breve relaa do que tenho visto: e para dar melhor noticia do movimento, que tive, para fazer esta peregrinaa, he preciso comear do tempo, que me incliney a desejar ver cousas ta dignas de hum peito Catholico. Depois que meus pays, e familia passara da Cidade de Beja, minha Patria, a viverem na Villa de Zafra, me appliquey arte de musica, e nella me doutrinou meu irma Pedro Guerreiro, doutissimo na faculdade; e tanto fez com o castigo, e com a doutrina, sendo grande o desejo, que tinha [2] de saber, e o meu engenho accommodado dita arte, que em poucos annos teve gosto, e satisfaa de mim. Foy preciso o ausentarse; e eu desejando aperfeioarme, tive modo, para ser admittido s lioens do grande, e excellente Mestre Christova de Morales, o qual me deu grande luz na composia da musica, e me poz capaz de qualquer Magisterio; tanto, que tendo de idade dezoito annos, fuy recebido por Mestre de Capella, e Racioneiro da Igreja Cathedral de Jaem, occupaa, que servi trez annos. Neste tempo vim a Sevilha a visitar a meus pays, que enta se achava nesta Cidade, e o Cabido da Santa Igreja me deu huma praa de Cantor com bastante salario; e por obedecer a meus pays, que desejava, e necessitava da minha companhia, deixey o Magisterio, e Raa de Jaem, estimando a honra, que me fazia o Cabido da Santa Igreja, ainda que era mayor, e de mais conveniencia a praa, que deixava. Poucos mezes tinha eu de residencia nesta Santa Igreja, quando entre seis oppositores, que havia ao Magisterio de Malaga, tive a primeira nomeaa, por me quererem favorecer o Illustrissimo Senhor Dom Bernardo Manrique, Bispo desta Santa Igreja, e o Illustrissimo Cabido, e na por merecimentos meus; e mandada a nomeaa a ElRey, por sua ordem tomey posse por hum Procurador. J estava preparado para ir para a residencia da Raa, e Magisterio desta Santa Igreja; e o Cabido da de Sevilha me impedio honrosamente, na permittindo, que eu me retirasse a Malaga; e para que com melhor titulo podesse deixar o que j possuhia, ordenou, que o Senhor Racioneiro, e Mestre da Santa Igreja Pedro Fernandes, Mestre dos Mestres de Hespanha, nosso Portuguez, jubilasse, e se lhe dsse meya Raa, e que eu tivesse a outra metade, e mais o salario de Cantor, com obrigaa de dar de comer, e o mais necessario aos Seyses Typles; e que se eu lhe supervivesse, [3] entrasse em toda a Raa. Vinte e cinco annos vivi com este grande sogeito na mesma casa, e depois que Deos o levou, fuy provido em toda a Raa por Bullas Apostolicas. Os deste exercicio todos sabem, que temos muito particular obrigaa de compor as Chanonetas, e Vilhancicos em louvor do Nascimento de Jesu Christo nosso Senhor, nosso Salvador, e nosso Deos, e de sua Santissima My a Virgem Maria Senhora nossa; e quando compunha as letras para as Matinas de ta luzida noite, e se nomeava Bethleem, se me accrescentava a devoa, e desejo de ver, e celebrar naquelle Lugar Santissimo estes cantares em companhia, e memoria dos Anjos, e Pastores, que l comeara a nos dar lia desta Divina Festa: e ainda que esta pertena era ta grande, que me parecia impossivel o conseguilla, por muitos inconvenientes, que havia enta, especialmente o de meus pays, propuz, ainda que na fiz voto, de que se Deos me dsse vida mais larga, que a delles, de fazer esta Santa viagem: pelo que tanto que Deos os levou desta vida, me pareceo, que tinha feito a mayor parte deste caminho. Estando sempre com este cuidado, de quando chegaria este tempo de me ver em ta Santo caminho, succedeo, que no anno de 1588. nosso Santissimo Padre Papa Sixto V. mandou chamar ao Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor Cardeal Dom Rodrigo de Castro, Arcebispo de Sevilha, e estando preparado para ir a Roma, lhe pedi me levasse no seu servio, e pedisse ao Cabido o tivesse assim a bem, e assim o consegui por sua Senhoria Illustrissima. Tanto que chegmos a Madrid, deteve Sua Magestade ao Arcebispo, e como o Vera entrasse muito caloroso, na determinou passar a diante, at que o tempo refrescasse; e eu como desejoso de me ver j em Italia, vendo esta nova dilaa, pedi a Sua Senhoria Illustrissima me dsse [4] licena para hir a Veneza a estampar huns livros, entre tanto que fizesse tempo de proseguir a sua jornada, porque ao presente estava em Carthagena as Gals do Gra Duque de Florena. O Cardeal na smente me deu licena, mas tambem me fez merce de me dar a ajuda necessaria para a jornada, e assim me parti a Carthagena, aonde achey outras Gals, que estava para navegar, que embarquey para Genova, e dahi passey a Veneza, a que cheguey em oito de Agosto. A primeira diligencia que fiz, foy ajustar a imprenssa dos livros de musica; e dizendo-me o Impressor, que para se estamparem era necessario tempo de cinco mezes, disse a hum amigo meu: Nesse tempo podia eu fazer a minha viagem a Jerusalem; a que respondeo, dizendo: Em boa occasia fallais, pois ahi est huma nao nova, e boa, que vay para Tripoli de Syria; do que tive grande alegria; e tomando a correca dos livros sua conta o Mestre Joseph Zertino, Mestre da Capella de Sa Marcos, e da Senhoria de Veneza, Vara doutissimo em musica, e outras artes liberaes, me concertey com o Escriva da nao, ajustando de lhe dar cinco escudos pela embarcaa, e por comer com o Capita sete cada mez, o que he ordinario. Foy meu companheiro em toda esta Santa viagem Francisco Sanches, meu discipulo, e assim alegremente nos embarcamos a quatorze de Agosto de 1588. tendo eu de idade sessenta, sem temor do mar, nem de tantas naoens inimigas, como se encontra nesta peregrinaa, porque o gosto, que tinha desta jornada, me facilitava, e suavizava tudo. [5] Do caminho, que fizemos de Veneza a Jaffa, porto da Terra Santa. No dia seguinte, que se contava quinze do dito mez, em que se celebrava a Assumpa da Virgem Senhora nossa, comeamos a navegar lentamente, por termos pouco vento, e melhorando o tempo, chegmos Cidade de Pareno, na Provincia de Istria; e daqui sahimos navegando prosperamente pela costa de Dalmacia, terra, e Patria do Maximo Doutor Sa Jeronymo; e pela Esclavonia, e Albania, em quinze dias chegmos Ilha de Zante, terra na Grecia de Venezianos, a que ha trezentas leguas de Veneza; deixando ma esquerda a Ilha de Chafallonia, e Golfo de Lepanto, adonde foy aquella grande batalha, que teve a Armada da liga Christa com a dos Turcos, e teve a vitoria a dos Christos, sendo General della o Senhor Dom Joa de Austria, irma delRey Filippe II. nosso Senhor. Retivemos em Zante quatro dias; Ilha, bem provida do necessario para a vida humana, especialmente de vinho, que o ha em abundancia, e muito excellente; e vindo muitas naos de Levante a Poente a carregar, para todas, e para os naturaes ha abundantemente. Toda esta terra he de Gregos, e smente os Governadores sa Venezianos, como Senhores della. Tem dous Bispos; hum Grego, outro Latino. Tem duas Povoaoens; huma junto ao mar, outra em hum alto monte, em que est huma boa Fortaleza. A mayor parte das Igrejas sa de Gregos. Tem hum Convento de Religiosos de Sa Francisco, adonde os Latinos dizemos Missa. Ouvimos aqui huma Missa aos Gregos; e a officiara de Cantocha Ecclesiasticos, e seculares. He o seu canto simples, e ignorante. Dizem a Missa com devoa, e muitas ceremonias, e huma dellas he, que a materia de pa fermentado, e vinho que [6] se ha de consagrar, a traz o Sacerdote sobre a cabea no Caliz muito cuberta, sahindo por huma porta do Altar, que o divide do corpo da Igreja, e dando huma volta por ella, se torna a recolher ao mesmo Altar, incensando hum Ministro ante elle, e o Povo est adorando, em joelhos, a materia, que ainda na est consagrada. Est esta Ilha perto, e fronteira Morea, que he Corintho, adonde Sa Paulo escreveo duas de suas Epistolas. Partidos de Zante, nos engolfamos at chegar Ilha de Candia, que por outro nome se chama Creta, a que haver duzentas leguas. Fomos costeando-a, quasi cem legoas, e sem desembarcar, entramos por outro Golfo, que ser de outras duzentas legoas, pouco mais, ou menos, e chegamos Ilha de Chypre, terra fertil, e fermosissima de tudo o que se pde desejar. Esta Ilha, e Reyno possuem os Turcos de vinte annos a esta parte, ganhando-a por fora de armas aos Venezianos, que era Senhores della, ficando os naturaes com suas casas, e fazendas, porm sogeitos ao Turco. Os moradores sa Gregos, e Latinos. Desde que sahimos de Veneza at que chegmos a huma Cidade desta Ilha, que chama Limisol, passara vinte e sete dias. Desembarcados nesta Cidade, comeamos a tratar com os Turcos, e ainda que com algum medo no principio, brevemente o perdemos; porque como os Venezianos tem paz com elles, e ns os Peregrinos vamos a titulo de Venezianos, fallando na sua propria lingua, na ha que temer. Do tempo da guerra ficou muito mal tratada esta Cidade. A Fortaleza est arruinada da grande bataria, que lhe dera os Turcos, e as Igrejas, e Cruzes, que estava nas entradas, e a mayor parte das casas, esta cahidas. Tem esta Ilha muitas cousas necessarias, e regaladas para a vida, muito pa, e vinho, assucar, e grande quantidade [7] de algoda, de que carrega muitas naos para Levante, e Poente. Aqui reside hum Consul da naa Franceza, e Italiana, que he o que est, e se poem por meyo entre Christos, e Turcos, e com elle tratmos os nossos negocios. Fomos a sua casa, e nella nos regalou; e delle soubemos da guerra, que o Turco tinha na Persia, e das companhias de gente, que passava pela Caramania, que est muito perto, na terra firme de Asia; e da boa occasia, que havia na presente conjuntura, para tornar a cobrar este Reyno, pela pouca guarnia, que nelle tem: porm melhor he na cuidar nisto, porque os Christos na tratamos de recuperar o que perdemos; e temos experiencia, que o que estes Barbaros conquista, j mais o perdem. Estando nesta Cidade, nos disse o Capita, que se havia de dilatar com sua nao mais de vinte dias, e dalli navegaria para Tripoli de Syria; e assim lhe parecia, que partissemos para Jaffa, porto da Terra Santa, distante de Jerusalem doze legoas, e que adiantassemos estes dias: pelo que nos ajustou a quatro Peregrinos que eramos, com hum barqueiro, que tinha trez companheiros, e dizia, que era Christos. Levava estes a sua barca carregada de alfarrobas Cidade de Damiata no Egygto; e concertados em vinte e cinco zequies, que cada zequi vale huma pataca; e em quatro dias chegamos ao dito porto, a que ha de Limisol cento e vinte legoas. Foy alegrissima a vista a todos, descobrindo Terra, que com tanta raza se chama Santa. Do caminho vimos a Cidade de Cesarea da Palestina, e outras Povoaoens, ainda que na sahimos em terra, por nos aproveitarmos do bom tempo, e chegarmos com brevidade ao porto desejado. De Veneza at Jaffa gastamos trinta e dous dias. [8] Da Cidade de Jaffa, e do caminho que fizemos at Jerusalem. Esta Cidade, que por outro nome se chama Joppe, foy muito principal, como se colhe das ruinas dos seus edificios. He muito celebrada na Santa Escritura pelas cousas, que nella acontecera. Aqui se embarcou Jonas Profta, quando fugindo elle de Deos, lhe ordenou este Senhor, que fosse prgar a Ninive; e pela tempestade, que por sua culpa permittio Deos, foy lanado no mar, e tragado da Balea. Aqui esteve algum tempo o Apostolo Sa Pedro, e nella vio aquella visa do Ceo aberto, e baixar hum vaso ao modo de hum lanol, cujas pontas chegava ao Ceo, cheyo de serpentes, e aves, e outros animaes, e Deos lhe mandava, que matasse, e comesse; e o mais, que nos Actos dos Apostolos se refere. Aqui resuscitou o mesmo Santo Apostolo a huma mulher, chamada Dorcas; e por estas, e outras muitas particulares cousas, que ha, e succedera nesta Cidade, he muito famosa, e muito celebrado o seu porto. Logo que o nosso barco chegou, e deu fundo, veyo da terra outro barco encaminhado ao nosso, em que vinha o Subasi, que he o Aguasil da Cidade de Ram, com oito, ou dez arcabuzeiros, e frecheiros, e chegando ao nosso barco, entrara nelle, olhando para ns, e dizendo: Christiani, Christiani? E ns baixando a cabea, lhe demos a entender, que sim. O barqueiro, quando vio, que elles vinha, escondeo dous barris de vinho, por saber o quanto deseja este licor, deixando smente o que bastava para a merenda, que constou de pa, e queijo, e alfarrobas. Acabada a merenda, nos fez sinal para que entrassemos no seu barco; e fomos para terra Christos, e Turcos muito alegres, rindo de hum Turco, que se emborrachou, ao qual dizia os companheiros muitas galantarias. [9] Chegados a terra, nos pedio o Subasi de entrada hum zequi por cada hum; e recebido, nos encomendou a hum Turco, para que nos guardasse: e visto que naquella noite haviamos de dormir no cha, em humas Tercenas antiquissimas, entrmos em requerimento com o Turco nosso guarda, para que nos deixasse dormir em hum barco no mar; e elle ainda que o difficultou, concedeo a licena tanto que lhe dmos certas moedas. O Subasi naquella mesma noite partio para Ram, distante quatro leguas; e lhe pedimos nos mandasse hum homem com bestas para nos levar a Jerusalem, o que elle prometteo, e cumprio. Aquella noite, e a que se seguio, estivemos em hum barco cheyo de Peregrinos, que vinha de Jerusalem, em que se achava quatro Cavalleiros Francezes, e alguns Religiosos, que nos regalara no tempo, que alli estivemos. No terceiro dia chegou hum homem de Ram, que se chamava Atala, e trouxe para cada hum de ns hum jumento, e nos ajustmos os quatro Peregrinos com elle em vinte e quatro zequies. Neste tempo chegara mais dous Perigrinos, hum Religioso de Sa Francisco, que vinha do Cayro, e hum Clerigo, ambos Francezes; e logo muitos Gregos com mulheres, e filhos; e todos juntos fizemos jornada para Jerusalem. Fallava o homem com quem caminhavamos muito bem a lingua Italiana, e dizia, que era Christa; ainda que algumas vezes por graa, (que a tinha, e entendimento) respondia, quando lhe perguntavamos porque comia de boa vontade com Mouros, e Turcos: Olha, eu sou Mouro com os Mouros, e Christa com os Christos, e com os ladroens sou ladra; e eu lhe dizia: Sede vs, amigo Atala, o que quizeres; mas agora comnosco sede Christa. Chegmos a Ram, que por outro nome se chama [10] Ramata, adonde estivemos trez dias. Todo este caminho at Jaffa he plano; ha muitas oliveiras, vinhas, e outras frutas, e entre estas huma mayor que meloens, que se chama em Italia Anguria: he muito fresca, e os Turcos usa muito della para entreterem a sede. Foy esta Cidade muito fermosa em edificios, e ao presente est arruinada; ainda que alguns existem, e algumas Igrejas, e Torres, especialmente a de Sa Jorge, que est fra da Cidade. Aqui pousmos em huma casa, que ainda que em parte estava derrubada, tinha bastante commodo para todos os da comitiva. Dizem, que era de Nicodemus: agora he dos Religiosos de Jerusalem, e nella se recolhem os Peregrinos. Nesta Cidade ha muito de comer, e barato, especialmente gallinhas. Por grande alivio tivemos, que hum homem nos alugasse humas esteiras para domir, e dmos algumas moedas a hum Turco, para que nos guardasse da parte de fra do aposento; e apressando todos a Atala nosso guia, para que fizessemos jornada, nos disse, que era preciso avisar a hum Capita de Arabes, para que estivesse em certo passo, para nos segurar de outros Arabes ladroens, que nelle andava roubando; o que assim foy, pois na manha em que madrugmos para sahir desta Cidade, ao amanhecer, achmos naquelle passo o Capita que dizia, com vinte Arabes de cavallo bem armados. Fizera-nos deter a todos, e passada pouca mais de meya hora, que o nosso Atala fallou com elles, passmos de largo, e seguimos o nosso caminho, e depois que delles nos apartmos, veyo correndo a mim hum delles a cavallo, e tocando por todo o meu fato, dizia: Jarap, jarap; no que me pedia, se levava vinho, que lhe dsse de beber; e como lhe disse: Que de boa vontade lhe satisfizera a sede, se o levara, se foy muito triste, e eu fuy bem alegre, por me ver livre delle. Por todo este caminho at Jerusalem a cada legoa nos [11] sahira quinze, ou vinte Arabes com arcos, e frechas, ta morenos do Sol, e ta mal vestidos, que parecia os diabos, dando milhares de gritos ao nosso Trucima Atala, para que lhes dsse o Gafar, que he certa portagem, que lhes pago, os que passa por aquellas partes por via de paz; porque todos estes Arabes na esta sogeitos ao Gra Turco, nem a outro nenhum Senhor; e outra renda, ou officio na tem, mais que o que rouba. Parecem quando nos sahem ao encontro, e nos poem as frechas nos peitos, que nos querem assettear, e com lhe dar dous, ou trez tostoens por todos, esta contentes; e com todos os mais, que nos sahem de legoa em legoa, praticamos o mesmo; e ainda que sa ambiciosos de modo, que nos apalpa as algibeiras, e tira o que nellas acha, sa ta comedidos, que podendo tomarnos os escudos, que levamos escondidos, vamos seguros pelo respeito, que todos tem ao nosso Trucima Atala, em aquelles caminhos, e porque os castigaria, se nos tratassem mal, e os prendessem. Vimos neste caminho muitas Igrejas, na de todo arruinadas, que a pouco custo se podia reparar. Vimos hum edificio antigo, que dizem ser a casa do Bom Ladra. Vimos as ruinas da Cidade de Modin, terra, e Patria dos Machabeos. Todo este caminho he plano, e smente quatro legoas antes de Jerusalem he a terra montuosa, e pedregosa. Tanto que foy meyo dia, descanmos sombra de humas oliveiras, junto a huma fonte; e estando comendo do que levavamos da Cidade de Ram, chegou hum Turco, montado em hum fermoso cavallo, e sem se apear, comeo do que lhe dey com a minha ma. Adverti no bom talhe do seu corpo, e o como vinha preparado para a guerra. Trazia lana, cimitarra, arcabuz, arco, e frechas, e maa, de que pendia oito facas, adaga, punhal, e martello. Pareceo-me, que podia contender com dez homens, e ainda [12] tirar-lhes a vida. Veja se he necessario hirem bem prevenidos, e petrechados, os que forem peleijar com esta gente. Este lugar aonde descanmos, est junto ao Valle Terebintho, em que David matou ao Filisteo Goliath. Passmos hum rio de pouca agua, e conjecturo ser este, o em que David colheo as cinco pedras, que levou no urra, quando foy para a batalha, e com que venceo ao Gigante. Aqui ha huma ponte quasi destruida, que mostra ainda hoje, que foy soberbo edificio. Passado este Valle, e rio, subimos huma grande legoa de costa, e no alto dmos em caminho plano, ainda que pedregoso: chegando ns Cidade Santa de Jerusalem, que est rodeada de montes, e smente se v della alg[~u]a cousa do monte Olivete, daqui descobrimos hum pedao de muro, e as Torres do Castello; e foy tal a nossa alegria, e ta extraordinario o contentamento, que todos os Peregrinos Latinos, e Gregos nos apemos, beijando muitas vezes a terra, dando muitas graas, e louvores a Deos, e enviando-lhe milhares de lagrimas, e suspiros devotissimos, dizendo cada hum sua devoa Santa Cidade, e repetindo muitas vezes: Urbs beata Hierusalem. Neste tempo nos sahio a receber hum Christa, chamado Bautista, que serve aos Religiosos de lingua para com os Mouros, e Turcos, e falla bem Italiano, mandado pelo Padre Guardia, que j tinha noticia da nossa hida; e como chegmos porta da Cidade, nos fez sentar, e que esperassemos o aviso do Padre Guardia, que he, a quem o Pontifice tem nomeado por Cabea dos Latinos; e seria passada quasi meya hora, quando chegara dous Religiosos Italianos, e nos saudara da parte do Padre Guardia, e que fossemos bem chegados, e que esperassemos hum pouco, em quanto elles procurava dos Turcos a licena da entrada; que logo viera, e examinara a roupa, que [13] levavamos, que era bem pouca; e he o que mais convm para segurana do Peregrino. Logo que tudo vira, nos dera a entrada livre, pagando cada hum dous zequies de ouro. Os Gregos como mais de casa, e Vassallos do Turco, entrara logo, e fora ao seu Patriarcha; e neste tempo viera os Religiosos, e nos levara aos seis Latinos, que eramos. Em 22. de Setembro de 1588. dia do glorioso Sa Mauricio entrmos na Cidade Santa, passados trinta e sete dias, que tinhamos sahido de Veneza. Da Santa Cidade de Jerusalem, do Sagrado monte Sion, e de suas Estaoens. Levara-nos os dous Religiosos ao Convento de S. Salvador, que he o principal da Terra Santa, adonde nos recebera os Religiosos processionalmente, cantando Te Deum laudamus, &c. Entrmos na Igreja, que est no alto da casa, e depois de fazer oraa, se poz hum Religioso junto ao Altar, e fez em lingua Italiana huma muito devota pratica, em que nos representou a grande merce, que Deos nosso Senhor nos fizera, de nos permittir o ver aquelles Santuarios, e Lugares Santissimos, e nos exhortou, a que nos dispuzessemos a ganhar as Indulgencias, confessando, e commungando. Acabada a Pratica, nos levara a huma casa, com a mesma Procissa, adonde nos lavara os ps com muita devoa, cantando Hymnos, e oraoens; e acabado o lavatorio, nos dera bem de cear; e logo nos guiara para huns aposentos, e a cada hum nos sinalara cama, em que dormimos, e descanamos alegrissimamente, por nos Deos Senhor nosso fazer ta singularissima merce, que na concede a todos, pois muitos Principes, e Reys o deseja, e na alcana. [14] No seguinte dia nos preparmos para a confissa, e o Padre Guardia deu faculdade aos Confessores, para nos absolverem plenariamente, porque tem as vezes do Pontifice; e mostrando-lhe as nossas Dimissorias, nos deu licena para dizer Missa. Ha trez Altares nesta Santa Igreja, e todos privilegiados, isto he, que se tira Alma do Purgatorio. Acabado o Officio, nos encomendou a hum virtuosissimo Religioso Italiano, chamado Salandria, que havia vinte annos, que estava na Terra Santa, para andar as Estaoens comnosco; e elle, e hum Companheiro, e Bautista, que j nomeey, que he o nosso Interprete com os Mouros, e Turcos, e nos defende dos rapazes, que nos tira pedradas pelas ruas, e nos avisa do que havemos de fazer, de que na tussamos, nem cuspamos, porque entendem os Mouros, e Turcos, que zombamos delles, comemos com alegria, e devoa a andallas; e muitos Religiosos se associara tambem para o mesmo, que supposto tenha visto muitas vezes aquelles Lugares Santos, na perdem a occasia de os visitar, e ganhar as muitas Indulgencias, que lhes sa concedidas. Deste modo, e com este Santo acompanhamento sahimos os seis Peregrinos; e a primeira Estaa, que fizemos, foy Igreja do Apostolo Santiago, em que o Santo foy degollado. He esta Igreja de Armenios, muito grande, e bem fabricada. A Capella da degollaa est ma esquerda da entrada da Igreja, adonde est hum marmore debaixo do Altar, que tocmos, e reverencimos. Tem os Armenios huma boa casa continuada com esta Igreja em frma de Convento. Daqui fomos casa de Ans, adonde Christo Senhor nosso foy levado tanto que o prendera. He Igreja de Armenios. Aqui dera a Christo Senhor nosso a bofetada. Mostra-se [15] aqui huma Oliveira, a que dizem estivera Christo Senhor nosso atado, em tanto, que Ans sahia para o ver. Tem Indulgencia plenaria. Deve saberse, que em todos os Santuarios, que se anda em toda a Terra Santa, se diz hum Hymno, Antiphona, Verso, e Oraa, para o que ha livro particular, e rezado hum Padre nosso, e huma Ave Maria, se nos explica o mysterio do tal Lugar. Fomos daqui casa de Caifs, em que est huma Igreja no Lugar em que Christo Senhor nosso foy accusado, e tudo o mais que consta do Santo Euangelho. Visitmos o Altar mayor, e lhe serve de cuberta a Pedra, que estava porta do Santo Sepulchro, a qual com raza difficultava as Santas Marias, dizendo: Quem nos tirar a pedra? porque he de dez palmos, pouco mais, ou menos, de comprimento, e quatro de largura, e muito grossa. Na Capella mayor ha na parede hum retrete pequeno, em que smente poder caber dous homens, e para se poder entrar he de joelhos, por ter huma pequena entrada: he este o Lugar adonde Christo Senhor nosso esteve como encarcerado, em tanto que o Pontifice sahia para o ver. Sahimos da Igreja a hum patio, que est junto a ella, em que se v huma Larangeira, e he o lugar em que estava ao fogo os Ministros de Caifs, e adonde Sa Pedro negou a Christo. Do alto desta casa, (que est poucos passos fra do muro da Cidade) fizemos oraa, e ganhmos as Indulgencias do Santo Cenaculo, que est perto della, no alto do Monte Sion, que por esta parte na he mais alto, que a Cidade. Na entrmos nelle, porque os Turcos, com lastima nossa, o fizera Mesquita. Aqui foy o Lugar, em que Christo Senhor nosso ceou com seus Discipulos, e instituhio o Santissimo Sacramento, donde lhes lavou os ps, donde baixou o Espirito Santo no dia Pentecostes; e donde habitava [16] a Virgem Senhora nossa. Neste Cenaculo assistia os Religiosos de Sa Francisco, e haver trinta annos, que o Turco o tirou aos Religiosos. A causa dizem, que foy, que huns Judeos dissera ao Turco, [~q] alli era a sepultura de David, e que na era justo, que os Christos pizassem a sepultura de ta grande Profta, e Rey: e como os Turcos tem muita veneraa aos Proftas do Testamento Velho, mandou, que os Religiosos tomassem casa dentro em Jerusalem; pelo que viera para a Cidade, e comprara huma boa casa, que he a de Sa Salvador, em que agora vivem: ainda que por estar no Castello, que se chama dos Pisanos, Fortaleza da Santa Cidade, Lugar eminente, os Turcos lhe derrubara os aposentos altos, porque na estivesse igual com o Castello; e assim sa terreos os aposentos. Este Santo Cenaculo foy a Casa Real; e tudo o que em circuito est despovoado, era o mais principal da Corte de David, e dos mais Reys. Agora smente est a Casa, e Igreja do Santo Cenaculo; o mais est despovoado. Sahidos da Casa de Caifz, e da Cidade, baixando hum pouco pelo Monte Sion para a parte do Oriente, est o Lugar, adonde, levando os Apostolos a sepultar o Corpo da Virgem nossa Senhora, lho quizera huns Judeos tirar, e secou o brao do seu Sacerdote, que atrevido tocou no esquife; e depois lhe foy restituido, e se converteo F. Na ha outro sinal desta memoria, mais que hum monta de pedras. Aqui se ganha muitas Indulgencias. Baixando mais alguma cousa por este Monte Sion, junto do muro da Santa Cidade, est o Lugar, adonde Sa Pedro Flevit amar: e hum pouco mais abaixo, junto ao muro antigo, est huma igreja, e Casa, como Convento, fermosissima no exterior; e no mais alto da Torre tem huma grande mea Lua de ferro. Nesta Igreja foy a Santissima Virgem Maria Senhora nossa presentada, sendo menina, com [17] as demais Virgens. He agora principal Mesquita dos Mouros, e Turcos; e est no ambito do Templo de Salama, que he dos muros a dentro. Baixando o que resta do Monte Sion, chegmos ao Valle de Josaphat, de que logo direy por levar direita a ordem, que tivemos em andar as Estaoens pela outra parte da Santa Cidade, e tornemos ao Convento de Sa Salvador, para dahi as proseguirmos. No outro dia comeando as Estaoens, fomos pela Rua da Amargura, por onde Christo Senhor nosso sahio a morrer, levando a Cruz s costas da casa de Pilatos at o Calvario. Deixmos ma direita a Igreja do dito Calvario, e Santo Sepulchro, em que na entrmos, por a reservarmos para a ultima Estaa; e vimos a casa da piedosa mulher, que com huma limpa toalha, chegando a ao Divinissimo rosto de Christo Senhor nosso, o tirou estampado com o seu preciosissimo Sangue, e com a sua verdadeira effigie. Duas dobras tinha esta toalha; huma se venera em Roma, outra na Santa Igreja Cathedral de Jaem. Nesta rua vimos a casa do rico Avarento, que na quiz dar esmola de suas migalhas ao pobre, e Santo Lazaro; e o Lugar, adonde o Cyrineo tomou a Cruz a Christo Senhor nosso, para lha ajudar a levar, e adonde as filhas de Jerusalem o chorava, quando o Senhor lhes disse: Filiae Jerusalem, &c. Tambem vimos a casa de Pilatos, da qual sahe hum arco em que esta duas janellas, que sa as mesmas pedras daquelle tempo, e de huma dellas mostrou este Juiz a Christo Senhor nosso ao Povo, quando disse: Ecce homo. Por baixo deste arco passa a rua principal; e agora serve esta casa Justia. Ha muitos Santuarios nesta rua destruidos; e hum delles se edificou em memoria do sentimento, e dor, que a Virgem Senhora nossa teve, quando vio a Christo seu Unigenito Filho Senhor nosso com a Cruz s costas; e em todos ha muitas, e grandes [18] Indulgencias. Junto desta casa, que referi, rua acima, est a casa delRey Herodes, adonde Pilatos mandou a Christo Senhor nosso, que delle foy desprezado, e do seu exercito, e vestido de huma vestidura branca, o remetteo a Pilatos. Vimos tambem o carcere donde o Anjo tirou a Sa Pedro. Aqui ha hum pedao de Igreja bem fabricado. No primeiro de Agosto celebra a Santa Igreja Catholica esta memoria. Proseguindo o nosso caminho por estas ruas, pelas quaes foy nosso Redemptor derramando o seu Sangue purissimo, e preciosissimo, fomos ao Templo de Salama, e sem que nelle entrassemos (porque na he permittido aos Christas, e se algum entra, lhe custa a vida temporal, ou a espiritual, renegando da F) vimos a Piscina, que est junto ao dito Templo, em que Christo Senhor nosso deu saude ao enfermo de trinta e oito annos de enfermidade. Agora na tem agua, e est chea de herva, e arvores de nenhum prestimo. Ainda se vem vestigios dos portaes, que enta havia. Esta Piscina est junto da porta da Cidade, e da casa de Sa Joachim, e Santa Anna, pays da Virgem Senhora nossa, e aqui foy a sua purissima Conceia. Entrmos neste Santo Lugar, que est quasi debaixo da terra; o que succede em commum a todos os edificios; porqu ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 30091
Author: Guerrero, Francisco
Release Date: Sep 26, 2009
Format: eBook
Language: Portuguese

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