A Velhice do Padre Eterno

A Velhice do Padre Eterno

A Velhice do Padre Eterno Title: A Velhice do Padre Eterno Author: Ablio Manuel Guerra Junqueiro Release...
$15.33 AUD
$227.30 AUD
$15.33 AUD
Please hurry! Only 10000 left in stock
Author: Junqueiro, Abílio Manuel Guerra,1850-1923
Format: eBook
Language: Portuguese
Subtotal: $15.33

Free Shipping (Orders $60 USD or More)

A Velhice do Padre Eterno

A Velhice do Padre Eterno

$227.30 $15.33

A Velhice do Padre Eterno

$227.30 $15.33
Author: Junqueiro, Abílio Manuel Guerra,1850-1923
Format: eBook
Language: Portuguese

A Velhice do Padre Eterno

Title: A Velhice do Padre Eterno Author: Ablio Manuel Guerra Junqueiro Release Date: November 17, 2007 [EBook #23526] Language: Portuguese Original Publication: , Lisboa: Editora Livraria Minerva 18(85?) Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Nov. 2007) GUERRA JUNQUEIRO A VELHICE DO PADRE ETERNO EDITORA LIVRARIA MINERVA LISBOA GUERRA JUNQUEIRO A VELHICE DO PADRE ETERNO EDITORA LIVRARIA MINERVA LISBOA MEMORIA DE Guilherme D'Azevedo A Eza de Queiroz INDICE pag. Aos simples 9 A vinha do Senhor 17 A Caridade e a Justia 25 O Papo 30 Parasitas 31 Resposta ao Sillabus 33 O Baptismo 37 Eurico 38 A Arvore do Mal 39 A Semana Santa 43 A Barca de S. Pedro 61 Ladainha 63 Como se faz um monstro 65 Calembour 70 A agua de Lourdes 71 Antonelli 73 O Dinheiro de S. Pedro 75 Ao nuncio Masella 77 Ladainha moderna 85 O Melro 89 Circular 103 A beno da locomotiva 109 A Hidra 111 A Valla commum 113 A Ssta do senhor abade 127 O Genesis 142 Fantasmas 145 Post-Scriptum 149 AOS SIMPLES almas que viveis puras, immaculadas Na torre do luar da graa e da illuso, Vs que ainda conservaes, intactas, perfumadas, As rosas para ns ha tanto desfolhadas Na aridez sepulchral do nosso corao; Almas, filhas da luz das manhs harmoniosas, Da luz que acorda o bero e que entreabre as rosas, Da luz, olhar de Deus, da luz, beno d'amor, Que faz rir um nectario ao p de cada abelha, E faz cantar um ninho ao p de cada flor; Almas, onde resplende, almas, onde se espelha A candura innocente e a bondade christ, Como n'um co d'Abril o arco da alliana, Como n'um lago azul a estrella da manh; Almas, urnas de f, de caridade, e esp'rana, Vasos d'oiro contendo aberto um lirio santo, Um lirio immorredoiro, um lirio alabastrino, Que os anjos do Senhor vem orvalhar com pranto, E a piedade florir com seu claro divino; Almas que atravessaes o lodo da existencia, [10]Este lodo perverso, iniquo, envenenado, Levando sobre a fronte o esplendor da innocencia, Calcando sob os ps o drago do peccado; Bemdictas sejaes, vs, almas que est'alma adora, Almas cheias de paz, humildade e alegria, Para quem a consciencia o sol de toda a hora, Para quem a virtude o po de cada dia! Sois como a luz que doira as trevas d'um monturo, Ficando sempre branca a sorrir e a cantar; E tudo quanto em mim ha de bello ou de puro. Desde a esmola que eu dou prece que eu murmuro vosso: fostes vs o meu primeiro altar. L da minha distante e encantadora infancia, D'esse ninho d'amor e saudade sem fim, Chega-me ainda a vossa angelica fragrancia Como uma harpa olia a cantar a distancia, Como um vo branco ao longe inda a acenar por mim! ........................................................................... ........................................................................... ........................................................................... Minha me, minha me! ai que saudade immensa, Do tempo em que ajoelhava, orando, ao p de ti. Cahia mansa a noite; e andorinhas aos pares Cruzavam-se voando em torno dos seus lares, Suspensos do beiral da casa onde eu nasci. Era a hora em que j sobre o feno das eiras Dormia quieto e manso o impavido lebru. Vinham-nos das montanhas as canes das ceifeiras, Como a alma d'um justo, ia em triumpho ao co!... E, mos postas, ao p do altar do teu regao, Vendo a lua subir, muda, alumiando o espao, [11] Eu balbuciava a minha infantil orao, Pedindo a Deus que est no azul do firmamento Que mandasse um allivio a cada soffrimento, Que mandasse uma estrella a cada escurido. Por todos eu orava e por todos pedia. Pelos mortos no horror da terra negra e fria, Por todas as paixes e por todas as magoas... Pelos mseros que entre os uivos das procellas Vo em noite sem lua e n'um barco sem vellas Errantes atravez do turbilho das aguas. O meu corao puro, immaculado e santo Ia ao throno de Deus pedir, como inda vae, Para toda a nudez um panno do seu manto, Para toda a miseria o orvalho do seu pranto E para todo o crime o seu perdo de Pae!... ............................................................. ............................................................. ............................................................. A minha me faltou-me era eu pequenino, Mas da sua piedade o fulgor diamantino Ficou sempre abenoando a minha vida inteira Como junto d'um leo um sorriso divino, Como sobre uma forca um ramo d'oliveira! crentes, como vs, no intimo do peito Abrigo a mesma crena e guardo o mesmo ideal. O horisonte infinito e o olhar humano estreito: Creio que Deus eterno e que a alma immortal. [12] Toda a alma claro e todo o corpo lama. Quando a lama apodrece inda o claro scintilla: Tirae o corpoe fica uma lingoa de chamma... Tirae a almae resta um fragmento d'argila. E para onde vae esse claro? Mysterio... No sei... Mas sei que sempre ha-de arder e brilhar, Quer tivesse incendiado o craneo de Tiberio, Quer tivesse aureolado a fronte de Joanna Darc. Sim, creio que depois do derradeiro somno Ha-de haver uma treva e ha-de haver uma luz Para o vicio que morre ovante sobre um throno, Para o santo que expira inerme n'uma cruz. Tenho uma crena firme, uma crena robusta N'um Deus que ha-de guardar por sua propria mo N'uma jaula de ferro a alma de Lucusta, N'um relicario d'oiro a alma de Plato. Mas tambem acredito, embora isso vos peze, E me julgueis talvez o maior dos atheus, Que no universo inteiro ha uma s diocese E uma s cathedral com um s bispoDeus. E muito embora a vossa egreja se contriste E a excommunho papal nos abraze e destrua, A analyse feroz como uma lana em riste E a verdade cruel como uma espada nua. [13] Cultos, religies, biblias, dogmas, assombros, So como a cinza v que sepultou Pompeia. Exhumemos a f d'esse monto de escombros, Desentulhemos Deus d'essa aluvio de areia. E um dia a humanidade inteira, oceano em calma, Ha-de fazer, na mesma aspirao reunida, Da razo e da f os dois olhos da alma, Da verdade e da crena os dois polos da vida. A crena como o luar que nas trevas fluctua; A razo do co o explendido pharol: Para a noite da morte que Deus nos deu lua... Para o dia da vida que Deus fez o sol. Mas, ai eu comprehendo os martyrios secretos Do pobre camponez, j quasi secular, Que v tombar por terra o seu ninho de affectos, A casa onde nasceu seu pae, e onde os seus netos Lhe fechariam, morto, o escurecido olhar. Comprehendo o pavor e a lividez tremente De quem em noite m, caliginosa e fria Atravessa a montanha luz d'um facho ardente E uma rajada vem alucinadamente Apagar-lh'o c'o'a aza athletica e sombria, Deixando-o fulminado e quazi sem sentidos A ouvir o ulular das feras e os bramidos Do ciclone que explue rouco do sorvedoiro E se enrosca furioso aos platanos partidos A estrangulal-os, como uma giboia um toiro. [14] Comprehendo a agonia, o desespero insano Do naufrago na rocha, entre o abysmo do oceano, Vendo rolar, rugir os glaucos vagalhes Como uma cordilheira herculea de montanhas, Com jaulas collossaes de bronze nas entranhas, E um domador l dentro a chicotear troves. ............................................................... ............................................................... O vosso facho, o vosso abrigo, o vosso porto, um Deus que para ns ha muito que est morto, E que inda imaginaes no entretanto immortal. Vivei e adormecei n'essa crena illusoria, J no podeis transpr os mil annos da historia Que vo do vosso credo absurdo ao nosso ideal. Vivei e adormecei n'essa illuso sagrada, Fitando at morrer os olhos de Jesus, Como o ephemero vo que dura um quasi nada, Que nasce de manh n'um raio d'alvorada, E expira ao pr do sol n'outro raio de luz. Eu bem sei que essa crena ignorante e sincera, No a que illumina as bandas do Porvir. Mas vs sois o Passado, e a crena como a hera Que sustenta e d inda um tom de primavera Aos velhos torrees gothicos a cahir. Sim, essa crena um erro, uma illuso, certo; Mas triste de quem vae pelo areal deserto Vagabundo, esfamado e n como Caim, Sem nunca ver ao longe os palacios radiantes D'uma cidade d'oiro e marmore e diamantes No chimerico azul d'essa amplido sem fim! Quem ha-de arrancar pois do seu piedoso engaste [15] O vosso ingenuo ideal, tremulos velhinhos, Se a chimera uma rosa e a existencia uma haste, Rosa cheia d'aroma e haste cheia de espinhos! Quem vos ha-de cortar a flor da vossa esp'rana, Quem vos ha-de apagar a angelica viso, Se essa luz para vs como uma creana Que guia n'uma estrada um cgo pela mo! Quem vos ha-de acordar d'esse sonho encantado?! Quem vos ha-de mostrar a evidencia cruel?! Ah! deixemos a ave ao ramo j quebrado, E deixemos fazer ao enxame doirado No tronco que est morto o seu favo de mel! velhos aldees, exhaustos de fadiga, Que andaes de sol a sol na terra a mourejar, Roubar-vos da vos'alma a vossa crena antiga Seria como quem roubasse a uma mendiga As tres achas que leva noite para o lar! Oh, no! guardae-a bem essa crena d'outrora; ella quem vos d a paz benigna e santa, Como a paz d'um vergel inundado d'aurora, Onde o trabalho ri e onde a miseria canta. Guardae-a sim, guardae! E quando a morte em breve Vos entre na choupana esqualida e feroz, A agonia ser bem rapida e bem leve, Porque um anjo de Deus mais alvo do que a neve Ha-de estender sorrindo as azas sobre vs. E vs conhecereis em seu olhar materno Que o anjo que emballou vosso somno infantil, E que hoje vem do co mandado pelo Eterno, Para sorrir na morte ao vosso branco inverno, Como sorriu no bero ao vosso claro Abril. [16] E ao pender-vos gelada a vossa fronte alabastrina Ir levar a Deus o vosso corao, To manso e virginal, to novo e to perfeito, Que Deus ha-de beijal-o e aquecel-o no peito, Como se acaso fosse uma pomba divina, Que viesse cahir-lhe exanime na mo! A VINHA DO SENHOR I Existiu n'outro tempo uma vinha piedosa Doirada pelo sol da alma de Jesus, Uma vinha que dava uns fructos cr de roza, Vermelhos como o sangue e puros como a luz. Inundavam-n'a d'agua os olhos de Maria, E os virgens coraes dos martyres, dos crentes Eram a terra funda aonde se embebia A mystica raiz dos pampanos virentes. Produzia um licor balsamico, divino, Que aos cgos dava luz, aos tristes dava esp'rana, E que fazia ver na areia do destino A miragem feliz da bemaventurana. Aos mortos restituia o movimento e a falla; Escravisava a carne, as tentaes, a dr, E transformou em santa a impura de Magdala, Como transforma Abril um verme n'uma flr. [18] Bebel-o era beber uma virtuosa essencia Que ungia o corao de perfumes ideaes, Pondo no labio um riso ingenuo de innocencia, Como o d'agua a correr, virgem, dos mananciaes. Dava um tal explendor s almas, tal pureza Que nos Circos de Roma at se viu baixar Diante da nudez das virgens sem defeza Ao magro leo da Nubia o curuscante olhar. II Mas passado algum tempo a humanidade inteira De tal modo gostou d'esse licor sublime, Que o extasis christo tornou-se em bebedeira, E o sonho em pezadello, e o pezadello em crime. Nas solides do claustro as virgens inflamadas Co'as fortes atraces da mistica ambrozia Torciam-se febris, convulsas, desvairadas, Meretrizes de Deus n'uma piedosa orgia. que no vinho antigo ia noite o demonio Lanar co'a garra adunca uma infernal mistura De mandragora e opio e helleboro e stramonio, Verdenegro e viscoso extracto de loucura. Quando uivava de noite o vento nas campinas Via-se pela sombra, obliquo, Satanaz, Colhendo aos ps da forca ou buscando entre as ruinas Hervas, vegetaes, prenhes de essencias ms. [19] Era o filtro subtil d'essas plantas de morte Que fazia da alma um derviche incoherente, Uma bussola doida procura do norte Uma cga a tatear no vacuo, anciosamente!... E a taa do veneno estonteador e amargo No funebre banquete ia de mo em mo, Produzindo o delirio, a syncope, o lethargo E em cada olhar sinistro uma cruel viso. Uns viam a espectral sarabanda frenetica De esqueletos a rir e a danar com furor Em torno Morte podre, impudente, epileptica, Com dois ossos em cruz rufando n'um tambor. Outros viam chegado o pavoroso instante Em que um monstro do fogo, um drago areolito, Dava na terra um n c'oa cauda flammejante, Arrebatando-a, a arder, atravez do infinito. E ento para fugir ao desespero e ao panico Bebiam com mais ancia o filtro singular. At epilepsia, ao turbilho tetanico Do sabat desgrenhado e erotico, a espumar! E fora de beber o tragico veneno Tombou por terra exhausta a humanidade emfim, Como em Londres, de noite, ao p d'um antro obsceno Ce sob a lama inerte um bebado de gim. [20] III Mas n'isto despontou a esplendida manh D'um mundo juvenil, robusto, afrodisiaco: A Renascena foi para a embriaguez christ A excitao vital d'um frasco de amoniaco. E na vinha de Deus ainda florescente Comeou a nascer por essa occasio Um bicho que enterrava escandalosamente Nos pampanos da crena as unhas da razo. Propagou-se o flagello; o mal recrudesceu; A colheita ficou em duas teras partes; Chega o oidium Lutero, o verme Galileu, E cai-lhe o temporal de Newton e Descartes. Em balde Carlos nove, Ignacio e Torquemada, Catando esses pulges das bblicas videiras, Os entregam roda, ao cadafalso, espada, Ou os queimam por junto aos centos nas fogueiras. O estrago cada vez era maior, mais forte; Apezar da realeza, o throno e a sachristia Andarem sacudindo o enxofrador da morte No formigueiro vil das pragas da heresia. Por ultimo Voltairefiloxera invade Essa encosta plantada outr'ora por Jesus, E das cepas ideaes da escura meia idade Ficaram simplesmente uns velhos troncos ns. [21] IV Mas como havia ainda alguns consumidores D'esse vinho que o sol deixou de fecundar, Uns velhos cardeaes, habeis exploradores, Reuniram-se em concilio afim de os imitar. E assim que Antonelli, o verdadeiro papa, O chimico da f, um grande industrial, Fabrica para o mundo ingenuo uma zurrapa Que elle assevera que o antigo vinho ideal. Para isso combina os varios elementos Que compem esta droga: o nome de Maria, Anjos e cherubins, infernos e tormentos, Bastante estupidez e immensa hypocrizia. Pe isto tudo a ferver, liga, combina, mexe, E, filtrando atravez d'uns textos de latim, Eis preparado o vinho, ou antes o campeche, Que a sade da alma hade arruinar por fim. Mas como o paladar de muitos europeus Quasi prefere j (horrivel impiedade!) falsificao do vinho do bom Deus O vinho genuino e puro da verdade; E como j por isso, (assim como era d'antes) A Igreja no nos queime e o rei no nos enforque, A curia procurou mercados mais distantes, O Japo, o Per, a Australia e Nova York. [22] Os comis-voiageurs de Romaos Lazaristas Com as carregaes vo atravez do oceano, Por toda a parte abrindo os armazens papistas, A fim de dar consumo ao vinho ultramontano. Em cada igreja existe uma taberna franca Para impingir a tal mixordia, o tal horror, Ou secca ou doce, ou velha ou nova, ou tinta ou branca, Segundo as condies e a f do bebedor. Para Hespanha vo muito uns vinhos infernaes, Um veneno explosivo e forte que produz Um delirio trementeo General Narvaes, E um vomito de sangueo cura Santa Cruz. Portugal quer vinagre. A Italia quer falerno. Veuillot quer agua-raz que ponha a lingua em braza. E John Bull, por exemplo, um pouco mais moderno, Manda ao diabo a botica, e faz a droga em casa. Ao povo, esse animal, que o Padre Eterno monta, Como pobre, coitado, ento a Santa S Fabrica lhe uma borra incrivel, muito em conta, Um pouco de melao e um pouco d'agua-p. A fina flr christ, a flr altiva e nobre, O rico sangue azul do bairro S. Germano, Para quem o bom Deus um gentil-homem pobre A quem se d de esmola alguns milhes por anno. [23] Essa como detesta os vinhos maus, baratos, Como de raa illustre e debil compleio, Mandam-lhe um elixir que serve para os flatos, Ou para pr no leno ao ir communho. De resto ha quem, bebendo essa tisana impura, Sinta a impresso que outr'ora o nectar produzia. So milagres da f. Ditosa a creatura Que no ruibarbo encontra o sabor da ambrosia. E eu no vos vou magoar, almas cr de rosa Que inda achaes neste vinho o esquecimento e a paz! No insulto quem bebe a droga venenosa; Accuso simplesmente o charlato que a faz. A CARIDADE E A JUSTIA No topo do calvario erguia-se uma cruz, E pregado sobre ella o corpo do Jesus, Noite sinistra e m. Nuvens esverdeadas Corriam pelo ar como grandes manadas De bufalos. A lua ensanguentada e fria, Triste como um soluo immenso de Maria, Lanava sobre a paz das coizas naturaes A merencoria luz feita de brancos ais. As arvores que outr'ora em dias de calor Abrigaram Jesus, cheias de magua e dr, Sonhavam, na mudez herculea dos heroes. Deixaram de cantar todos os rouxinoes, Um silencio pesado amortalhava o mundo. Unicamente ao longe o velho mar profundo Descantava chorando os psalmos da agonia. Jesus, quasi a expirar, cheio de dr, sorria. Os abutres crueis pairavam lentamente A farejar-lhe o corpo; s vezes de repente Uma nuvem toldava a face do luar, E um claro de gangrena, estranho, singular, [26] Lanava sob a cruz uns tons esverdeados. Crucitavam ao longe os corvos esfaimados; Mas passado um instante a lua branca e pura Irrompia outra vez da grande nevoa escura, E inundavam-se ento as chagas de Jesus Nas pulverisaes balsamicas da luz. No momento em que havia a grande escurido, Christo sentiu alguem aproximar-se, e ento Olhou e viu surgir no horror das trevas mudas O cobarde perfil sacrilego de Judas. O traidor, contemplando o olhar do Nazareno, To cheio de desdem, to nobre, to sereno, Convulso de terror fugiu... Mas nesse instante Surgiu-lhe frente a frente um vulto de gigante, Que bradou: chegado emfim o teu castigo O traidor teve medo e balbuciou: Amigo, Que pretendes de mim? dize, por quem esperas? Quem s tu? O Remorso, um caador de fras, Disse o gigante. Eu ando ha mais de seis mil annos A caar pelo mundo as almas dos tiranos, Do traidor, do ladro, do vil, do scelerado; E depois de as prender tenho-as encarcerado Na enormissima jaula atroz da expiao. E quando eu entro ali na immensa confuso De tigres, de lees, d'abutres, de chacaes, De rugidos febris e de gritos bestiaes, [27] Fica tudo a tremer, quieto de horror e espanto. Caim baixa a pupilla e vai deitar-se a um canto. E quando em summa algum dos monstros quer luctar Azorrago-o co'a luz febril do meu olhar, Dando-lhe um pontap, como n'um co mendigo. J sabes quem eu sou, Judas; anda comigo! Como um preso que quer comprar um carcereiro, Judas tirou do manto a bola do dinheiro, Dizendo-lhe: Aqui tens, e deixa-me partir... O gigante fitou-o e comeou a rir. Houve um grande silencio. O infame Iskariote, Como um negro que v a ponta d'um chicote, Tremia. Finalmente o vulto respondeu: Judas, podes guardar esse dinheiro; teu. O oiro da traio pertence-lhe ao traidor, Como o riso innocencia e como o aroma flr. Esse oiro para ti o eterno pesadello. Oh! guarda-o, guarda-o bem, que eu quero derretel-o, E lanar-t'o depois caustico, vivo, ardente, Lanar-t'o gota a gota, inexoravelmente Em cima da consciencia, a pudrida, a execravel! Com elle hei de fundir a algema inquebrantavel, A grilheta que a tua esqualida memoria Trar, arrastar pelas gals da Historia, Durante a eternidade illimitada e calma. Essa bolsa que ahi tens o cancro da tua alma: [28]J se agarrou a ti, ligou-se ao criminoso, Como a lepra nojenta ao peito do leproso, Como o iman ao ferro e o verme podrido. No poders jmais largal-a da tua mo! s traidor, assassino, hypocrita, perjuro; A tua alma lanada em cima d'um monturo Faria nodoa. s tudo o que ha de mais vil, Desde o ventre do sapo baba do reptil. Sahe da existencia! dize sombra que te acoite. Monstro, procura a paz! verme, procura a noite! Que o sol no veja mais um unico momento O teu olhar obliquo e o teu perfil nojento. Esse crime, bandido, um crime que profana, Todas as grandes leis da vida universal. Esconde-te na morte, assim como um chacal No seu covil. Adeus, causas-me nojo e asco. Deixo dentro de ti, Judas, o teu carrasco! s livre; adeus. J brilha o astro matutino, E eu, caador feroz, cumprindo o meu destino, Continuarei caando os javalis nos matos. E dito isto partiu a procurar Pilatos. Vinha rompendo ao longe a fresca madrugada. Judas, ficando s, meteu-se pela estrada, Caminhando ligeiro, impavido, terrivel, Como um homem que leva um fim imprescriptivel Uma ideia qualquer, heroica e sobranceira; De repente estacou. Havia uma figueira Projectando na estrada a larga sombra escura; Judas, desenrolando a corda da cintura, [29] Subiu acima, atou-a a um ramo vigoroso, Dando um lao garganta. O seu olhar odioso Tinha n'esse momento um brilho diamantino, Recto como um juiz, forte como um destino. N'isto echoou atravez do negro co profundo A voz celestial de Jesus moribundo, Que lhe disse: Traidor, concedo-te o perdo. Alm de meu carrasco s inda o meu irmo. Pregaste-me na cruz; o mesmo, fica em paz. Eu costumo esquecer o mal que alguem me faz. Eu tenho at prazer, bem vs, no sacrificio. No te cause remorso o meu atroz suplicio, Estes golpes crueis, estas horriveis dores. As chagas para mim so outras tantas flres! Judas fitou ao longe os cerros do calvario, E erguendo-se viril, soberbo, extraordinario, Exclamou: No acceito a tua compaixo. A Justia dos bons consiste no perdo. Un justo no perda. A justia implacavel. A minha aco infame, hedionda, miseravel; Preguei-te nessa cruz, vendi-te aos Farizeus. Pois bem, sendo eu um monstro e sendo tu um Deus, Vais vr como esse monstro, pobre Christo nu, maior do que Deus, mais justo do que tu: tua caridade humanitaria e doce, Eu prefiro o dever terrivel! E enforcou-se. O PAPO As creanas tm medo noite, s horas mortas Do papo que as espera, hediondo, atraz das portas, Para as levar no bolso ou no capuz d'um frade. No te rias da infancia, velha humanidade, Que tu tambem tens medo ao barbaro papo, Que ruge pela boca enorme do trovo, Que abena os punhaes sangrentos dos tyranos, Um papo que no faz a barba ha seis mil annos, E que mora, segundo os bonzos tm escripto, L em cima, de traz da porta do Infinito. PARASITAS No meio d'uma feira, uns poucos de palhaos Andavam a mostrar em cima d'um jumento Um aborto infeliz, sem mos, sem ps, sem braos, Aborto que lhes dava um grande rendimento. Os magros histries, hypocritas, devassos, Exploravam assim a flor do sentimento, E o monstro arregalava os grandes olhos baos, Uns olhos sem calor e sem intendimento. E toda a gente deu esmola aos taes ciganos; Deram esmola at mendigos quasi ns. E eu, ao ver este quadro, apostolos romanos, Eu lembrei-me de vs, funambulos da Cruz. Que andaes pelo universo ha mil e tantos annos Exhibindo, explorando o corpo de Jesus. RESPOSTA AO SILLABUS Fanaticos, ouvi as coisas que eu vos digo: Dentro d'essa priso cruel do dogma antigo A consciencia no pde estar paralisada, Como n'um velho catre uma velha entrevada. Tudo se modifica e tudo se renova: Da escura podrido nojenta de uma cova Sae uma flr vermelha a rir alegremente. A ideia tambem muda a pel' como a serpente. O que era hontem gro hoje a seara immensa. A Verdade sahiu d'esse casuloa Crena, Assim como sahiu do velho o mundo novo. Recolher outra vez a aguia no seu ovo impossivel; quebrou o involucro ao nascer. Como que pdes tu Egreja, pretender, Cerrando na tua mo umbox enormeo inferno, Levar aos encontres o espirito moderno, Leval-o para traz, para o passado escuro, Como um bandido leva um homem contra um muro?! A trajectoria immensa e fulva da verdade [34] No se pde suster com a facilidade Com que Jusu susteve o sol no firmamento. Atirar a justia, a ideia, o pensamento s fogueiras da f, bonzos, impossivel: Reduzirdes a cinza o que? O incombustivel! Loucos! ide dizer ao velho Torquemada Que queime se capaz n'um forno uma alvorada! ....................................................... Sacristas, Ajuntae, reuni os balandraus papistas, As fardas sepulcraes do exercito da f, A capa de Tartufo, a loba de Claret, A cogula do monge, enfim, tudo que seja Cr da noite; arrancae o velho crepe egreja, Dos caixes descosei os panos funerarios, Tisnae co'a vossa lingua as alvas e os sudarios, E se inda precisaes mais sombras, mais farrapos, Pedi ao corvo a aza, o ventre immundo aos sapos, Fabricae d'isto tudo uma cortina immensa, E tapando com ella o sol da nossa crena, Nem mesmo assim fareis o eclipse da aurora! A consciencia no a besta d'uma nora. Lembrai-vos que o Progresso um carro sem travo, E que apagar em ns o facho da razo o mesmo que apagar o sol quando flameja Com um apagador de lata d'uma egreja. Bonzos, podeis dizer humanidadePra! Co'a foice excomunho podeis ceifar a ceara Da heresia; podeis, segundo as ordenanas, Metter pedras de sal na boca das creanas, Fazer do Deus do amor o Deus barbaridade, [35] Chamar estupidez irm da caridade E jesuita a Jesus e Christo a Carlos sete; Vs podeis discutir junto da campa o frete, Recoveiros de Deus, o frete que preciso Para irdes levar l cima ao paraiso A alma d'um defunto; bonzos, vs podeis Ir pedir emprestado um exercito aos reis E defender com elle o papa, o vaticano, Do cerco que lhe faz o pensamento humano, Pondo adiante d'um dogma a boca d'um canho; Podeis encarcerar dentro da inquisio Galileu; vs podeis, anes, contra os ciclopes Roncar latim, zurrar sermes, brandir hyssopes, Que no conseguireis que a Liberdade vista A batina pingada e rota d'um sacrista, Que o direito se ordene, e que a Justia queira Ir a Roma tomar, contricta, o vo de freira! O BAPTISMO Exeat de vobis spiritus malignas. ritual. Baptisaes: arrancaes d'um anjo um satanaz. Desinfectaes Ariel banhando-o em aguarraz De egreja e no latim que um malandro expectora, Dizeis noite:limpa a tunica da aurora, E ao rouxinol dizeis:pede a beno da c'ruja. Daes os lirios em flr ao rol da roupa suja, Representaes a fara estupida e sombria D'um conego a lavar um astro n'uma pia, Finalmente extrahis da innocencia o pecado, Que o mesmo que extrahir d'uma rosa um cevado, E tudo isto porque? Porque na biblia um mono Devora uma ma sem licena do dono! EURICO Cod. civil art. 1057 e 4031 Eurico, Eurico, pallida figura, Lastimoso, romantico levita, Que nos serros do Calpe em noite escura Ergues as mos abobada infinita; Rasga a pagina santa da Escriptura; O espirito de luz que em ns habita J no consente essa ideal loucura Que faz do amor uma paixo maldita. Deixa a soido dos montes escalvados; No soltes mais osthrenos inflamados, Nem tenhas medo s garras do demonio. Beija a Hermengarda, a timida donzella. E vai de brao dado tu e ella Contrahir civilmente o matrimonio. A ARVORE DO MAL Por debaixo do azul sereno, entre a fragancia Dos mirtos, dos rosaes, Viviam n'uma doce e n'uma eterna infancia Nossos primeiros paes. Seus corpos juvenis, mais alvos do que a lua, Mais puros que os diamantes, Conservavam ainda a virgindade nua Das coisas ignorantes. Poz Deus n'esse jardim com sua mo astuta Ao lado da innocencia A Arvore do Mal que produzia a fructa Venenosa da sciencia. E, apezar de conter venenos homicidas E o germen do pecado, Era Deus quem comia noite, s escondidas, Esse fructo vedado. [40] Por isso Jehovah tinha sciencia infinda, Tinha um poder secreto, E Ado que no provara os fructos era ainda Um anjo analfabeto. Eva colheu um dia o bello fructo impuro, O fructo da Raso. N'esse instante sublime Eva tinha o Futuro Na palma da sua mo! O homem, abandonado a submisso covarde, Viu o fructo e comeu. Esse fructo a luz que a Jupiter mais tarde Roubar Prometheu. E ao vr igual a si a estatua que creara, O homem reprobo e nu, Jehovah exclamou: Maldita seja a seara cuja semente s tu! Veio depois a Egreja e repetiu aos crentes De toda a humanidade: Maldito seja sempre o que enterrar os dentes Nos fructos da Verdade! A Egreja permittia esse vedado pomo Smente aos sacerdotes. Da arvore do mal fugia o mundo, como Os lobos dos archotes. [41] Se o sabio que buscava o oiro nas retortas Ia como um ladro Roubar timidamente, noite, s horas mortas Algum fructo do cho, Tiravam-lhe da boca esse fructo damninho D'uma maneira suave: Atando-lhe garganta uma corda de linho Suspensa d'uma trave. Um dia um visionario, alma vertiginosa, Espirito immortal, Foi deitar-se, que horror! sombra temerosa Da Arvore do Mal. A Egreja ao vr aquella intrepida heresia Lana-lhe excomunhes; Tomba por terra um fructo... e Newton descobria A lei das atraces! Sacudi, sacudi, a arvore maldita, Que os astros tombaro, Como se sacudisse a abobada infinita Deus com a propria mo! E quando o mundo inteiro emfim houver comido At saciedade O fructo que lhe estava ha tanto prohibido, O fructo da Verdade, [42] Homens, dizei ento a Jehovah:Tirano, Vai-te embora d'aqui! Construimos de novo o paraiso humano; Fizemol-o sem ti. Expulsaste do Olimpo a humanidade outr'ora, despota feroz; Pois bem, o Olimpo nosso, e Jehovah, agora Expulsamos-te ns! A SEMANA SANTA. I No podendo dormir no horror da sepultura, Na podrido escura Da terra immunda e fria, Voltaire despedaando o feretro chumbado, E cingindo o lenol ao corpo esverdeado Resuscitou um dia. Pairava-lhe no labio o riso fulminante Com que outr'ora gravou nas crenas virginaes, Como n'um rico espelho a aresta d'um diamante, Tamanhas abjeces, sarcasmos to brutaes. Mas era ao mesmo tempo o riso heroico e bom Que os tiranos prostrava em misero desmaio, Riso a que succedeu o verbo de Danton, Como a um trovo succede o lampejar d'um raio. Dormira febrilmente um longo somno inquieto Em quanto andava o mundo a executar-lhe os planos, E vinha ver emfim, diabolico architeto, [44]O estado da sua obra ao cabo de cem annos, satiro divino, monstro da ironia, Genio que Deus conduz e Satanaz impelle, Que esmagas hoje o infame, e escreves no outro dia Com a tinta do enxurro os versos da Pucelle; Tu s feito de luz e feito de baixesas, Feito de heroicidade e de protervias ms; Corromperam-te a alma os braos das duquezas E encarguilhou-te a face o rir de Satanaz. Rasgas ao mundo novo a estrada do futuro Cantando ao mesmo tempo o sordido deboche: s como um Juvenal dentro d'um Epicuro, arlequim-titan, semi-deus-gavroche. N'esse labio mordente esso sorriso eterno Faz frio como a ponta aguda d'uma espada; O teu genio, Voltaire, como o sol do inverno, D muitissima luz, mas no aquece nada. Em vo por sobre a paz dos campos desolados Elle entorna do azul seus vivos esplendores; No cantam rouxinoes nas sebes dos vallados, No faz nascer o trigo e germinar as flores. que nunca soubeste o que a dr profunda Que estalla fibra a fibra os grandes coraes; que nunca choraste, Prometheu corcunda, Como Dante chorou, como chorou Cames Voltaire, rachador de velhos preconceitos, Aos golpes de teu riso, a golpes de machado Cairam sobre a terra athleticos, desfeitos Na floresta da noite os cedros do passado. [45] Mataste a tradio, o dogma, o privilegio, Assobiaste a rir a f de nossos paes, E andaste pelo azul, hediondo sacrilegio! A correr pedrada os deuses immortaes. Empunhando o alvio terrivel da verdade Tu minaste, Voltaire, infatigavelmente O alicerce de bronze velha sociedade. Do teu riso cruel a onda dissolvente Foi como os vagalhes, ari ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 23526
Author: Junqueiro, Abílio Manuel Guerra
Release Date: Nov 17, 2007
Format: eBook
Language: Portuguese
Publisher Country: Lisboa:

Returns Policy

You may return most new, unopened items within 30 days of delivery for a full refund. We'll also pay the return shipping costs if the return is a result of our error (you received an incorrect or defective item, etc.).

You should expect to receive your refund within four weeks of giving your package to the return shipper, however, in many cases you will receive a refund more quickly. This time period includes the transit time for us to receive your return from the shipper (5 to 10 business days), the time it takes us to process your return once we receive it (3 to 5 business days), and the time it takes your bank to process our refund request (5 to 10 business days).

If you need to return an item, simply login to your account, view the order using the "Complete Orders" link under the My Account menu and click the Return Item(s) button. We'll notify you via e-mail of your refund once we've received and processed the returned item.

Shipping

We can ship to virtually any address in the world. Note that there are restrictions on some products, and some products cannot be shipped to international destinations.

When you place an order, we will estimate shipping and delivery dates for you based on the availability of your items and the shipping options you choose. Depending on the shipping provider you choose, shipping date estimates may appear on the shipping quotes page.

Please also note that the shipping rates for many items we sell are weight-based. The weight of any such item can be found on its detail page. To reflect the policies of the shipping companies we use, all weights will be rounded up to the next full pound.

Related Products

Recently Viewed Products