Da terra à lua, viagem directa em 97 horas e 20 minutos

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Da terra à lua, viagem directa em 97 horas e 20 minutos OBRA PREMIADA PELA ACADEMIA DAS...
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Author: Verne, Jules,1828-1905
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Da terra à lua, viagem directa em 97 horas e 20 minutos

OBRA PREMIADA PELA ACADEMIA DAS SCIENCIAS DE FRANA DA TERRA LUA VIAGEM DIRECTA EM 97 HORAS E 20 MINUTOS Lisboa--Imprensa Nacional--1874 VIAGENS MARAVILHOSAS JULIO VERNE DA TERRA LUA VIAGEM DIRECTA EM 97 HORAS E 20 MINUTOS TRADUCO DE HENRIQUE DE MACEDO Lente de mathematica na escola polytechnica e astronomo no observatorio de marinha BIBLIOTHECA ILLUSTRADA DE INSTRUCO E RECREIO EMPREZA HORAS ROMANTICAS Rua dos Calafates, 102, 1. andar LISBOA Traduco auctorisada e reservada --JULIO VERNE-- DA TERRA LUA CAPITULO I O GUN-CLUB Durante a guerra federal dos Estados Unidos fundou-se, na cidade de Baltimore, mesmo no centro do Maryland, um novo club de grande influencia. notoria a energia com que se desenvolveram os instinctos militares por entre aquella populao de armadores, de negociantes e de machinistas. Insignificantes mercadores saltaram por cima do balco e acharam-se de improviso transformados em capites, [6] em coroneis e at em generaes, sem terem passado pelas escolas de applicao de West-Point[1]; em curto espao foram na arte da guerra dignos rivaes dos collegas do velho continente, e, imitao d'estes, alcanaram, fora de prodigalisar balas, milhes e homens, brilhantes victorias. Mas em que os americanos excederam singularmente os europeus foi na sciencia da balistica; e no porque as armas americanas attingissem mais elevado grau de perfeio, seno porque apresentaram dimenses desusadas, e tiveram por consequencia alcances correspondentes e at ento desconhecidos. Pelo que diz respeito a tiros rasantes, immergentes ou em cheio, a fogos de escarpa de enfiada ou de revez, j no tem, inglezes, francezes nem prussianos cousa alguma que aprender; mas os canhes, obuzes e morteiros europeus so apenas pistolas de algibeira, comparados com os formidaveis machinismos bellicos da artilheria americana. No deve causar espanto o que deixmos dito. Os yankees, que so os primeiros mechanicos do mundo, nascem engenheiros como qualquer italiano nasce musico, ou qualquer allemo, philosopho transcendental; portanto nada mais natural do que ve-los demonstrar na applicao sciencia da balistica o audacioso engenho de que so dotados. Assim se explicam esses gigantescos canhes, que, muito menos uteis que as machinas de coser, so pelo menos to admiraveis e de certo ainda mais admirados. Os maravilhosos inventos, n'este genero, de Parrott, de Dahlgreen e de Rodman so bem conhecidos; os Armstrong, os Palliser, os Treuille de Beaulieu no tiveram mais remedio do que curvar-se vencidos perante os seus rivaes de alem mar. [7] Tudo isto deu causa a que, durante a terrivel lucta entre os partidarios do norte e os do sul, occupassem os artilheiros em toda a parte o primeiro logar; celebravam-lhes os jornaes da Unio os inventos com enthusiasmo, e sem exceptuar o mais insignificante dos logistas ou o mais ingenuo dos booby[2], todos quebravam a cabea dia e noite a calcular trajectorias impossiveis. Ora quando a uma cabea de americano acode uma ida, busca logo o seu possuidor segundo americano que a acceite: chegam a tres, elegem logo presidente e dois secretarios; quatro, nomeiam archivista e funcciona a mesa; cinco, convocam-se em assembla geral, e est constituido um club. Assim succedeu em Baltimore. O primeiro que inventou um novo canho associou-se com o primeiro que o fundiu e com o primeiro que o perfurou. Tal foi o primitivo nucleo do Gun-Club[3], que um mez depois da sua inaugurao contava mil oitocentos e trinta e tres socios effectivos, e trinta mil quinhentos e setenta e cinco socios correspondentes. A todos que queriam fazer parte da associao era imposta uma condio sine qua non, a de ter inventado, ou pelo menos aperfeioado, um canho; na falta de canho uma arma de fogo qualquer. Mas, para dizer a verdade inteira, bem pouca considerao gosavam os inventores de revolvers de quinze tiros, de carabinas girantes ou de sabres-pistolas. Em tudo lhe levavam os artilheiros primazia. A estima de que credor qualquer socio, disse um dia um dos mais entendidos oradores do Gun-Club, proporcional s massas do canho que inventou, e est na raso directa do quadrado das distancias a que alcanam os respectivos projectis! [8] Os artilheiros de Gun-Club (pag. 12). Com pequena differena, era a lei de Newton cerca da gravitao universal transportada s cousas do mundo moral. [9] O presidente Barbicane (pag. 19). Fundado o Gun-Club, facil imaginar o que produziria n'este genero o engenho inventivo dos americanos. Os machinismos de guerra assumiram propores colossaes, e os projectis foram alem dos limites permittidos partir em dois bocados inoffensivos [10] transeuntes. Todos estes inventos deixaram a perder de vista os timidos instrumentos da artilheria europea. Forme-se juizo pelos seguintes algarismos. Outr'ora bom tempo era esse uma bala de trinta e seis, distancia de trezentos ps, varava trinta e seis cavallos apanhados de flanco ou sessenta e oito homens. Era a infancia da arte. Desde essa epocha progrediram muito os projectis. O canho Rodman, que, com uma bala de meia tonelada[4] alcanava a sete milhas[5], facilmente poria fra de combate cento e cincoenta cavallos e trezentos homens. Chegou-se at a discutir no Gun-Club a conveniencia e possibilidade de submetter a uma experiencia solemne as qualidades d'este canho monstruoso. Porm se os cavallos consentiram em tentar a experiencia, infelizmente a respeito de homens nem um s se offereceu. Em todo o caso, o que fra de duvida que o effeito d'estas armas era extremamente mortifero e que por cada tiro caam os combatentes como espigas sob a foice do ceifador. Que valiam, comparados com taes projectis, aquella famosa bala que, em Contras, em 1785, poz fra de combate vinte e cinco homens, ou aquella outra que, em Zorndoff em 1758, matou quarenta infantes, e o canho austriaco de Kesselsdorf, em 1742, que por cada tiro derrubava setenta inimigos? Que importancia tinham esses surprehendentes fogos de Iena ou de Austerlitz, que decidiram da sorte de uma batalha? Durante a guerra federal na America viram-se cousas muito mais de pasmar! No combate de Gettysburg, um projectil conico lanado por um canho raiado feriu cento e setenta e tres confederados, e, na passagem do Potomac, uma bala Rodman mandou para um mundo evidentemente melhor duzentos e quinze partidarios do [11] Sul. No menos digno de meno um formidavel morteiro inventado por J.-T. Maston, socio distincto e secretario perpetuo do Gun-Club, cujos effeitos foram sem comparao mais mortiferos, visto como, do primeiro tiro de experiencia, matou trezentas e trinta e sete pessoas; verdade que o morteiro rebentou! Que havemos de accrescentar a estes numeros j de per si to eloquentes? Nada. Assim, por certo, ser admittido sem contradico o seguinte calculo apresentado pelo estatistico Pitcairn, que dividindo o numero das victimas de tiro de bala pelo dos socios do Gun-Club, demonstrou que cada um d'estes tinha morto em media, dois mil trezentos e setenta e cinco homens e uma fraco. Para quem reflectir em tal algarismo, fica evidente que a unica preoccupao d'aquella sociedade scientifica era a destruio da humanidade, com um fim philanthropico, o aperfeioamento das armas de guerra, consideradas como instrumentos de civilisao. Era uma reunio de anjos exterminadores, e a fra isto, as melhores pessoas do mundo. Cumpre-nos accrescentar que estes yankees corajosos a toda a prova, no se ficavam em formulas e experimentavam com o proprio corpo. Havia no Club officiaes de todas as graduaes, de tenente a general, militares de todas as idades, dos que debutavam na carreira das armas, como dos que iam j encanecendo sobre os reparos. Muitos tinham ficado nos campos de batalha, cujos nomes estavam inscriptos no livro de honra do Gun-Club, e dos que tinham voltado a maior parte trazia no proprio corpo signaes indiscutiveis de intrepidez. Moletas, pernas de pau, braos articulados, mos de gancho, maxilas de caoutchouc, craneos de prata, narizes de platina... a colleco era completa. O supradito Pitcairn calculou tambem que no Gun-Club havia um pouco menos de um brao por quatro pessoas e smente duas pernas por cada seis socios. [12] Mas os valentes artilheiros pouca importancia ligavam a similhantes ninharias, e com legitimo fundamento se ufanavam, quando o boletim da batalha contava o numero das victimas pelo decuplo dos tiros disparados. Porm um dia, triste e lamentavel dia, foi assignada a paz pelos sobrevivos da guerra; cessaram pouco a pouco as detonaes, calaram-se os morteiros, os obuzes para largo tempo aaimados e os canhes de cabea pendida, recolheram aos arsenaes; as balas empilharam-se nos parques, foram-se apagando as recordaes sanguinolentas, brotaram com magnificencia os algodoeiros dos campos pinguemente adubados, foram-se fazendo velhos a par das dores e das saudades os fatos de luto, e o Gun-Club ficou immerso na mais profunda inaco. Um ou outro trabalhador afferrado e incansavel se entregava ainda a calculos balisticos e fazia seu pensamento dilecto de bombas gigantescas e obuzes incomparaveis. Mas sem pratica de que serviam theorias vs? Por isso as salas do Club viam-se desertas, dormiam os creados nas antecamaras, os jornaes creavam bafio por cima das mesas, ouviam-se tristes roncos, que partiam dos cantos escuros das salas, e os membros do Gun-Club, outr'ora to ruidosos, agora reduzidos ao silencio por uma paz desastrosa, adormeciam engolfados em meditaes de artilheria platonica. Que desconsolao, dizia uma noite o valente Tom Hunter, e no entretanto ia-lhe o lume do fogo carbonisando as pernas de pau: Nada que fazer! nem uma esperana! Que fastidiosa existencia! Onde vae o tempo em que as alegres detonaes do canho nos despertavam todas as manhs? Esse tempo j l vae, retorquiu o inquieto Bilsby, esperguiando-se com os braos que j no tinha. Era um feliz tempo esse. Inventava qualquer o seu obuz, e apenas fundido, corria a experimenta-lo no inimigo; quando regressava, ao acampamento [13] sempre tinha ouvido alguma palavra animadora a Sherman ou recebido um aperto de mo de Mac-Clellan! Mas hoje, os generaes voltaram aos seus balces, e em vez de projectis, expedem inoffensivos fardos de algodo! Ai! por santa Barbara! Est perdido o futuro da artilheria na America! -- verdade, Bilsby, exclamou o coronel Blomsberry, so bem crueis estes desenganos! Deixa a gente um dia os seus habitos socegados, exercita-se no manejo das armas, troca Baltimore pelos campos de batalha, porta-se como um heroe, e dois ou tres annos depois, ha de perder o fructo de tantas fadigas, adormecer em deploravel ociosidade, e encaixar as mos nas algibeiras. Bem podia fallar o valente coronel, havia de ver-se em graves difficuldades, se quizesse dar tal prova de inactividade, e no eram as algibeiras que lhe faltavam. E nem uma s guerra em perspectiva! disse ento o famoso J.-T. Maston, coando com o gancho de ferro o craneo de guttapercha. No ha uma nuvem no horisonte, e tanto que fazer na sciencia da artilheria! Eu que lhes estou fallando, terminei esta manh a pure, com plano, perfil e elevao de um morteiro que havia de fazer mudar as leis da guerra! --Sim? replicou Tom Hunter, recordando-se involuntariamente da ultima experiencia do honrado J.-T. Maston. -- verdade, respondeu este. Mas para que ho de servir tantos estudos levados a cabo, tantas difficuldades vencidas? No ser tudo isto trabalho absolutamente inutil? Parece que os povos do novo mundo se conluiaram para viver em paz, e at o nosso bellicoso Tribune[6] chegou a prognosticar imminentes catastrophes exclusivamente causadas pelo escandaloso crescer das populaes. [14] --Comtudo, Maston, retorquiu o coronel Blomsberry, na Europa ainda continua a guerra para sustentar o principio das nacionalidades! --E ento? --Ento! Talvez se podesse tentar por l alguma cousa, e se acceitassem os nossos servios... --Pensaes seriamente no que dizeis? exclamou Bilsby. Fazer balistica em proveito de estrangeiros! --Sempre era melhor do que no fazer nada, retorquiu o coronel. --De certo, sempre era um pouco melhor, disse J.-T. Maston, mas nem vale a pena pensar em similhante expediente. --E porque? perguntou o coronel. --Porque no velho mundo tem l umas idas cerca de accesso e promoo, que estariam em opposio com todos os nossos habitos americanos. Imagina aquella gente que se no pde ser general em chefe sem ter servido como alferes, o que vale o mesmo que suppor que ninguem pde fazer uma boa pontaria, sem ter tambem sido o fundidor do canho! Ora isto nada mais nem menos do que... --Absurdo! concluiu Tom Hunter, lascando com o bowie-knife[7] os braos da poltrona, e pois que assim , no temos mais remedio do que ir plantar tabaco ou distillar azeite de baleia! --Como assim, prorompeu em altos gritos J.-T. Maston; pois no havemos de empregar estes ultimos annos da nossa existencia no aperfeioamento das armas de fogo! No ha de offerecer-se nova occasio de ensaiar o alcance dos nossos projectis! Nunca mais ha de illuminar-se a atmosphera com o relampago dos nossos [15] canhes! Nem uma s difficuldade internacional ha de surgir que nos permitta declarar guerra a alguma das potencias transatlanticas! No ha de haver algum francez que metta a pique um dos nossos steamers, ou algum inglez que enforque, em menoscabo do direito das gentes, ao menos tres ou quatro conterraneos nossos! --No, Maston, respondeu o coronel Blomsberry, no para ns tanta ventura. No! nem um d'esses casos succeder, e que succedesse, nem ao menos haviamos de aproveita-lo! Vae-se de dia para dia a susceptibilidade americana. Vamos-nos effeminando. -- verdade que nos humilhmos! replicou Bilsby. --E que nos humilham! accrescentou Tom Hunter. --Tudo quanto dizeis mais que certo, replicou J.-T. Maston, ainda com maior vehemencia. Pairam na atmosphera mil motivos de guerra e no combatemos! Economisam-se braos e pernas, e em proveito de quem? de gente que no sabe o que lhes ha de dar que fazer! No busquemos mais longe motivos de guerra; pois no verdade que a America do Norte pertenceu outr'ora aos inglezes? --Certamente, respondeu Tom Hunter, espertando furioso o lume com a ponta da moleta. --Pois bem! continuou J.-T. Maston, porque que a Inglaterra no ha de, por seu turno, pertencer aos americanos? --Nada mais era do que justia, retorquiu o coronel Blomsberry. --Pois vo l propor a ida ao presidente dos Estados Unidos e vero como so recebidos! --Havia de receber-nos mal, murmurou Bilsby, por entre quatro dentes que lhe tinham escapado das batalhas. --Por minha f, exclamou J.-T. Maston, nas proximas eleies escusa de contar com o meu voto! [16] --Nem com os nossos, accrescentaram de commum accordo os bellicosos invalidos. --No entretanto, continuou J.-T. Maston, em concluso, se me no fornecerem occasio para ensaiar o meu novo morteiro n'um campo de batalha, dou a minha demisso de socio do Gun-Club, e corro a enterrar-me nos desertos do Arkansas! --Iremos todos comvosco, responderam os interlocutores do ousado J.-T. Maston. Estavam as cousas n'estas alturas, exaltavam-se os espiritos cada vez mais, e o club estava ameaado de proxima dissoluo, quando um acontecimento inesperado veiu impedir a realisao de to lastimosa catastrophe. Logo no dia seguinte quelle em que se realisou a conversao que relatmos, cada um dos membros do club recebia uma circular concebida nos seguintes termos: Baltimore, 3 de outubro.--O presidente do Gun-Club tem a honra de prevenir os seus collegas, que na sesso de 5 do corrente lhes far uma communicao, que muito ha de interessa-los. Em consequencia lhes pede que, pondo de parte qualquer outro negocio, concorram sesso para que so convidados pela presente. De todos mui cordialmente.--Impey Barbicane. P. G. C. CAPITULO II COMMUNICAO DO PRESIDENTE BARBICANE No dia 5 de outubro, s oito horas da noite, havia aperto e multido compacta nas salas do Gun-Club (Union-square, 21). Todos os membros d'aquelle club, que residiam em Baltimore, tinham acudido ao convite do presidente. Os socios correspondentes [17] apeavam-se aos centos dos comboios expressos, nas ruas da cidade, e grande como era a hall (salo) das sesses, ainda assim aquella multido immensa de sbios no pde caber l; assim a multido refluia para todas as salas proximas e ainda para os corredores, e at ao meio dos pateos exteriores, onde se encontrava com o simples popular que fazia aperto s portas; cada um procurava alcanar melhor logar; todos avidos de conhecer a importante communicao do presidente Barbicane, apertavam-se, empurravam-se, esmagavam-se com aquella liberdade de aco que peculiar das massas educadas e creadas nas idas do self-government[8]. N'aquella noite o forasteiro que o acaso tivesse levado a Baltimore, nem a peso de oiro teria conseguido penetrar no salo grande. Fra este exclusivamente reservado para os socios residentes ou correspondentes; ninguem mais l podia ser admittido, e at os notaveis da cidade e os magistrados do conselho dos selectmen[9] tinham tido que misturar-se com a turba dos seus administrados para apanharem de relance alguma novidade l de dentro. Apesar d'isto a immensa hall apresentava um espectaculo verdadeiramente digno de excitar a curiosidade, e o vasto aposento estava maravilhosamente apropriado ao seu destino. Sustentavam-lhe os finos lavores da abobada, verdadeira renda esculpida a saca-bocados no ferro fundido, elevadas columnas compostas de canhes sobrepostos e apoiados em enormes morteiros. Nas paredes agrupavam-se enlaadas em pittorescos flores panoplias de bacamartes, de arcabuzes, de carabinas de toda a especie, de armas de fogo antigas e modernas. Rebentava a chamma viva do gaz de um milheiro de revolvers agrupados em frma [18] de lustres, completando aquella esplendida illuminao girandolas de pistolas, e candelabros feitos de espingardas enfeixadas. Modelos de canhes, amostras de bronze, alvos crivados de buracos, placas quebradas pelo choque das balas do Gun-Club, colleces completas de calcadouros e lanadas, rosarios de bombas, collares de projectis, grinaldas de obuzes, n'uma palavra todas as ferramentas do artilheiro se encontravam ali em to surprehendente e admiravel disposio, que levava a crer que o seu verdadeiro fim era mais ornamental do que mortifero. Contemplava-se no logar de honra resguardado por uma esplendida vitrine um pedao de culatra, quebrado e torcido pela fora da polvora. Era uma preciosa reliquia do morteiro de J.-T. Maston. No fundo da sala, sobre uma espaosa esplanada sentava-se o presidente ladeado por quatro secretarios. A cadeira presidencial levantada sobre um reparo esculpido, apparentava no conjuncto das robustas frmas a figura de um morteiro de trinta e duas pollegadas, em pontaria por um angulo de noventa graus e suspensa em munhes, por frma tal que o presidente podia dar-lhe, como a qualquer rocking-chair[10], um balano muito agradavel nas occasies de grande calor. Sobre a mesa, grande placa de ferro laminado, aguentada por seis coronadas, estava um tinteiro de gosto delicado: era feito de um biscainho deliciosamente cinzelado. Ao lado estava uma campainha de detonao, que na occasio propria soava como um revolver. E nas occasies de discusso vehemente mal bastava esta campainha de novo genero para superar as vozes d'aquella legio de artilheiros enthusiasmados. Em frente da mesa presidencial estavam dispostos em zig-zags, como as circumvallaes de uma trincheira, formando uma serie de basties e de cortinas, os bancos onde tomavam assento os [19] socios do Gun-Club; e n'aquella noite podia afoitamente dizer-se que estava bastante gente nas muralhas. O presidente era por demais conhecido, para que alguem acreditasse que havia de incommodar os collegas sem motivo de maior gravidade. Impey Barbicane era homem de quarenta annos, impassivel, frio, austero, de espirito eminentemente serio e concentrado, de temperamento a toda a prova e de caracter inabalavel; pouco cavalheiresco, e todavia aventuroso, cingia-se s idas praticas, ainda quando empenhado nos mais temerarios emprehendimentos; era o homem por excellencia da Nova Inglaterra, o colonisador dos estados do norte, o descendente d'aquelles Cabeas Redondas, que to funestos foram para os Stuarts, o inimigo implacavel dos gentlemen dos estados do sul, legitimos representantes dos antigos Cavalleiros da me patria. N'uma palavra, um yankee de antes quebrar que torcer. Barbicane fizera grande fortuna no commercio das madeiras; nomeado durante a guerra director de artilheria, mostrou-se fertil em invenes, e cheio de audacia em todas as suas idas contribuiu poderosamente para os progressos d'aquella arma, communicando s indagaes experimentaes incomparavel actividade. Era homem de corporatura media, e que tinha, rara excepo no Gun-Club, todos os membros intactos. Parecia que as feies accentuadas lhe tinham sido talhadas a esquadro e tira-linhas, e se verdade que, para adivinhar os instinctos de alguem, devemos olha-lo de perfil, Barbicane, examinado assim, apresentava os mais seguros indicios de energia, de audacia e de presena de espirito. N'aquelle instante, estava immovel na cadeira presidencial, mudo, absorto, com o olhar vago e profundo, com o rosto semi-occulto pelo chapu de frma alta, cylindro de seda preta que parece seguro a tarraxa no craneo de qualquer americano. [20] A sesso do Gun-Club (pag. 22). Conversavam em torno d'elle e em voz alta os collegas, sem conseguirem distrahi-lo; abalanavam-se ao campo das supposies, [21] olhavam o presidente, buscando em vo deduzir o X da sua imperturbavel physionomia. O passeio luz dos archotes (pag. 28). [22] Quando deram oito horas no relogio fulminante do salo, Barbicane levantou-se de subito, como que impellido por uma mola; calou-se tudo, e o orador, em tom um pouco emphatico, usou da palavra nos seguintes termos: Estimaveis consocios, de ha muito que a paz infecunda veiu immergir os socios do Gun-Club em lastimosa inactividade. Depois de um periodo de alguns annos, to cheio de incidentes, fomos forados a abandonar os nossos trabalhos e a fazer alto de subito na senda do progresso. No me arreceio de proclama-lo em voz bem alta, uma guerra qualquer que de novo nos pozesse as armas nas mos, seria bem recebida... --Apoiado, guerra! exclamou o impetuoso J.-T. Maston. --Ouam! ouam! disseram de todos os lados. --Porm a guerra, proseguiu Barbicane, a guerra impossivel nas circumstancias actuaes, e por maiores que sejam as esperanas do meu honrado interruptor, penso que muitos annos ho de correr antes que os canhes americanos troem de novo no campo de batalha. portanto necessario que a isso nos resignemos e que busquemos n'outra ordem de idas alimento para a actividade que nos devora! A assembla percebeu que o presidente chegava ao ponto delicado; redobrou a atteno. Ha mezes, valentes collegas, continuou Barbicane, que perguntei eu a mim proprio se, sem sair da nossa especialidade, poderiamos emprehender alguma d'essas grandes experiencias dignas do seculo XIX, e se nos permittiriam os progressos da balistica sair bem do nosso empenho. Em consequencia, inquiri, trabalhei, calculei, e dos meus estudos resultou a convico de que havemos de sar-nos bem de um emprehendimento, que pareceria impraticavel em qualquer outro paiz. este projecto, por longo tempo elaborado, que vae ser assumpto da minha communicao: digno de vs, digno [23] do passado do Gun-Club, e no pde deixar de fazer estrondo no mundo! --Bastante estrondo? perguntou um artilheiro enthusiasta. --Muito estrondo, no verdadeiro sentido da palavra, respondeu Barbicane. --No interrompam! disseram muitas vozes. --Peo-lhes, pois, caros collegas, accrescentou o presidente, que me dem completa atteno. Um fremito percorreu a assembla inteira. Barbicane, depois de, com gesto rapido, ter carregado o chapu na cabea, proseguiu no seu discurso com voz placida: No ha um s de vs, estimaveis collegas, que no tenha visto a Lua, ou que, pelo menos, no ouvisse fallar n'ella. E no vos admireis de que venha aqui fallar-vos do astro das noites. Talvez esteja para ns reservado sermos os Colombos d'esse mundo ignoto. Seja eu comprehendido, auxiliado com todo o poder de que os meus socios dispem, e conduzi-los-hei conquista d'esse novo mundo, cujo nome ha de vir juntar-se aos dos trinta e seis estados que compem este grande paiz da Unio! --Hurrah pela Lua! gritou, como um s homem, o Gun-Club inteiro. --Muito se tem estudado cerca da Lua, continuou Barbicane, a massa, a densidade, o peso, o volume, a constituio, os movimentos, a distancia emfim d'este astro, e o papel que elle desempenha no mundo solar esto perfeitamente determinados: ha mappas selenographicos[11] cuja perfeio igual seno superior dos mappas terrestres: pela photographia tem-se obtido do nosso satellite provas de belleza imcomparavel. Resumindo, sabemos cerca da Lua tudo quanto as mathematicas, a astronomia, a geologia [24] e a optica poderam ensinar-nos; mas at hoje ainda se no estabeleceu meio algum directo de communicao com esse astro. A ultima phrase do orador excitou tal interesse e surpreza na assembla, que chegou a produzir violenta agitao. --Permittam-me, continuou este, que lhes traga lembrana em poucas palavras, como foi que alguns homens exaltados, tendo embarcado em espirito para viagens imaginarias, pretenderam ter penetrado os segredos do nosso satellite. No seculo XVII, um tal David Fabricius, gabou-se de ter visto com os seus proprios olhos alguns habitantes da Lua. Em 1649, um francez, Joo Baudoin, publicou um livro intitulado a Viagem feita ao mundo Lunar por Domingos Gonzalez, aventureiro hespanhol. Na mesma epocha, deu luz da publicidade Cyrano de Bergerac, aquella celebre expedio, que tanto renome teve em Frana. Algum tempo depois, outro francez (porque estes senhores entretem-se muito com a Lua) chamado Fontenelle escreveu a Pluralidade dos mundos, que foi, no seu tempo uma obra prima; verdade que a sciencia em seu caminhar constante at as obras primas esmaga. Em 1835 um opusculo traduzido do jornal New York American contava que sir John Herschell, enviado ao Cabo da Boa Esperana para ali fazer observaes astronomicas, tinha conseguido, por meio de um telescopio aperfeioado por illuminao interior, trazer a Lua a uma distancia apparente de oitenta jardas[12]. Por esta frma observra distinctamente na Lua cavernas, nas quaes viviam hippopotamos, verdejantes montanhas franjadas de renda de oiro, carneirinhos com armas de marfim, brancos cabritos montezes e at habitantes com azas membranosas como os morcegos. Este folheto, obra de um americano chamado Loche[13], teve grande [25] voga. Mas pouco depois conheceu-se que no era seno uma mystificao scientifica, e os francezes foram as primeiras a rir-se d'elle. --Rir de um americano! exclamou J.-T. Maston; mas isso um casus belli!... --Socegue o meu digno amigo, que antes de se rirem tinham sido os francezes perfeitamente embaidos pelo nosso compatriota. Para terminar esta breve resenha historica, accrescentarei que um tal Hans Pfaal de Rotterdam, elevando-se n'um balo cheio de um gaz tirado do azote e trinta e sete vezes mais leve que o hydrogeneo, chegou Lua, depois de dezenove dias de viagem, e tambem que esta viagem no passou, como as anteriores, de uma tentativa da imaginao; era porm obra de um escriptor popular na America, engenho singular e contemplativo. como se pronuncira o nome de Pe. --Hurrah por Edgard Pe! exclamou a assembla electrisada pelas palavras do presidente. --Conclui o que tinha a dizer-vos, proseguiu Barbicane, no que diz respeito a tentativas que considerarei puramente litterarias e absolutamente insufficientes para estabelecer serias relaes com o astro das noites. Devo todavia accrescentar, que alguns espiritos praticos tentaram j por-se em seria communicao com elle. Foi assim que ha alguns annos um geometra allemo propoz que se mandasse aos aridos steppes da Siberia uma commisso de homens de sciencia, para que n'aquellas vastas planicies fizessem desenhar por meio de reflectores luminosos, immensas figuras geometricas, entre outras a do quadrado da hypothenusa, vulgarmente chamada pelos francezes le Pont aux nes. Todo o ser intelligente, dizia este geometra, deve comprehender qual o destino scientifico de taes figuras; portanto os selenitas[14], se que existem, ho de responder por meio de figuras similhantes, [26] e uma vez estabelecida a communicao, facil ser inventar um alphabeto, que d meio de conversar com os habitantes da Lua. Assim fallava o geometra allemo; mas tal alphabeto nunca teve execuo, e at hoje nenhuma ligao directa existiu entre a Terra e o seu satellite. Estava reservado para o engenho pratico dos americanos o porem-se em relao com o mundo sideral. E o meio de consegui-lo simples, facil, certo, infallivel, e vae ser o assumpto da minha proposta. Estas palavras tiveram por ecco uma immensa algazarra, uma tempestade de exclamaes e de applausos. No havia um s dos assistentes que no se tivesse deixado dominar, arrastar e enthusiasmar pelas palavras do orador. Ouam! ouam! silencio! era o que se ouvia de todos os lados. Logoque socegou a agitao, Barbicane continuou em voz mais grave o seu interrompido discurso: Sabeis todos, disse, que progressos se tem feito em balistica de alguns annos a esta parte, e a que ponto de perfeio teriam chegado as armas de fogo se a guerra tivesse continuado. Tambem no ignoraes que pde affirmar-se, em geral, que a fora de resistencia do canho e a potencia expansiva da polvora no tem limitao. Pois bem! Partindo d'este principio, perguntei a mim proprio, se usando de um instrumento adequado, collocado em condies determinadas de resistencia, seria possivel enviar uma bala at a Lua! Ao ouvir a assembla estas palavras, exhalou-se a um tempo, de mil peitos arquejantes, uma exclamao de profundo pasmo; houve depois uma pausa silenciosa, similhante profunda calmaria que precede as tempestades. E effectivamente ribombou o trovo, mas um trovo de applausos, de gritos, de clamores, que fez tremer a sala das sesses. O presidente queria fallar, e no podia, s passados dez minutos conseguiu fazer-se ouvir. [27] Deixem-me concluir, disse elle friamente. Estudei a questo sob todos os seus aspectos, ataquei resolutamente o problema, e dos meus calculos indiscutiveis resulta, que um projectil animado de uma velocidade inicial de doze mil jardas[15] por segundo, e dirigido para a Lua, ha de necessariamente l chegar. Tenho pois a honra, estimaveis collegas, de propor-vos que tentemos esta pequena experiencia! CAPITULO III EFFEITO DA COMMUNICAO BARBICANE impossivel descrever o effeito produzido pelas ultimas palavras do honrado presidente. Que gritos! que vociferaes! que successo de grunhidos, de hurrahs, de hip! hip! hip! de todos aquellas onomatopeas que superabundam na linguagem dos americanos. Era uma desordem, uma algazarra indescriptivel! Gritavam as bcas, batiam as mos, e os ps abalavam o pavimento das salas. Nem que todas as armas d'aquelle museu de artilheria se disparassem a um tempo teriam agitado com maior violencia as ondas sonoras. Nem o caso para admirar. Artilheiros ha mais ruidosos que os proprios canhes. Barbicane permanecra impassivel no meio de todos estes clamores enthusiastas; desejava talvez dirigir ainda mais algumas palavras aos consocios, porque pelos gestos reclamava silencio, e o timbre fulminante disparou to violenta como inutilmente. Porm nem sequer o ouviam. Pouco depois arrancaram-n'o da cadeira presidencial e levaram-n'o em triumpho, passando das mos dos [28] fieis camaradas para os braos de uma multido no menos exaltada. No ha cousa n'este mundo capaz de causar pasmo a um americano. Muitas vezes se tem repetido que a palavra impossivel no franceza. Certamente ha n'esta assero troca de diccionario. Na America que tudo facil, tudo simples, e pelo que diz respeito a difficuldades mechanicas, essas esto mortas j antes de nascerem. Nem um s yankee genuino teria permittido a si proprio sonh ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 28341
Author: Verne, Jules
Release Date: Mar 16, 2009
Format: eBook
Language: Portuguese

Contributors



Translator: Macedo, Henrique de

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