O crime do padre Amaro, scenas da vida devota

O crime do padre Amaro, scenas da vida devota

O crime do padre Amaro, scenas da vida devota Title: O crime do padre Amaro, scenas da...
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Author: Queirós, Eça de,1845-1900
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Author: Queirós, Eça de,1845-1900
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O crime do padre Amaro, scenas da vida devota

Title: O crime do padre Amaro, scenas da vida devota Author: Ea de Queirs Release Date: April 13, 2010 [EBook #31971] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Abril 2010) O CRIME DO PADRE AMARO Obras do mesmo auctor: Os Maias. 2 grossos volumes. 2$000 O Crime do Padre Amaro. Terceira edio inteiramente refundida, recomposta, e differente na frma e na aco da edio primitiva. 1 grosso volume. 1$200 O Primo Bazilio. Segunda edio. 1 grosso volume. 1$000 A Reliquia. 1 grosso volume. 1$000 O Mandarim. Segunda edio. 1 volume. 500 No prelo: Correspondencia de Fradique Mendes. 1 volume. EA DE QUEIROZ O CRIME DO PADRE AMARO SCENAS DA VIDA DEVOTA TERCEIRA EDIO Inteiramente refundida, recomposta, e differente na frma e na aco da edio primitiva PORTO LIVRARIA INTERNACIONAL DE ERNESTO CHARDRON Casa editora LUGAN & GEMELIOUX, Successores 1889 Todos os direitos reservados Porto: Typ. de A. J. da Silva Teixeira, Cancella Velha, 70 NOTA (DA 2. EDIO) O Crime do Padre Amaro recebeu no Brazil e em Portugal alguma atteno da Critica, quando foi publicado ulteriormente um romance intituladoO Primo Bazilio. E no Brazil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se adduzir nenhuma prova effectiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitao do romance do snr. E. ZolaLa Faute de l'Abb Mouret; ou que este livro do auctor do Assomoir e de outros magistraes estudos sociaes suggerira a ida, os personagens, a inteno do Crime do Padre Amaro. [VI] Eu tenho algumas razes para crr que isto no correcto. O Crime do Padre Amaro foi escripto em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do snr. Zola, La Faute de l'Abb Mouret (que o quinto volume da srie Rougon Macquart), foi escripto e publicado em 1875. Mas (ainda que isto parea sobrenatural) eu considero esta razo apenas como subalterna e insufficiente. Eu podia, emfim, ter penetrado no cerebro, no pensamento do snr. Zola, e ter avistado, entre as frmas ainda indecisas das suas creaes futuras, a figura do abbade Mouret,exactamente como o veneravel Anchises no valle dos Elyseos podia vr, entre as sombras das raas vindouras fluctuando na nevoa luminosa do Lethes, aquelle que um dia devia ser Marcellus. Taes coisas so possiveis. Nem o homem prudente as deve considerar mais extraordinarias que o carro de fogo que arrebatou Elias aos cose outros prodigios provados. O que, segundo penso, mostra melhor que a accusao carece de exactido, a simples comparao dos dois romances. La Faute de [VII] l'Abb Mouret , no seu episodio central, o quadro allegorico da iniciao do primeiro homem e da primeira mulher no amor. O abbade Mouret (Sergio), tendo sido atacado d'uma febre cerebral, trazida principalmente pela sua exaltao mystica no culto da Virgem, na solido d'um valle abrazado da Provena (primeira parte do livro), levado para convalescer ao Paradou, antigo parque do seculo XVII a que o abandono refez uma virgindade selvagem, e que a representao allegorica do Paraiso. Ahi, tendo perdido na febre a consciencia de si mesmo a ponto de se esquecer do seu sacerdocio e da existencia da aldeia, e a consciencia do universo a ponto de ter medo do sol e das arvores do Paradou como de monstros estranhoserra, durante mezes, pelas profundidades do bosque inculto, com Albina que o genio, a Eva d'esse logar de legenda; Albina e Sergio, semi-ns como no Paraiso, procuram sem cessar, por um instincto que os impelle, uma arvore mysteriosa, da rama da qual cae a influencia aphrodisiaca da materia procreadora; sob este symbolo da Arvore da Sciencia se possuem, depois de dias [VIII] angustiosos em que tentam descobrir, na sua innocencia paradisiaca, o meio physico de realisar o amor; depois, n'uma mutua vergonha subita, notando a sua nudez, cobrem-se de folhagens; e d'ahi os expulsa, os arranca o padre Archangins, que a personificao theocratica do antigo Archanjo. Na ultima parte do livro o abbade Mouret recupera a consciencia de si mesmo, subtrae-se influencia dissolvente da adorao da Virgem, obtem por um esforo da orao e um privilegio da graa a extinco da sua virilidade, e torna-se um asceta sem nada d'humano, uma sombra cahida aos ps da cruz; e, sem que lhe mude a cr ao rosto que asperge e responsa o esquife de Albina, que se asphyxiou no Paradou sob um monto de flres de perfumes fortes. Os criticos intelligentes que accusaram O Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitao da Faute de l'Abb Mouret no tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do snr. Zola que foi talvez a origem de toda a sua gloria. A semelhana casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com conhecimento dos dois livros, s uma [IX] obtusidade cornea ou m f cynica poderia assemelhar esta bella allegoria idyllica, a que est misturado o pathetico drama d'uma alma mystica, ao Crime do Padre Amaro que, como podem vr n'este novo trabalho, apenas, no fundo, uma intriga de clerigos e de beatas tramada e murmurada sombra d'uma velha S de provincia portugueza. Aproveito este momento para agradecer Critica do Brazil e de Portugal a atteno que ella tem dado aos meus trabalhos. Bristol, 1 de janeiro de 1880. Ea do Queiroz. O CRIME DO PADRE AMARO I Foi no domingo de Paschoa que se soube em Leiria que o parocho da S, Jos Migueis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O parocho era um homem sanguineo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comilo dos comiles. Contavam-se historias singulares da sua voracidade. O Carlos da Boticaque o detestavacostumava dizer, sempre que o via sahir depois da ssta, com a face afogueada de sangue, muito enfartado: L vai a giboia esmoer. Um dia estoura! Com effeito estourou, depois d'uma ceia de peixe hora em que defronte, na casa do dr. Godinho que fazia annos, se polkava com alarido. Ninguem o lamentou, e foi pouca gente ao seu enterro. Em [2] geral no era estimado. Era um aldeo; tinha os modos e os pulsos d'um cavador, a voz rouca, cabellos nos ouvidos, palavras muito rudes. Nunca fra querido das devotas: arrotava no confessionario; e, tendo vivido sempre em freguezias da aldeia ou da serra, no comprehendia certas sensibilidades requintadas da devoo: perdera por isso, logo ao principio, quasi todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusmo, to cheio de labia! E quando as beatas, que lhe eram fieis, lhe iam fallar de escrupulos, de vises, Jos Migueis escandalisava-as, rosnando: Ora historias, santinha! Pea juizo a Deus! Mais milo na bola! As exageraes dos jejuns sobretudo irritavam-no: Coma-lhe e beba-lhe, costumava gritar, coma-lhe e beba-lhe, creatura! Era miguelistae os partidos liberaes, as suas opinies, os seus jornaes enchiam-no d'uma clera irracionavel: Cacete! cacete! exclamava, meneando o seu enorme guardasol vermelho. Nos ultimos annos tomra habitos sedentarios e vivia isoladocom uma criada velha e um co, o Joli. O seu unico amigo era o chantre Valladares que governava ento o bispado, porque o senhor bispo D. Joaquim gemia, havia dois annos, o seu rheumatismo n'uma quinta do alto Minho. O parocho tinha um grande respeito pelo chantre, homem scco, [3] de grande nariz, muito curto de vista, admirador d'Ovidioque fallava fazendo sempre boquinhas e com alluses mythologicas. O chantre estimava-o. Chamava-lhe Frei Hercules. Hercules pela fora, explicava sorrindo, Frei pela gula. No seu enterro elle mesmo lhe foi aspergir a cova; e, como costumava offerecer-lhe todos os dias rap da sua caixa d'ouro, disse aos outros conegos, baixinho, ao deixar-lhe cahir sobre o caixo, segundo o ritual, o primeiro torro de terra: a ultima pitada que lhe dou! Todo o cabido riu muito com esta graa do senhor governador do bispado; o conego Campos contou-a noite ao ch em casa do deputado Novaes; foi celebrada com risos deleitados, todos exaltaram as virtudes do chantre, e affirmou-se com respeitoque sua excellencia tinha muita pilheria! Dias depois do enterro appareceu, errando pela Praa, o co do parocho, o Joli. A criada entrra com sezes no hospital; a casa fra fechada; o co, abandonado, gemia a sua fome pelos portaes. Era um gso pequeno, extremamente gordo,que tinha vagas semelhanas com o parocho. Com o habito das batinas, avido d'um dono, apenas via um padre punha-se a seguil-o, ganindo baixo. Mas nenhum queria o infeliz Joli; enxotavam-no com as ponteiras dos guardasoes; o co, repellido como um pretendente, toda a noite uivava pelas ruas. Uma [4] manh appareceu morto ao p da Misericordia; a carroa do estrume levou-o e, como ninguem tornou a vr o co na Praa, o parocho Jos Migueis foi definitivamente esquecido. Dois mezes depois soube-se em Leiria que estava nomeado outro parocho. Dizia-se que era um homem muito novo, sahido apenas do seminario. O seu nome era Amaro Vieira. Attribuia-se a sua escolha a influencias politicas, e o jornal de Leiria, A Voz do Districto, que estava na opposio, fallou com amargura, citando o Golgotha, no favoritismo da crte e na reaco clerical. Alguns padres tinham-se escandalisado com o artigo; conversou-se sobre isso, acremente, diante do senhor chantre. No, no, l que ha favor, ha; e que o homem tem padrinhos, tem, disse o chantre. A mim quem me escreveu para a confirmao foi o Brito Correia (Brito Correia era ento ministro da justia). At me diz na carta que o parocho um bello rapago. De sorte queacrescentou sorrindo com satisfaodepois de Frei Hercules vamos talvez ter Frei Apollo. Em Leiria havia s uma pessoa que conhecia o parocho novo: era o conego Dias que fra, nos primeiros annos do seminario, seu mestre de Moral. No seu tempo, dizia o conego, o parocho era um rapaz franzino, acanhado, cheio de espinhas carnaes... Parece que o estou a vr com a batina muito coada e cara de quem tem lombrigas!... De resto bom rapaz. E espertote... [5] O conego Dias era muito conhecido em Leiria. Ultimamente engordra, o ventre saliente enchia-lhe a batina; e a sua cabecinha grisalha, as olheiras papudas, o beio espesso faziam lembrar velhas anecdotas de frades lascivos e glotes. O tio Patricio, o antigo, negociante da Praa, muito liberal, e que quando passava pelos padres rosnava como um velho co de fila, dizia s vezes ao vl-o atravessar a Praa, pesado, ruminando a digesto, encostado ao guardachuva: Que maroto! Parece mesmo D. Joo VI! O conego vivia s com uma irm velha, a snr.a D. Josepha Dias, e uma criada, que todos conheciam tambem em Leiria, sempre na rua, entrouxada n'um chale tingido de negro e arrastando pesadamente as suas chinelas de ourelo. O conego Dias passava por ser rico; trazia ao p de Leiria propriedades arrendadas, dava jantares com per, e tinha reputao o seu vinho duque de 1815. Mas o facto saliente da sua vidao facto commentado e murmuradoera a sua antiga amizade com a snr.a Augusta Caminha, a quem chamavam a S. Joanneira, por ser natural de S. Joo da Foz. A S. Joanneira morava na rua da Misericordia e recebia hospedes. Tinha uma filha, a Ameliasinha, rapariga de vinte e tres annos, bonita, forte, muito desejada. O conego Dias mostrra um grande contentamento com a nomeao de Amaro Vieira. Na botica do Carlos, na Praa, na sacristia da S exaltou os seus bons estudos no seminario, a sua prudencia de [6] costumes, a sua obediencia: gabava-lhe mesmo a voz: um timbre que um regalo! Para um bocado de sentimento nos sermes da Semana Santa est a calhar! Predizia-lhe com emphase um destino feliz, uma conesia decerto, talvez a gloria d'um bispado! E um dia, emfim, mostrou com satisfao ao coadjutor da S, creatura servil e calada, uma carta que recebera de Lisboa de Amaro Vieira. Era uma tarde de agosto e passeavam ambos para os lados da Ponte Nova. Andava ento a construir-se a estrada da Figueira: o velho passadio de pau sobre a ribeira do Liz tinha sido destruido, j se passava sobre a Ponte Nova, muito gabada, com os seus dois largos arcos de pedra, fortes e atarracados. Para diante as obras estavam suspendidas por questes de expropriao; ainda se via o lodoso caminho da freguezia de Marrazes, que a estrada nova devia desbastar e encorporar; camadas de cascalho cobriam o cho; e os grossos cylindros de pedra, que acalcam e recamam os macadams, enterravam-se na terra negra e humida das chuvas. Em roda da Ponte a paizagem larga e tranquilla. Para o lado d'onde o rio vem so collinas baixas, de frmas arredondadas, cobertas da rama verde-negra dos pinheiros novos; em baixo, na espessura dos arvoredos, esto os casaes que do quelles logares melancolicos uma feio mais viva e humanacom as suas alegres paredes caiadas que luzem ao sol, com os fumos das lareiras que pela [7] tarde se azulam nos ares sempre claros e lavados. Para o lado do mar, para onde o rio se arrasta nas terras baixas entre dois renques de salgueiros pallidos, estende-se at os primeiros areaes o campo de Leiria, largo, fecundo, com o aspecto de aguas abundantes, cheio de luz. Da Ponte pouco se v da cidade; apenas uma esquina das cantarias pesadas e jesuiticas da S, um canto do muro do cemiterio coberto de parietarias, e pontas agudas e negras dos cyprestes; o resto est escondido pelo duro monte ouriado de vegetaes rebeldes, onde destacam as ruinas do Castello, todas envolvidas tarde nos largos vos circulares dos mochos, desmanteladas e com um grande ar historico. Ao p da Ponte, uma rampa desce para a alameda que se estende um pouco beira do rio. um logar recolhido, coberto de arvores antigas. Chamam-lhe a Alameda Velha. Alli, caminhando devagar, fallando baixo, o conego consultava o coadjutor sobre a carta de Amaro Vieira, e sobre uma ida que ella lhe dera, que lhe parecia de mestre! De mestre! Amaro pedia-lhe com urgencia que lhe arranjasse uma casa de aluguel, barata, bem situada, e se fosse possivel mobilada; fallava sobretudo de quartos n'uma casa de hospedes respeitavel. Bem v o meu caro Padre-Mestre, dizia Amaro, que era isto o que verdadeiramente me convinha; eu no quero luxos, est claro: um quarto e uma saleta seria o bastante. O que necessario que a casa seja respeitavel, socegada, central; que a patra tenha [8] bom genio e que no pea mundos e fundos; deixo tudo isto sua prudencia e capacidade, e creia que todos estes favores no cahiro em terreno ingrato. Sobretudo que a patra seja pessoa accommodada e de boa lingua. Ora a minha ida, amigo Mendes, esta: mettl-o em casa da S. Joanneira! resumiu o conego com um grande contentamento. rica ida, hein? Soberba ida! disse o coadjutor com a sua voz servil. Ella tem o quarto de baixo, a saleta pegada e o outro quarto que pde servir de escriptorio. Tem boa mobilia, boas roupas... Ricas roupas, disse o coadjutor com respeito. O conego continuou: um bello negocio para a S. Joanneira: dando os quartos, roupas, comida, criada, pde muito bem pedir os seus seis tostes por dia. E depois sempre tem o parocho de casa. Por causa da Ameliasinha que eu no sei, considerou timidamente o coadjutor. Sim, pde ser reparado. Uma rapariga nova... Diz que o senhor parocho ainda novo... Vossa senhoria sabe o que so linguas do mundo. O conego tinha parado: Ora historias! Ento o padre Joaquim no vive debaixo das mesmas telhas com a afilhada da mi? E o conego Pedroso no vive com a cunhada, e uma irm da cunhada, que uma rapariga de dezenove annos? Ora essa! [9] Eu dizia... attenuou o coadjutor. No, no vejo mal nenhum. A S. Joanneira aluga os seus quartos, como se fosse uma hospedaria. Ento o secretario geral no esteve l uns poucos de mezes? Mas um ecclesiastico... insinuou o coadjutor. Mais garantias, snr. Mendes, mais garantias! exclamou o conego. E parando, com uma attitude confidencial:E depois a mim que me convinha, Mendes! A mim que me convinha, meu amigo! Houve um pequeno silencio. O coadjutor disse, baixando a voz: Sim, vossa senhoria faz muito bem S. Joanneira... Fao o que posso, meu caro amigo, fao o que posso, disse o conego. E com uma entonao terna, risonhamente paternal:que ella merecedora, merecedora. Boa at alli, meu amigo!Parou, esgazeando os olhos:Olhe que dia em que eu no lhe apparea pela manh s nove em ponto, est n'um phrenesi! Oh creatura! digo-lhe eu, a senhora rala-se sem razo. Mas ento, aquillo! Pois quando eu tive a colica o anno passado! Emmagreceu, snr. Mendes! E depois no ha lembrana que no tenha! Agora, pela matana do porco, o melhor do animal para o padre santo, voss sabe? como ella me chama. Fallava com os olhos luzidios, uma satisfao babosa: Ah, Mendes! acrescentou, uma rica mulher! [10] E bonita mulher, disse o coadjutor respeitosamente. L isso! exclamou o conego parando outra vez. L isso! Bem conservada at alli! Pois olhe que j no criana! Mas nem um cabello branco, nem um, nem um s! E ento que cr de pelle!E mais baixo, com um sorriso guloso:E isto aqui! Mendes, e isto aqui!Indicava o lado do pescoo debaixo do queixo, passando-lhe devagar por cima a sua mo papuda: uma perfeio! E depois mulher de aceio, muitissimo aceio! E que lembranasinhas! No ha dia que me no mande o seu presente! o covilhete de geleia, o pratinho d'arroz dce, a bella murcella d'Arouca! Hontem me mandou ella uma torta de ma. Ora havia de voss vr aquillo! A ma parecia um creme! At a mana Josepha disse: Est to boa que parece que foi cozida em agua benta!E pondo a mo espalmada sobre o peito:So coisas que tocam a gente c por dentro, Mendes! No, no l por dizer, mas no ha outra. O coadjutor escutava com a taciturnidade da inveja. Eu bem sei, disse o conego parando de novo e tirando lentamente as palavras, eu bem sei que por ahi rosnam, rosnam... Pois uma grandissima calumnia! O que , que eu tenho muito apgo quella gente. J o tinha em tempo do marido. Voss bem o sabe, Mendes. O coadjutor teve um gesto affirmativo. [11] A S. Joanneira uma pessoa de bem! olhe que uma pessoa de bem, Mendes! exclamava o conego batendo no cho fortemente com a ponteira do guardasol. As linguas do mundo so venenosas, senhor conego, disse o coadjutor com uma voz chorosa. E depois d'um silencio acrescentou baixo:Mas aquillo a vossa senhoria deve-lhe sahir caro! Pois ahi est, meu amigo! Imagine voss que desde que o secretario geral se foi embora a pobre da mulher tem tido a casa vazia: eu que tenho dado para a panella, Mendes! Que ella tem uma fazendita, considerou o coadjutor. Uma nesga de terra, meu rico senhor, uma nesga de terra! E depois as decimas, os jornaes! Por isso digo eu, o parocho uma mina. Com os seis tostes que elle der, com o que eu ajudar, com alguma coisa que ella tire da hortalia que vende da fazenda, j se governa. E para mim um allivio, Mendes. um allivio, senhor conego! repetiu o coadjutor. Ficaram calados. A tarde descahia muito limpida; o alto co tinha uma pallida cr azul; o ar estava immovel. N'aquelle tempo o rio ia muito vazio; pedaos de areia reluziam em scco; e a agua baixa arrastava-se com um marulho brando, toda enrugada do roar dos seixos. Duas vaccas, guardadas por uma rapariga, appareceram [12] ento pelo caminho lodoso que do outro lado do rio, defronte da alameda, corre junto d'um silvado; entraram no rio devagar, e estendendo o pescoo pellado da canga, bebiam de leve, sem ruido; a espaos erguiam a cabea bondosa, olhavam em redor com a passiva tranquillidade dos sres fartose fios de agua, babados, luzidios luz, pendiam-lhes dos cantos do focinho. Com a inclinao do sol a agua perdia a sua claridade espelhada, estendiam-se as sombras dos arcos da ponte. Do lado das colinas ia subindo um crepusculo esfumado, e as nuvens cr de sanguinea e cr de laranja que annunciam o calor faziam, sobre os lados do mar, uma decorao muito rica. Bonita tarde! disse o coadjutor. O conego bocejou, e fazendo uma cruz sobre o bocejo: Vamo-nos chegando s Ave-Marias, hein? Quando, d'ahi a pouco, iam subindo as escadarias da S, o conego parou, e voltando-se para o coadjutor: Pois est decidido, amigo Mendes, ferro o Amaro na casa da S. Joanneira! uma pechincha para todos. Uma grande pechincha! disse respeitosamente o coadjutor. Uma grande pechincha! E entraram na igreja, persignando-se. II Uma semana depois soube-se que o novo parocho devia chegar pela diligencia de Cho de Mas, que traz o correio tarde; e desde as seis horas o conego Dias e o coadjutor passeavam no largo do Chafariz, espera de Amaro. Era ento nos fins de agosto. Na longa alameda macadamisada que vai junto do rio, entre os dois renques de velhos choupos, entreviam-se vestidos claros de senhoras passeando. Do lado do Arco, na correnteza de casebres pobres, velhas fiavam porta; crianas sujas brincavam pelo cho, mostrando os seus enormes ventres ns; e gallinhas em redor iam picando vorazmente as immundicies esquecidas. Em redor do chafariz cheio de ruido, onde os cantaros [14] arrastam sobre a pedra, criadas ralham, soldados, com a sua fardeta suja, enormes botas cambadas, namoravam, meneando a chibata de junco; com o seu cantaro bojudo de barro equilibrado cabea sobre a rodilha, raparigas iam-se aos pares, meneando os quadris; e dois officiaes ociosos, com a farda desapertada sobre o estomago, conversavam, esperando, a vr quem viria. A diligencia tardava. Quando o crepusculo desceu, uma lamparina luziu no nicho do santo, por cima do Arco; e defronte iam-se alumiando uma a uma, com uma luz soturna, as janellas do hospital. J tinha anoitecido quando a diligencia, com as lanternas accesas, entrou na Ponte ao trote esgalgado dos seus magros cavallos brancos, e veio parar ao p do chafariz, por baixo da estalagem do Cruz; o caixeiro do tio Patricio partiu logo a correr para a Praa com o mao dos Diarios Populares; o tio Baptista, o patro, com o cachimbo negro ao canto da boca, desatrellava, praguejando tranquillamente; e um homem que vinha na almofada, ao p do cocheiro, de chapo alto e comprido capote ecclesiastico, desceu cautelosamente, agarrando-se s guardas de ferro dos assentos, bateu com os ps no cho para os desentorpecer, e olhou em redor. Oh, Amaro! gritou o conego que se tinha aproximado, oh, ladro! Oh, Padre-Mestre! disse o outro com alegria. E abraaram-se, emquanto o coadjutor, todo curvado, tinha o barrete na mo. [15] D'ahi a pouco as pessoas que estavam nas lojas viram atravessar a Praa, entre a corpulencia vagarosa do conego Dias e a figura esguia do coadjutor, um homem um pouco curvado, com um capote de padre. Soube-se que era o parocho novo; e disse-se logo na botica que era uma boa figura de homem. O Joo Bicha levava adiante um bah e um sacco de chita; e como quella hora j estava bebedo, ia resmungando o Bemdito. Eram quasi nove horas, a noite cerrra. Em redor da Praa as casas estavam j adormecidas: das lojas debaixo da arcada sahia a luz triste dos candieiros de petroleo, entreviam-se dentro figuras somnolentas, caturrando em cavaqueira, ao balco. As ruas que vinham dar Praa, tortuosas, tenebrosas, com um lampeo mortio, pareciam deshabitadas. E no silencio o sino da S dava vagarosamente o toque das almas. O conego Dias ia explicando pachorrentamente ao parocho o que lhe arranjra. No lhe tinha procurado casa: seria necessario comprar mobilia, buscar criada, despezas innumeraveis! Parecera-lhe melhor tomar-lhe quartos n'uma casa de hospedes respeitavel, de muito conchegoe n'essas condies (e alli estava o amigo coadjutor que o podia dizer), no havia como a da S. Joanneira. Era bem arejada, muito aceio, a cozinha no deitava cheiro; tinha l estado o secretario geral e o inspector dos estudos; e a S. Joanneira (o Mendes amigo conhecia-a bem) era uma mulher temente a Deus, de boas [16] contas, muito economica e cheia de condescendencias... Voss est alli como em sua casa! Tem o seu cozido, prato de meio, caf... Vamos a saber, Padre-Mestre: preo? disse o parocho. Seis tostes. Que diabo, de graa! Tem um quarto, tem uma saleta... Uma rica saleta, commentou o coadjutor respeitosamente. E longe da S? perguntou Amaro. Dois passos. Pde-se ir dizer missa de chinelos. Na casa ha uma rapariga, continuou com a sua voz pausada o conego Dias. a filha da S. Joanneira. Rapariga de vinte e dois annos. Bonita. Sua pontinha de genio, mas bom fundo... Aqui tem vsse a sua rua. Era estreita, de casas baixas e pobres, esmagada pelas altas paredes da velha Misericordia, com um lampeo lugubre ao fundo. E aqui tem voss o seu palacio! disse o conego, batendo na aldraba de uma porta esguia. No primeiro andar duas varandas de ferro, de aspecto antigo, faziam saliencia, com os seus arbustos de alecrim, que se arredondavam aos cantos em caixas de madeira; as janellas de cima, pequeninas, eram de peitoril; e a parede, pelas suas irregularidades, fazia lembrar uma lata amolgada. A S. Joanneira esperava no alto da escada; uma criada, enfezada e sardenta, alumiava com um candieiro [17] de petroleo; e a figura da S. Joanneira destacava plenamente na luz sobre a parede caiada. Era gorda, alta, muito branca, d'aspecto pachorrento. Os seus olhos pretos tinham j em redor a pelle engelhada; os cabellos arripiados, com um enfeite escarlate, eram j raros aos cantos da testa e no comeo da risca; mas percebiam-se uns braos rechonchudos, um collo copioso e roupas aceadas. Aqui tem a senhora o seu hospede, disse o conego subindo. Muita honra em receber o senhor parocho! muita honra! Ha de vir muito cansado! por fora! Para aqui, tem a bondade? Cuidado com o degrausinho. Levou-o para uma sala pequena pintada de amarello, com um vasto canap de palhinha encostado parede, e defronte, aberta, uma mesa forrada de baeta verde. a sua sala, senhor parocho, disse a S. Joanneira. Para receber, para espairecer... Aquiacrescentou abrindo uma porta o seu quarto de dormir. Tem a sua commoda, o seu guarda-roupa...Abriu os gavetes, gabou a cama batendo a elasticidade dos colxesUma campainha para chamar sempre que queira... As chavinhas da commoda esto aqui... Se gosta de travesseirinho mais alto... Tem um cobertor s, mas querendo... Est bem, est tudo muito bem, minha senhora, disse o parocho com a sua voz baixa e suave. pedir! O que ha, da melhor vontade... [18] Oh creatura de Deus! interrompeu o conego jovialmente, o que elle quer agora cear! Tambem tem a ceiasinha prompta. Desde as seis que est o caldo a apurar... E sahiu, para apressar a criada, dizendo logo do fundo da escada: V, Rua, mexe-te, mexe-te!... O conego sentou-se pesadamente no canap, e sorvendo a sua pitada: contentar, meu rico. Foi o que se pde arranjar. Eu estou bem em toda a parte, Padre-Mestre, disse o parocho, calando os seus chinelos de ourelo. Olha o seminario!... E em Feiro! Cahia-me a chuva na cama. Para o lado da Praa, ento, sentiu-se o toque de cornetas. Que aquillo? perguntou Amaro, indo janella. s nove e meia, o toque de recolher. Amaro abriu a vidraa. Ao fim da rua um candieiro esmorecia. A noite estava muito negra. E havia sobre a cidade um silencio concavo, de abobada. Depois das cornetas, um rufar lento de tambores afastou-se para o lado do quartel; por baixo da janella um soldado, que se demorra n'alguma viella do castello, passou correndo; e das paredes da Misericordia sahia constantemente o agudo piar das corujas. [19] triste isto, disse Amaro. Mas a S. Joanneira gritou de cima: Pde subir, senhor conego! Est o caldo na mesa! Ora v, v, que voss deve estar a cahir de fome, Amaro!disse o conego, erguendo-se muito pesado. E detendo um momento o parocho pela manga do casaco: Vai voss vr o que um caldo de gallinha feito c pela senhora! Da gente se babar!... No meio da sala de jantar, forrada de papel escuro, a claridade da mesa alegrava, com a sua toalha muito branca, a loua, os copos reluzindo luz forte d'um candieiro d'abat-jour verde. Da terrina subia o vapor cheiroso do caldo, e na larga travessa a gallinha gorda, afogada n'um arroz humido e branco, rodeada de nacos de bom paio, tinha uma apparencia succulenta de prato morgado. No armario envidraado, um pouco na sombra, viam-se cres claras de porcelana; a um canto, ao p da janella, estava o piano, coberto com uma colcha de setim desbotado. Na cozinha frigia-se; e sentindo o cheiro fresco que vinha d'um taboleiro de roupa lavada, o parocho esfregou as mos, regalado. Para aqui, senhor parocho, para aqui, disse a [20] S. Joanneira. D'ahi pde-lhe vir frio.Foi fechar as portadas das janellas; chegou-lhe um caixo de areia para as pontas dos cigarros.E o senhor conego toma um copinho de geleia, sim? V l, para fazer companhia, disse jovialmente o conego, sentando-se e desdobrando o guardanapo. A S. Joanneira, no emtanto, mexendo-se pela sala, ia admirando o parocho que, com a cabea sobre o prato, comia em silencio o seu caldo, soprando a colhr. Parecia bem feito: tinha um cabello muito preto, levemente annelado. O rosto era oval, de pelle trigueira e fina, os olhos negros e grandes, com pestanas compridas. O conego, que no o via desde o seminario, achava-o mais forte, mais viril. Voss era enfezadito... Foi o ar da serra, dizia o parocho, fez-me bem.Contou ento a sua triste existencia em Feiro, na alta Beira, durante a aspereza do inverno, s, com pastores. O conego deitava-lhe o vinho de alto, fazendo-o espumar. Pois beber-lhe, homem! beber-lhe! D'esta gota no pilhava voss no seminario. Fallaram do seminario. Que ser feito do Rabicho, o despenseiro? disse o conego. E do Carcho, que roubava as batatas? Riram; e bebendo, na alegria das reminiscencias, recordavam as historias de ento, o catarrho do reitor, [21] e o mestre de canto-cho que deixra um dia cahir do bolso as poesias obscenas de Bocage. Como o tempo passa, como o tempo passa! diziam. A S. Joanneira ento poz na mesa um prato covo com mas assadas. Viva! No, l n'isso tambem eu entro! exclamou logo o conego. A bella ma assada! nunca me escapa! Grande dona de casa, meu amigo, rica dona de casa, c a nossa S. Joanneira! Grande dona de casa! Ella ria; viam-se os seus dois dentes de diante, grandes e chumbados. Foi buscar uma garrafa de vinho do Porto; poz no prato do conego, com requintes devotos, uma ma desfeita polvilhada de assucar; e batendo-lhe nas costas com a mo papuda e molle: Isto um santo, senhor parocho, isto um santo! Ai, devo-lhe muitos favores! Deixe fallar, deixe fallar..., dizia o conego.Espalhava-se-lhe no rosto um contentamento baboso.Boa gota! acrescentou, saboreando o seu calix de porto. Boa gota! Olhe que ainda dos annos da Amelia, senhor conego. E onde est ella, a pequena? Foi ao Morenal com a D. Maria. Aquillo naturalmente foram para casa das Gansosos passar a noite. C esta senhora proprietaria, explicou o conego, [22] fallando do Morenal. um condado!Ria com bonhomia, e os seus olhos luzidios percorriam ternamente a corpulencia da S. Joanneira. Ah, senhor parocho, deixe fallar, uma nesga de terra..., disse ella. Mas vendo a criada encostada parede, sacudida com afflices de tosse: mulher, vai tossir l p'ra dentro! credo! A moa sahiu, pondo o avental sobre a boca. Parece doente, coitada, observou o parocho. Muito achacada, muito!... A pobre de Christo era sua afilhada, orph, e estava quasi tisica. Tinha-a tomado por piedade... E tambem porque a criada que c tinha foi para o hospital, a desavergonhada... Metteu-se ahi com um soldado!... O padre Amaro baixou devagar os olhose trincando migalhas perguntou se havia muitas doenas n'aquelle vero. Cholerinas, das fructas verdes, rosnou o conego. Mettem-se pelas melancias, depois tarraadas de agua... E suas febritas... ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 31971
Author: Queirós, Eça de
Release Date: Apr 13, 2010
Format: eBook
Language: Portuguese

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