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Nocturnos
Title: Nocturnos Author: Gonalves Crespo Release Date: November 17, 2013 [EBook #44211] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido existncia de erros tipogrficos neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Novembro 2013) NOCTURNOS D'esta edio tiraram-se mais trinta exemplares que no entraram no mercado; sendo: 12 exemplares em papel Japon.os 1 a 12 12 exemplares em papel Whatmann.os 13 a 24 12 exemplares em papel Chinan.os 25 a 30 GONALVES CRESPO NOCTURNOS LISBOA 18, Rua Oriental do Passeio 1882 Direitos reservados LISBOAImprensa Nacional A MINHA MULHER MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO A ti, boa e rara e fiel amiga, A mais sancta e a melhor das companheiras, A ti, flr mimosa e alma antiga, Doce Premio que ris ao meu canao A ti, meu Conselho, estas ligeiras Folhas que ponho a medo em teu regao. CONFIDENZA Perguntaste-me um dia a vida que eu levava. Mimosa e eburnea flr, Em antes de te vr; respondo-te: sonhava... Ouviste, meu amr? No era bem sonhar: s vezes largo espao Ficava-me a sorrir Para os quadros que eu via em luminoso trao Nas tlas do porvir. [4] Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida, Os que me lembram mais: Assim, fita nos meus, pomba estremecida, Os olhos teus leaes! Olha este quadro e v: o campo alegre e franco, Uma aurora de abril: Da larga estrada beira um campanario branco, O cu profundo anil. De uma casa janella uma creana loura, Loura como um trigal: Fiando luz do sol que leve a sobredoura De aureola ideal. Toda risos e festa a doce creatura Olhava para mim, E eu repetia a ss: alcano-te, ventura! Serei feliz emfim! De um outro quadro ento recordo-me saudoso, E alongo os olhos meus Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso, Que me cahiu dos cus! [5] Fica ao longe da vil poeira das cidades E do seu vo rumr, O palacio esquecido; s horas das trindades, Entremos nelle, flr! Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo, E o oloroso pomar; Subamos essa escada, agora, a furto e a medo, Comecemos a olhar. vetusto o salo; em flaccida poltrona Repoisa e scisma alguem: Alguem que nos recorda a imagem da Madona, Grave e sizuda me. D'esse alguem no regao um anjo se reclina Confiado e feliz, Se-lhe um arma subtil da bcca pequenina. Falla, no sei que diz. casta essa creana e pura entre as mais puras, Que em sonhos vi jmais; Tem o vago esplendr das biblicas figuras Dos antigos missaes. [6] moa e menina: olhar nenhum ainda De leve a maculou. Dorme no seio della o amr, a crena infinda Que Deus lhe confiou. Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas, Ficamos a pensar Nos mysterios do cu, nas cousas ignoradas Que descobre esse olhar. Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo, Cego de tanta luz, E que tremulo beije o tpido veludo De seus psinhos ns! E no cra, bem vs, a candida creana! Antes meiga sorri, E entre risos me diz, compondo a escura trana: Pensava agora em ti! Porque tardaste tanto, poeta? eu te esperava Na minha solido! Vem os segredos vr que para ti guardava Dentro do corao! [7] Concerte vossa orchestra, harmonicas espheras, No clico esplendor! Maria, essa creana, flr das primaveras, Eras tu, meu amr! [8] O VELHINHO A J. Cesar Machado Aquelle que ali vae triste e canado E mais tremente que os juncaes do brejo. Foi outrora o mais bello e o mais amado Entre os moos do antigo logarejo. Nas fitas d'esse labio desmaiado Quantas mulheres tremulas de pejo No sorveram os nctares do beijo Dos trigaes sobre o leito perfumado! [9] Hoje velhinho, e falla dos francezes Aos rapazes da eschola, e s raparigas Que no canam de ouvil-o... As mais das vezes Sobre a ponte, ssinho, ouve as cantigas Das que lavam no rio, e o olhar extende Ao sol que ao longe na agonia esplende... [10] ANIMAL BRAVIO A Melle Eugenia Vizeu Preferiras um ramo caprichoso De escolha rara e de um concerto fino, Onde visses o ccto purpurino E os nevados jasmins do Tormentoso. Em vez do ramo exotico e oloroso, Casto recreio d'esse olhar divino, Acceita, Eugenia, este animal felino, Que o meu brao subjuga vigoroso. [11] Tive artes de o amansar: eil-o sereno! Acode minha voz, e ao meu aceno Como um jaguar voz de um saltimbanco... Vamos, sonto! a prumo! ajoelhe, prsto! E doce Eugenia, do sorriso honesto, A fimbria oscule do vestido branco! [12] AD AGROS No tardes, flr; a aldeia nos espera, Chovem armas dos folhudos ramos: Suspensa do meu brao, eia! partamos! Olha-nos Deus da crystallina esphera. Nas manhs da passada primavera Com que delcia ethrea nos ammos! Iremos vr os nomes que tramos No rude tronco em que se enlaa a hera. [13] No tardes, meu amr, sei de um caminho, Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho, Em cujas vlas bate o vento em cheio... Seguir-nos-ho as aves namoradas, Que ao som das tuas infantis risadas Modularo seu tremulo gorgeio... [14] A NUVEM De Th. Gauthier As roupas deslaando, entra no banho A languida sultana enamorada: Livre do pente, os hombros ns lhe beija A longa e fina trana desatada. Atraz dos vidros o sulto a espreita; E comsigo murmura: como bella! Ninguem a v, ninguem! o negro eunucho Do harem na trre solitario vela! [15] Eu a vejo, uma nuvem lhe responde Do sereno e alto azul illuminado: Vejo-lhe os seios ns, vejo-lhe o dorso, E o seu corpo de perolas colmado Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua, E erguendo o seu kandjar de folha rara, Desce, e apunhala a nua favorita... Quanto nuvem... no azul se dissipra... [16] O JURAMENTO DO ARABE A Teixeira de Queiroz Bas, mulher de Ali, pastra de camlas, Viu de noute, ao fulgor das rtilas estrellas, Wail, chefe minaz de barbara pujana, Matar-lhe um animal. Bas jurou vingana; Corre, clere va, entra na tenda e conta A um hospede de Ali a grave e inulta affronta. [17] Bas, disse tranquillo o hospede gentil, Vingar-te-hei com meu brao, eu matarei Wail. Disse e cumpriu. Foi esta a causa verdadeira Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida Omar, filho de Amr, perdra o alento e a vida. Amr que lanas mil aos rudes prlios leva, E que em sangue inimigo, irado, os odios cva, Incansavel procura, e sempre embalde, o vil Matador de seu filho, o trdo Muhalhil. Uma noite, na tenda, a um moo prisioneiro, Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro Fallou severo assim: Escravo, attende, e escuta: Aponta-me a regio, o monte, o plaino, a gruta, Em que vive o traidr Muhalhil, dize a verdade; D-me que o alcance vivo, e tua a liberdade! E o moo perguntou: por Allah que o juras? [18] Juro, o chefe tornou Sou o homem que procuras! Muhalhil o meu nome, eu fui que espedacei A lana de teu filho, e aos ps o subjuguei! E intrpido fitava o attonito inimigo. Amr volveu:s livre, Allah seja comtigo! [19] NUM LEQUE Amar e ser amado, que ventura! No amar, sendo amado, um triste horrr: Mas na vida ha uma noite mais escura, amar alguem que no nos tenha amr! [20] OLHOS DE JUDIA No transparente olhar das virgens da Allemanha Nada um fluido subtil tam pleno de scismar, Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha Num castello do Rheno em noites de luar. Flr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha, Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar, O crespo, o encapellado e procelloso mar Dos desejos febris o corao nos banha. [21] Nos teus olhos porm venusta semi-deia, Como nas mutaes de um rapido scenario, Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia... Vejo o louro Jesus vagueando solitario, Vejo-o no Horto a chorar, ouo-lhe a voz na Ceia E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario. H. HEINE NUMEROS DO INTERMEZZO A Melle Louse de Almeida e Albuquerque [24] I Rosas e lirios, pombas, sol radiante, Tudo isso outrora, no fugaz passado, Eu adorei constante. E d'esse amr, que tive immaculado Por lirios e aves e subtis perfumes, Nem j me lembro, seductra amante, Fonte pura de amr, que em ti resumes A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante! [25] II De um lirio branco no mimoso calix Se eu a fosse depr A vaga essencia de meu peito, em breve Escutras no calice de neve Uma cano de amr. Cano divina relembrando as ancias, E o languido tremr Daquelle beijo, em noite mysteriosa, Que me deram teus labios cr de rosa, Meu doce e casto amr! [26] III luz viva do claro sol radioso O lto inclina a fronte esmaecida, E espera a noite pensativo e ancioso. Rompe a lua, e derrama a luz querida Na corolla mimosa Da pobre flr que se abre enlanguecida. Pobre flr amorosa! [27] Olhando o cu e a lua at parece Que, em desmaios de amr, Treme, palpita, cra e desfallece A scismadora e enamorada flr! [28] IV Sobre os olhos formosos Da minha doce amada Rimei canes que os astros decoraram; E embalsamei-lhe a bcca perfumada Em terctos graciosos. Innumeras estancias decantaram Seu rsto peregrino Que os jaspeados lirios escurece. Que sonto divino Eu rendilhra com subtis lavres Sobre o seu corao... se ella o tivesse! [29] V Pozeram-te no rsto o areo vu nupcial. Bem sei que te perdi, mas no te quero mal. Brilham do teu collar as pedras luminosas, Mas no teu corao que noites luctuosas! Em sonhos eu desci, misera mulher, s sombras da tua alma, e vi-te o padecer... Bem sei que te perdi, minha doce amada, Mas no te quero mal, s muito desgraada [30] VI Sei-o; a tua vida sem ventura, -nos commum esta funrea sorte. Ce sobre ns a mesma noite escura, E isto no finda sem que chegue a morte. Se vejo nesse olhar um rir travsso, E em teu labio a insolencia costumada, E o orgulho inflar teu corao... padeo, E murmuro: s como eu, tam desgraada! [31] Bem sei que ris, mas o teu labio treme: Nos teus olhos azues o pranto brilha: Tens orgulho, e essa voz suspira e geme... Como ns somos desgraados, filha! [32] VII Se as flres do balsedo Podessem ver meu peito alanceado, Como allivio ao meu aspero degredo, Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo, De seus prantos o balsamo sagrado. Se os rouxinoes da floresta Soubessem quanta dr me rasga o seio, Para espancar a minha noite msta, Mandar-me-hiam, das sombras da floresta, O seu mais terno e encantadr gorgeio. [33] Se as estrellas do espao Soubessem tudo quanto soffro em vida, Para embalar d'esta alma o vil canao, Mandar-me-hiam, dos concavos do espao, Uma doce palavra condoda. E essa que sabe tudo, O inferno e o horror da minha mocidade, a dona das tranas de veludo, E das unhas rosadas... sabe tudo E apunhla-me a vida sem piedade! [34] VIII No me sabes dizer, minha amada, O motivo, a razo Porque pendem a face desmaiada As rosas para o cho? No me sabes dizer porque, no meio Do vasto prado em flr, Das violetas ce no roxo seio Um vu de lucto e dr? [35] Diz-me porque ouo a voz das cotovias Hoje lugubre assim? E porque exhalam mortes e agonias As urnas do jasmim? Por que motivo o sol tam claro e puro De crepes se vestiu? Porque um sinistro pezadelo escuro Sobre a terra cahiu? Bem sei eu porque vejo tudo triste Sem luz e sem calr... que tu, pomba branca, me fugiste Meu amr, meu amr! [36] IX Disseram-te de mim feios horrres, De imaginarias culpas me crivaram, E sobre as minhas lastimaveis dres Um negro vu lanaram! Distenderam os labios sacudindo Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo... (E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!) Chamaram-me o Diabo! [37] O que ha de mais escuro e de mais feio Na minha vida, ignoram-no os sandeus, Tam occulto este amr vive em meu seio, luz dos olhos meus! [38] X Naquella manh ditosa O sol mandava-nos beijos; Do rouxinol os solfejos Suspiravam na amplido. Se me lembro, ai! se me lembro D'esse amplexo demorado, Com que tu, meu lirio amado, Uniste-me ao corao! [39] Grasnava o crvo agoirento, As sccas folhas cahiam, E uns tristes raios desciam Da plumbea curva dos cus. Se me lembro, ai! se me lembro Da fria e grave mesura Que, naquella tarde escura, Fizeste ao dizer-meadeus! [40] XI Fste fiel, no caminho Doloroso que eu seguia, Dste-me alentos, carinho, Meu conslo fste, e guia. Dste-me tudo, consorte, Roupa branca e at dinheiro! E ao partir para o extrangeiro Compraste-me o passaporte! [41] Deus t'o pague, meu amr! E um viver te d tranquillo! Mas que te no faa aquillo Que tu me fizeste, flr! [42] XII Emquanto eu andava viajando, a minha Noiva gentil, o meu thesouro amado, Julgando que eu tardava e que no vinha, Fez pressa o vestido de noivado, E um dia, ao p do altar, entrega anciosa A um ffo peralvilho a mo de esposa. [43] Nada no mundo a minha amada eguala; Nem eu sei a que a possa comparar! Que doce o aroma que o seu labio exhala! Que gesto lindo! e que formoso olhar! Suspende a queixa, corao trahido, Deixaste o cu, do cu fste banido! [44] XIII Quando morreres, filha, ao teu jazigo Descerei taciturno e allucinado, E abraando esse corpo delicado, No frio marmor dormirei comtigo. E tu muda, e tu fria, e tu gelada! E eu nos meus braos a apertar-te ainda! E nas sombras daquella noite infinda Clamo, estremeo e morro, alma adorada! [45] Os mortos, alta noute, pouco e pouco Erguer-se-ho, ao luar, rindo e danando; E eu ficarei na sombra, sonho louco! No teu seio de jaspe repoisando. E quando a hora chegue em que as trombtas Do Juizo Final se ouvirem todas, No surgirs, inveja das violetas, Do escuro leito das eternas bdas! [46] XIV Do Norte sobre um monte, Alto frio e gelado, Um pinheiro isolado Ergue entre o glo a merencoria fronte. Todo tremulo, o misero deseja Ser a esbelta palmeira viridente Que em terra adusta odeia a luz ardente Que sobre ella o implacavel sol dardeja. [47] XV Das minhas penas fiz canes aladas De alegre geito e jovial feio. Vi-as partir em doidas revoadas, E vi-as procurar teu corao. Partem alegres, voltam lacrymosas, Perdido o fresco riso ingenuo e ldo, Mas do que viram guardam, silenciosas, O mais profundo e lugubre segredo. [48] XVI Eu no posso esquecer, perdo, minha senhora, Estes laos de amr custam a desatar Eu no posso esquecer, minha doce aurora, Que subjuguei teu corpo e essa alma singular... Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moo e branco, J foi meu, j foi meu... mas neste instante, flr, Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco, Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amr! [49] Se um dia succeder, que esse teu seio trema De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo, Metade da minha alma, e ento, gloria suprema! De ambos ns, meu amr, faremos um s todo... [50] XVII domingo: o burguez deixa os asphaltos, Dando o brao burgueza; Procura o campo, e, ao vl-o, exclama aos saltos: filha, que lindeza! E pasma do verdr febril, romantico, Da mrmura floresta; E a sua longa orelha absorve o cantico Da passarada em festa. [51] Eu que no saio, escondo a gelosia Com negros cortinados, E recebo a visita, em pleno dia, Dos espectros amados. E aquelle Amr que eu vi morrer outrora. No meu quarto apparece! Senta-se ao p de mim, beija-me e chora, E treme e desfallece! [52] XVIII Rompia a manh, rompia Alegre como um trinado, E eu ia triste e calado, No meio d'essa alegria, Por entre as flres do prado... Rompia a manh, rompia... Vendo-me, as flres do prado Mais as rosas do silvedo Cochicharam em segredo... E erguendo os olhos, a medo, [53] Num tom de voz repassado Da mais branda languidez: Como elle vae irritado, Os olhos fitos no cho! Perda por esta vez, No ralhes com ella, no? [54] XIX Na tua face ardente e avelludada Encandeia-se a luz do quente Estio, Mas no teu corao, minha amada, Habita o Inverno enregelado e frio. Mas quem assim te v bella e formosa, Ver mais tarde o Inverno trvo e feio Nessa tua gentil face mimosa, E o rubro Estio no teu branco seio! [55] XX No momento do adeus succede que os amantes Se abraam, a chorar, com vozes soluantes. Fora, fora partir; a mo prende-se mo, E uma infinda tristesa inunda o corao. Para ns, meu amr, nessa hora de agonia No houve o padecer que as almas excrucia: Foi grave o nosso adeus e frio, e s agora que a Dr nos subjuga, e a Angustia nos devora. [56] XXI Sonhei: de novo suspirava o vento Das tilias sob a cupula odorante; E como outrora ouvia o juramento Do teu amr constante. Que protestos de amr nesse momento! Mas na febre dos beijos que me deste, Como para gravar teu juramento Em meus dedos mordeste! [57] Dona do riso alegre, meu tormento! Dona de olhos azues, minha amada! J me bastava o doce juramento, Foi de mais a dentada! [58] XXII Chorei: sonhava e era comtigo, estavas Morta num cemiterio, fria, fria... E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas, De meus canados olhos escorria. Chorei: sonhava e era comtigo, rosa; Havias-me, sem d, abandonado: E, ao despertar da noite tormentosa, Tinha o rsto de lagrimas banhado. [59] Chorei: sonhava, e era comtigo, linda! Dizias-me, a sorrir, como eu te adoro! Desperto, e logo numa angustia infinda, Eis-me a chorar de novo e ainda choro! [60] XXIII Batido do torvelinho O bosque palpita ao aoite Do vento outomnal; noite. Monto a cavallo e metto-me a caminho. E este inquieto pensamento, E esta phantasia errante Levaram-me nesse instante Ao teu virgineo e candido aposento. [61] Os ces ladram; nas sonoras Escadas assoma gente, E eu no marmore luzente Fao tinir as rtilas esporas. No teu quarto da baunilha Vam clidos armas; Tu dormes, soltas as cmas, E eu nos teus braos cio, minha filha! Solua o vento magoado: Diz um carvalho altaneiro: Cavalleiro, cavalleiro, Suspende o teu sonhar allucinado! [62] XXIV Eu enterro as canes de amr e o fel amargo Do meu triste sonhar: Quero um caixo profundo, immenso, vasto e largo; Depressa, ide-o buscar! Um caixo formidando, um fretro-portento, Que sobreexceda e vena O pzo sobrehumano e o enorme comprimento Da ponte de Mayena. [63] Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchl-o em breve; Vereis a promptido. De Heidelberg o tonel ser pequeno e leve Ao p d'esse caixo. Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo, E de um vigr sem conta, Que me faam lembrar Christovam, o membrudo, Que em Colonia se aponta. Gigantes, balouae o fretro luctuoso! Vamos! agora, ao mar! Cova maior existe? Abysmo assim grandioso Difficil de achar. Sabeis porque eu desejo um fretro assim largo, De vastas dimenses? que enterro, infeliz, o amr, o fel amargo Das minhas illuses. [65] O MINUTE Ao dr. Thomaz de Carvalho Espaoso o salo: jarras a cada canto; Admira-se o lavr do tecto de pu sancto. Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias: Um enorme soph: largas tapearias. [66] O purpureo tapete aos olhos nos revela Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella. Retratos em redor: olhemos o primeiro: No Tro as mos de Affonso o armaram cavalleiro. Era Arcebispo aquelle: esta foi aafata... Que frescura sensual nos labios de escarlata! Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma: Em finos caraces, a loura e ondada cma: Collo robusto e n: cabea triumphante: Consta que certo rei... passemos adeante! Este, que vs, morreu num africano areal Por vingana cruel do aspero Pombal. D'esse olhar na expresso infinda e inenarravel Desabrocha uma dr profunda e inconsolavel. [67] Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto, Num extasis adora o pallido proscripto. O teu sonho nupcial, franzina morgadinha, Tam cedo se desfez, misera e mesquinha! No burel escondeste o vio e a formusura, E desmaiaste, flr, no cho de uma clausura!... Repara nos desdens do ffo conselheiro, Que sorridente aspira a flr de um jasmineiro! Em canones doutor: no Pao foi bemquisto: Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo. Esse outro combatendo s portas de Bayona, Como um bravo, alcanou a rtila dragna. Vibra flammas do olhar; cabea erecta e audaz; Illumina-lhe o rsto a gloria de um gilvaz. [68] Assistmos, ao vl-o, s pugnas carniceiras, E ouvimos o clangr das musicas guerreiras... No antiquissimo espelho, sombra das cortinas, Reflecte-se o primr de argenteas serpentinas. Sob o espelho se aninha um cravo marchetado, Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado. Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho, Antiga partitura em velho pergaminho. Uma noite extendi a musica na estante, E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante Da eburnea pallidez doentia do teclado Manso e manso evolou-se o arma do passado. E vi descer do quadro a languida aafata Que, ao discreto pallr das lampadas de prata, [69] A fimbria alevantando azul do seu vestido O rsto acerejado, o gesto commovido, A sorrir, deslisou graciosa no tapte, Danando airosamente o airoso minute... [70] O COVEIRO A Alberto Braga Elle entrou cabisbaixo e silencioso Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto; Deram-lhe vinho, recusou, o espanto Cresceu no olhar do taberneiro oleoso. Elle era o mais antigo e o mais ruidoso Dos freguezes da casa: ao obsceno canto Ninguem prestava mais lascivo encanto Ao som magoado de um violo choroso. [71] Mas o velho sentra-se distante Da alegre turba, a vista lacrymante Mergulhada nas chammas do brazido... Disse um da roda: espanta-me o coveiro! Morreu-lhe ha pouco a filha...distrahido Volveu da bisca um contumaz parceiro. [72] ADEUS! Uma vez, numa camara elegante, De um contador no marmore de rosa, Entre os mil nadas feminis que exhalam Uns aromas subtis que nos embalam, Vi uma concha pallida e graciosa. Sentira eu nella um som confuso e triste, Como o dos sinos em remota aldeia; Pobre concha! morria de saudade Daquella vaga e triste immensidade Do mar que chora na deserta areia. [73] Olha, querida, como nessa concha, Anda chorando em mim continuamente Essa timida voz que tu soltaste, Essa palavra ADEUS que murmuraste Aos meus ouvidos languida e tremente! CAMONEANA [76] I NA EGREJA DAS CHAGAS Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro Proxima vinha a nobre Catharina Da porta principal da egreja, quando Seu olhar encontrou suave e brando O olhar de um moo de presena fina. E, ao fulgr d'esse olhar ardente, inclina A dama o rsto, timida, crando... Arfa-lhe o niveo seio, palpitando, Em doida e extranha commoo divina. [77] Cames, que outro no era o moo, ardido, Num gesto de galan desvanecido, Quem vos pudra merecer! murmura. E a dama, ao ouvil-o, languida sorria, Pois que em todos os tempos a ouzadia Ao amr nunca trouxe desventura. [78] II A LEITURA DOS LUSIADAS A Vicente Pindella Do moo rei defronte, esbelto e cavalleiro Cames recita; a crte, silenciosa Ante a rubra exploso do cantico guerreiro, Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa. ... Ruge a electrica voz do Adamastr furiosa; Nas amuradas canta o alegre marinheiro; Do Oceano flr scintilla a esteira luminosa Dos pesados galees do Gama aventureiro. [79] Terra! grita o gageiro; e praia melindana Desce douda e febril a gente lusitana Desfraldam-se os pendes ao claro cu do Oriente... Da gloria ante o esplendr o olhar d'El-Rey fulgura; O Camara no emtanto, alma sombria e escura, No rei os olhos crava, e ri felinamente. [80] III ANNOS DEPOIS A Bernardo Pindella Juncto de um catre vil, grosseiro e feio, Por uma noite de luar saudoso, Cames, pendida a fronte sobre o seio, Scisma embebido num pesar luctuoso... Eis que na rua um cantico amroso Subitaneo se ouviu da noite em meio: J se abrem as adufas com receio... Noite de amres! que trovar mimoso! [81] Cames acorda, e gelosia assma, E aquelle canto, como um antigo arma, Resuscita-lhe os risos do passado. Viu-se moo e feliz, e ah! nesse instante, No azul viu perpassar, claro e distante, De Natercia gentil, o vulto amado... [83] ESPHYNGE Traduco de uns versos de Alexandre Dumas escriptos num leque em que estava pintada uma Esphynge Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o: Se do poeta o segredo intentas penetrar, Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo, Vers o Amr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar. Sim, Pesar, no de haver lanado aos quatro ventos Com prodiga loucura o verbo triumphante, A ambio, o dinheiro, os risos e os tormentos, E as auroras de abril que passam num instante! [84] Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora, Como accso vulco em glos sepultado, Do juvenil desejo a flamma que devora, E de no poder mais, amando, ser amado! [85] A CEIA DE TIBERIO Ao dr. J. Frederico Laranjo Opulento o festim: em todo o vasto imperio Outro no houve egual. Capra a dissoluta, O retiro de amr do perfido Tiberio, Illuminada ri. Ao longe Roma escuta O confuso rumr da tenebrosa orgia: Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta. [86] Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia A imperial vivenda: a sala deslumbrante: Ouro e gmmas sem fim confundem-se porfia. Das lampadas rebrilha o lume coruscante; Nos triclinios esplende a purpura escarlata, A fina tartaruga e o sandalo odorante. Aos angulos da sala, em primorosa prata, Erotico esculptor grupos fundiu lascivos, Em cujos membros ns Volupia se retrata. Resaltam da parede os satyros esquivos Sob o pampano alegre: as nymphas, em coras, Danam na riba, em flr, de arroios fugitivos. Em marmrea piscina enroscam-se as muras, Dos patricios de Roma o pabulo dilecto, Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias! Pendem verdes festes do primoroso tecto, Pyrrheico ali pintra um matagal folhudo, E um lago crystallino, encantador, discreto. [87] Diana ao sol enxuga as tranas de veludo, Acteon espreita ancioso, e, rapida alegria! Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo. Em Milto foi tincta a azul tapearia, Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme; Dos velarios se esca o arma que inebria. A festa no pendor: num ureo prato informe Eis que entra um javali, formosas gaditanas Danam em derredor. Ulula a grita enorme. Jorra o vinho de Ks purpureas espadanas; Dos convivas na fronte enlaa-se a verbena, Preludiam no emtanto as frautas sicilianas. Adoudada suspira uma cano obscena: Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem E desnudam-se luz, Tiberio assim o ordena. As matronas, ao vr o duro gesto, obedecem, E l passam gentis, deslisam mansamente Dos marmores flr; so nuas, endoudecem! [88] Um retiario nervudo, e um gladiador valente Combatem, so lees; o pallido vencido Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente. Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido Longo e triste chorou nos paos de Capra... Indagam: talvez fosse o gladiador ferido... Nesse instante Jesus morria na Judeia! TRIO DE POETAS [90] I JOO DE LEMOS Ao Visconde de Pindella Na cidade gentil do austero estudo Sobranceira ao Mondego socegado, Em cuja riba o sinceiral folhudo De rouxinoes suspira gorgeiado, Fste erguido no concavo do escudo Pelos moos de outrora, e celebrado Trovador, cavalleiro, e namorado... Tempo de glorias! Como passa tudo! [91] No emtanto s vezes, na provincia, quando A um dce, honesto e feminino bando Digo a lua de londres, de repente Da infancia volvo candida simpleza, E ondulam na minh'alma vagamente Tremulas notas de fugaz tristeza. [92] II JOO DE DEUS A Anthero do Quental Sempre que o leio, sinto-me captivo De um no sei qu, de infinda suavidade, E entram commigo uns longes de saudade, Que me deixam sizudo e pensativo. Sonho: quizra, em triste soledade, Viver das gentes apartado e esquivo, E erguer-me a esse planeta primitivo Onde resplenda a eterna mocidade. [93] J o seu nome to suave e brando, To eufonico, meigo e delicado, Que fica nos ouvidos suspirando... Diz a lenda que vive descuidado, Ramos tecendo, e flores emmoitando, Da Chymera nos seios reclinado. [94] III JOO PENHA A Augusto Sarmento Nervoso mestre, domadr valente Da Rima e do Sonto portuguez, No te eguala a pericia de um chinez Na pintura de um vaso transparente. Ha no teu verso a musica dolente Da guitarra andaluza, e muita vez Rompe em meio da extranha languidez O silvo estriduloso da serpente. [95] No vinho e fel traaste o escuro drama Em que solua e ri, na extensa gamma, Teu desgrenhado amr, doido e fatal... Mas se do peito ancioso o dardo arrancas, Teu canto exhala as alegrias francas De uma rubra Kermesse colossal. [97] CHYMERAS A meu tio Joo de Almeida e Albuquerque O mar j me tentou: aspiraes fogosas Fizeram-me idear phantasticas viagens; Eu sonhava trazer de incognitas paragens Noticias immortaes s gentes curiosas. Mais tarde desejei riquezas fabulosas, Um palacio escondido em mrmuras folhagens, Onde eu fosse occultar as candidas imagens Das virgens que evoquei por noites silenciosas. [98] Mas tudo isso passou: agora s me resta Das chymeras que tive, uma viso modesta, Um sonho encantador, de paz e de ventura. simples; uma alcva, um bero, um innocente, E uma esposa adorada, envolta, a negligente! De um longo penteadr na immaculada alvura... [99] ODOR DI FEMINA A Alberto Pimentel Era austero e sizudo; no havia Frade mais exemplar nesse convento; No seu cavado rsto macilento Um poma de lagrimas se lia. Uma vez que na extensa livraria Folheava o triste um livro pardacento, Viram-no desmaiar, cahir do assento, Convulso, e trvo sobre a lgea fria. [100] De que morrra o venerando frade? Em vo busco as origens da verdade, Ninguem m'a disse, explique-a quem pudr. Consta que um bibliophilo comprra O livro estranho e que, ao abril-o, achra Uns dourados cabellos de mulher... [101] EM CAMINHO DA GUILHOTINA Senhora Condessa de Sabugoza A viuva Capet vae ser guilhotinada. Ora naquelle dia o povo de Pariz Formidavel, brutal, colerico, feliz, Erguera-se ao primeiro alvr da madrugada. No caminho traado ao funebre cortejo O povo redemoinha; Que todos sentem n'alma o tragico desejo De ver como Sanso degolla uma rainha. [102] Da carreta em redor ondeiam os soldados; De cima dos telhados Da rua, dos portaes, dos muros, dos balces Chovem sobre a rainha as vis imprecaes. Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa Olha tranquillamente Para o revolto mar da plebe tumultuosa. E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo Anceia por ouvir o grito convulsivo E o derradeiro arranco D'essa mulher, e ri abominavelmente, Um homem s, o algoz, vae triste e reverente. Pde nascer ao p da forca um lirio branco. A carreta parou. Desce a rainha. Nisto Viram-se uns braos ns Erguerem para o ar, flr da multido, Uma loura creana, alegre como a luz, Suave como o Christo, A quem talvez faltando em casa a enxerga e o po, A me quizera dar aquella distraco. [103] No primeiro degru da escura guilhotina A rainha de Frana Ergueu o olhar e viu essa gentil creana Levar a mo flr da bcca pequenina, E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto... E ella que fra audaz, heroica e resoluta, E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta, Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto, Chorou. Chorou, emfim! A infame succumbiu! De entre o povo uma voz selvatica rugiu. [104] A VIUVA Senhora D. Margarida Street Fra de portas vive. silenciosa A modesta vivenda em que ella habita, Ali correu-lhe a vida bonanosa, Ali golpeou-lhe os seios a desdta. Raro de quando em quando uma visita Novas lhe traz da vida tumultuosa, E ella sorrindo a furto, descuidosa, No azul os olhos em silencio fita. [105] Ssinha e triste a pallida viuva, Por essas noites de invernia e chuva, A um honesto e feminil labor se entrega. E, alta noite, levanta, em dr sepulta, O olhar, que fixa, e demorado prega No eterno Ausente que num quadro avulta. [106] FLR DO PANTANO A Bulho Pato pequenina e sria, E tem o gesto grave Da filha de um burgrave, A candida Valeria. No ha flr mais suave, De essencia mais ethrea, E abriu-lhe a vida a chave Do Vicio e da Miseria! [107] Na sua loura cma Nunca passou o arma Dos beijos maternaes. credula Ignorancia, Esconde quella infancia O nome vil dos paes! [108] A RESPOSTA DO INQUISIDR A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque I A sala em que medita El-Rey silenciosa, Apainelada e fria, o largo reposteiro Ondul ......Buy Now (To Read More)
Ebook Number: 44211
Author: Crespo, Gonçalves
Release Date: Nov 17, 2013
Format: eBook
Language: Portuguese
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