A philosophia da natureza dos naturalistas

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A philosophia da natureza dos naturalistas

Title: A philosophia da natureza dos naturalistas Author: Antero de Quental Release Date: October 4, 2008 [EBook #26776] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Out. 2008) A PHILOSOPHIA DA NATUREZA NATURALISTAS 1894 HOMENAGEM POSTHUMA A ANTHERO DE QUENTAL (MICHAELENSE) Anthero de Quental A PHILOSOPHIA DA NATUREZA DOS NATURALISTAS 1894 Typ. Editora do CAMPEO POPULAR S. Miguel--PONTA DELGADA--Aores EXPLICAO PREVIA Digam o que disserem, Anthero de Quental foi indubitavelmente, um dos mais fecundos escriptores do seu paiz e da sua epocha. Raros, muito raros, foram as theorias ou problemas da actualidade, ventilados com interesse nos dominios da Sciencia, da Politica ou da Arte que deixassem d'exercitar a penna sempre prestigiosa e sempre elegante do grande Mestre. Na sua obra em prosa cabe, porem, um logar proeminente aos copiosos artigos de critica ou de polemica, que, durante quasi trinta annos, appareceram estampados em diversos orgos da imprensa periodica portugueza, tanto da capital como da provincia, e nos quaes, semelhana de Littr e de Taine, elle connotou, como n'um diario [VI] intimo, no smente as suas opinies pessoaes sobre os homens e os successos contemporaneos, mas ainda as correntes de influencias estranhas que actuaram no seu espirito e as impresses que d'ahi resultaram. Como critico e polemista, Anthero de Quental no teve em Portugal competidor; foi unico na energia fogosa da polemica e nos processos technicos da analyse critica. Os seus escriptos de critica bibliographica so exemplares de methodo e de bom senso, de finura e de erudio, de escrupulosa imparcialidade e d'aquella serena comprehenso dos multiplices aspectos das cousas e dos homens que d ao critico a maxima authoridade e valor. N'este particular, pertence-lhe a gloria de ter sido entre ns o verdadeiro creador d'um genero litterario descurado, para no dizermos falseado, na sua applicao. At elle a critica, aberrando diametralmente do seu papel objectivo, fazia-se pela antipathia ou sympathia do critico para com o nome do author; o louvor ou a censura previam-se justamente, dadas as relaes de sentimento d'um para com outro. Foi Anthero quem iniciou a critica impessoal, a critica objectiva, desapaixonada, fria, inspirada [VII] por um sentimento de equidade e de justia--critica, em summa, que uma lio; porque ensina, e que pode fazer do criticado um adversario, mas nunca um inimigo--e do critico um juiz, mas nunca um louvaminheiro nem um delator. Os artigos criticos do grande Mestre teem todos estes caracteres acentuadamente impressos: no so exclusivamente laudatorios nem exclusivamente aggressivos; so justos e por isso mesmo verdadeiros. Teem authoridade; porque fallam sinceramente uma linguagem que no a do odio nem a dos affectos; mas que a voz d'uma consciencia honrada para a qual os Homens so o menos e a Verdade o mais. Se alguns d'esses trabalhos perderam j aquelle cunho de novidade que os fez circular vertiginosamente d'um a outro canto do nosso paiz, e se por isso no movem ao interesse e enthusiasmo que suscitaram aos primitivos leitores, certo, que ainda assim, constituem documentos de summa valia, quer sob o ponto de vista meramente litterario, quer como subsidio para quem no futuro pretenda historiar as differentes phases do movimento das idas em Portugal, na ultima metade do seculo XIX. Taes elementos so, portanto, indispensaveis para o estudo de Anthero e da sua epocha. Sem [VIII] elles mal se poder comprehender a obra do grande Mestre na sua extenso, valor, influencia, e mal se poder explicar tambem a filiao ou dependencia das diversas partes d'essa obra complexa e vastissima. V-se, pois, que quem quizer formar uma ida cabal do irrivalisavel escriptor e da sua actividade productora, ou procurar comprehender a aco exercida sobre os seus contemporaneos, ha de necessariamente recorrer s colleces das Revistas e Gazetas, que o contaram entre os seus collaboradores, onde elle deixou archivado pelo seu proprio punho aquillo que bem pode chamar-se a sua autobiographia mental. Infelizmente, porm, so numerosos e pouco accessiveis esses repositorios, muitos dos quaes teem desapparecido (como succede maior parte das revistas academicas, publicadas em Coimbra) e outros tornam-se cada dia mais raros, dada a procura dos collecionadores. N'estas condies, dentro em breve, poucos sero os estudiosos que tenham a dita de ler e consultar os escriptos jornalisticos d'Anthero. Esperar-se-ha que um editor tome sobre si o encargo de recolher essas numerosas especies dispersas? E no ser isso, por assim dizer, sacrificar a [IX] obra do grande Mestre, deixando de recolher muitos dos escriptos da maior raridade? A edio definitiva das obras completas d'Anthero s poder levar-se a cabo, quando primeiro se publiquem as reproduces d'esses escriptos avulsos. Aos amigos e discipulos do immortal escriptor impende, pois, um grande dever de gratido:-- o dever de cada um de per si ou associados, salvar do olvidio e da destruio os trabalhos do Mestre, colligindo-os systematicamente e por ordem chronologica, semelhana do que fez o sr. Oliveira Martins para os Sonetos e restantes composies poeticas. urgente comear. Talvez mais tarde no seja possivel reconstituir a serie d'aquelles trabalhos ou por terem desapparecido os jornaes em que foram originalmente publicados, ou por muitos d'elles serem anonymos e terem tambem desapparecido as pessoas que poderiam reconhecer a sua paternidade. [X] II No diario portuense--A Provincia--inseriu Anthero de Quental, em 1886, uma serie de cinco artigos, a proposito da obra de Vianna de Lima, intitulada--Exposio summaria das theorias transformistas. A questo versada era e ainda das mais importantes e das mais disputadas, tanto no terreno propriamente especulativo, como no terreno das sciencias naturaes. Anthero de Quental, metaphysico de profisso, no podia entrar no debate como naturalista, embora os seus estudos tivessem fundos alicerces nas Sciencias da natureza. Discutiu e argumentou como philosopho;--philosophou; porque na materia tinha opinies originaes definidas e razes peculiarmente suas. D'ahi a importancia e renome dos artigos que o publico illustrado victoriou, como modelos acabados de analyse critica, collocando-os do mesmo passo a par das melhores paginas de prosa portugueza. Tinha razo. So com effeito obras primas no seu genero e [XI] em que no se sabe qual mais admirar, se a belleza incomparavel de forma, se a genial pujana e superioridade do pensamento que anima aquella solida construco especulativa, communicando-lhe a maxima potencia de suggesto e de interesse. Mostremo-lo, embora de relance. Anthero de Quental, partindo do principio de que a sciencia no pde ser para a philosophia mais que uma materia prima, impugna a pretenso de fundar uma philosophia da natureza com a a simples generalisao dos dados d'um grupo de sciencias, e sem ter em conta o indispensavel criterio das ideias. este o thema principal que elle se esfora para estabelecer fundamentalmente. Analysando as duas noes que formam a base da doutrina Haeckeliana--o monismo e a evoluo--mostra que a primeira insufficiente, e segunda falta a generalidade scientifica; visto como no intervem, seno onde o elemento historico representa um papel proeminente. Por outro lado demonstra que ha contradico flagrante entre a ida da espontaneidade da materia, como a admitte a escola monista, e a theoria da conservao do movimento, que domina nas sciencias physicas e em grande parte nas [XII] sciencias da organisao. E sobre estas premissas logicas, conclue que a doutrina da evoluo, formulada por Haeckel, longe de ser, como se pretende, uma doutrina positiva, baseada nas sciencias e fluindo d'ellas como sua consequencia natural, implica, pelo contrario uma extenso abusiva da induco scientifica e a illegitima generalisao d'uma hypothese, que, se perfeitamente fundada no terreno de determinadas sciencias, s ahi e s n'esse ponto de vista tem authoridade scientifica. A ida da finalidade, combatida pela escola monista, sustentada por Anthero d'um modo superior e original. A evoluo, diz elle, implicando a ida d'um typo, que as formas evolvendo, tendem a realisar, implica por isso mesmo uma finalidade. Quem diz evoluo, diz progresso. Ora progresso que no tende para cousa alguma que no tem um typo e um fim, no se comprehende. No preciso mais para se ver a importancia e o valor do trabalho que se segue. Poderiamos fazer aqui algumas approximaes entre as doutrinas d'Anthero e as doutrinas de Hartmann, Lang e Stallo--seus authores predilectos e mais compulsados. [XIII] Poderiamos tambem mostrar que os bellos artigos sobre as tendencias da moderna philosophia, dados a lume na Revista de Portugal, so o desenvolvimento logico do pensamento dominante nas paginas adiante reproduzidas. Mas fallece-nos a authoridade e competencia para tanto, e demais, o trabalho d'Anthero no carece nem de criticas, nem de commentarios elucidativos:--impe-se por si e tem em si a necessaria lucidez para convencer a uma simples leitura. Reproduzindo-o hoje temos apenas em vista render, no anniversario do seu passamento, uma derradeira homenagem de respeito e estima ao filho d'esta ilha que uma das maiores glorias das letras patrias, e ao mesmo tempo facilitar aos estudiosos a leitura d'um dos trabalhos philosophicos d'elle em que mais claramente se patenteiam o seu subtil engenho dialectico, a originalidade das suas concepes especulativas e as maravilhosas qualidades didacticas da sua prosa expositiva e analytica. E d'est'arte fica explicada a presente publicao. Ponta Delgada, 11 Setembro de 1893. Eugenio Vaz Pacheco do Canto e Castro PRIMEIRO ARTIGO[A] Um livro sobre as modernas theorias transformistas, publicado em Paris e em francez, e firmado por um nome portuguez, facto to extraordinario, que por si s bastaria para attrahir as attenes. Mas no livro do snr. Vianna de Lima, no s a extranheza do facto que deve chamar a nossa atteno: ainda o seu valor intrinseco. Esta Exposio summaria das theorias transformistas , como o [2] titulo indica, uma especie de summa das doutrinas professadas sobre a philosophia da natureza por uma escola consideravel, cuja cabea, E. Haeckel, um dos nomes mais illustres, e justamente illustres, da Allemanha intellectual, na segunda metade do nosso seculo: e a obra do adepto no indigna, nem pela intelligencia nem pelo saber, da escola nem do mestre. No sou naturalista e, tendo a consciencia da minha incompetencia, no me atreveria a escrever sobre a obra do sr. Vianna de Lima, se o seu livro fosse propriamente um livro de sciencias naturaes, e se os quatro estudos, de que se compe, se conservassem escrupulosamente nos limites rigorosos do campo scientifico. O livro, porem, do snr. Vianna de Lima, apezar da modestia do titulo, aspira de facto a ser um livro de philosophia da natureza, e, n'esse terreno, creio poder, sem temeridade, emittir algumas opinies fundamentadas. Prestarei, assim uma homenagem ao moo portuguez (portuguez pelo nome e pelo sangue: ouo que brazileiro) que to galhardamente nos representa no grande mundo da intelligencia, aproveitando ao mesmo tempo o ensejo para dizer alguma cousa sobre uma escola philosophica, cujos chefes respeito e cuja importancia no desconheo; mas cujas tendencias esto muito longe, em meu entender, de serem satisfactorias. Alexandre de Humboldt, o naturalista encyclopedico e quasi legendario do primeiro quartel [3] d'este seculo, costumava dizer causticamente, referindo-se philosophia da natureza puramente especulativa, que ento deslumbrava com os clares do genio de Schelling e Hegel, no s a Allemanha pensadora, mas ainda a Allemanha scientifica, que achava singularissimos aquelles naturalistas que pretendiam fazer chimica sem molhar a ponta dos dedos. Tinha razo. Hoje, ns outros metaphysicos, podemos com igual razo dizer que so singulares estes philosophos, que, com os dedos mais que ensopados em chimica, pretendem fazer philosophia sem nunca se terem dado ao trabalho de reflectir. Com effeito, a philosophia , de sua natureza, especulativa, e a sciencia no pde ser para ella mais que uma materia prima. Um homem de sciencia, por encyclopedico que seja, se no tiver ao mesmo tempo reflectido muito e profundamente sobre as questes puramente racionaes, que a sciencia suscita e no pde por si resolver, reflectido sobre as ideas abstractas, que so, umas, postulados para as differentes sciencias, outras, principios ordenadores d'uma explicao geral das cousas, um tal homem de sciencia, apesar do seu encyclopedismo, no poder nunca aspirar ao titulo de philosopho. Pode dizer que sabe, mas no que entende, porque o problema do universo, como problema total e concreto, ser para a sua intelligencia, alis opulenta [4] de factos, to obscuro, como para a intelligencia d'um simples e ignorante. A philosophia no o mero ajuntamento ou ainda o quadro empiricamente ordenado dos factos do universo: a comprehenso e explicao racional e total d'esse grande quadro. Ora, uma tal explicao s possivel no ponto de vista das ideias ultimas e fundamentaes da raso (substancia, causa, fim) e essas ideias teem por isso de ser tomadas em si, pesadas e analysadas. No faz outra cousa a metaphysica, e sem metaphysica no ha philosophia, porque no ha verdadeira comprehenso racional, nem verdadeira e total explicao. Metaphysica (ou especulao) e sciencia (ou observao) so duas series convergentes, que partem de pontos oppostos e com leis de desenvolvimento diversas; mas, como so convergentes, encontram-se: o ponto onde se encontram e, sem se fundirem, reciprocamente se penetram, que a philosophia. A philosophia tem pois por materia a sciencia, por forma a metaphysica; ou ainda, a philosophia a observao (quero dizer, os seus resultados) considerada no ponto de vista absoluta da raso. O desconhecimento d'estas verdades e o desdem pela metaphysica, filho em grande parte da reaco, alis justissima, provocada pelos excessos e intoleravel dogmatismo da especulao, na Allemanha, e pela sua insignificancia e convencionalismo, em Frana; e, por cima d'isso ainda, [5] o maravilhoso desenvolvimento das sciencias naturaes, durante os ultimos 40 annos, deram de si o apparecimento d'uma pseudo-philosophia da natureza que se pretende positiva e puramente filha das sciencias e que julga ingenuamente poder resolver os intrincados problemas das idas, sem ter o incommodo de reflectir e s com grande somma de physica, chimica e physiologia. D'estes naturalistas philosophos o mais eminente, tanto pelo saber como pelo genio, o apostolo de Darwin na Allemanha, o illustre autor da Historia natural da Criao, Ernesto Haeckel. entre os discipulos de Haeckel que vem tomar logar, com o seu livro, o snr. V. de Lima. Profano, no me dado conhecer e dizer at que ponto a rigorosa verdade e o rigoroso methodo scientificos tem sido violentados pelo sabio e engenhoso, mas no menos phantasioso e temerario professor de Munich[B], para se dobrarem e acommodarem s suas doutrinas geraes. Sei s que outros mestres eminentes, como Virchow, Helmholtz, Huxley e Du Bois-Reymond esto longe de se darem por inteiramente satisfeitos com a orthodoxia scientifica de muitas das affirmaes do padrinho do monero batybio. A mim s me permittido occupar-me com as ideias e tendencias propriamente philosophicas da escola monista-evolucionista, cuja cabea Haeckel; e o livro do discipulo, que se propoz resumir a doutrina, ser-me-ha [6] occasio para fazer sobresahir (embora s em dois pontos, mas capitaes ambos) a confuso e deficiencia na analyse das ideias, que impedem, a meu juizo, que a pretendida philosophia da natureza monista-evolucionista, apezar da imponente massa de sciencia sobre que assenta, attinja a verdadeira altura d'uma philosophia da natureza. Monismo e evoluo so as duas noes que formam a base da doutrina Haekeliana. Comecemos por indagar que ideia precisa envolve esta palavra--monismo. Parece-me que a palavra que nova, no a ideia. Tanto valeria dizer pantheismo, ou ainda materialismo, pois no encontro no fundo d'aquella expresso nada mais do que n'estas duas outras; a saber: uma concepo unitaria da substancia. Esta concepo, porem, (na sua simplicidade e em quanto no fr definida d'uma maneira particular) propriedade commum de muitas escolas antigas e modernas e precisa sahir d'essa generalidade e indeterminao para poder caracterisar uma maneira especial de comprehender as cousas: assim o atomismo, assim o pantheismo de Spinoza, assim o idealismo realista de Hegel etc. Ora, justamente essa falta de definio precisa, essa vaga generalidade e indeterminao, que eu noto no monismo de Haeckel. Monismo parece-me apenas uma palavra nova (e muito dispensavel) e no mais. Com effeito, affirmar abstractamente a unidade [7] de substancia , no terreno da philosophia da natureza, pouca cousa: o que importa definil-a. Definil-a apresental-a nas suas relaes com a realidade, caracterisal-a na sua maneira de ser positiva, mostrar, no como a concebemos em si (pertence isso metaphysica), mas como a concebemos realisavel. Uma materia abstracta, una e simples, apenas vagamente susceptivel de se manifestar por omnimodas modalidades, uma base insufficiente para a philosophia da natureza; porque uma base insufficiente para a sciencia. O que a sciencia exige e o que preciso philosophia da natureza determinar n'essa infinidade de moralidades, qual a fundamental ou elementar, aquella a que se reduzem todas as outras. Ora isso justamente o que as sciencias da natureza teem feito, reduzindo todas as modalidades da materia ao elemento primordial movimento. Os monistas, sempre que fallam como homens de sciencia, adoptam (e no podiam deixar d'adoptar) esta concepo. Mas, como philosophos, em vez de receberem das mos da sciencia este resultado, para o elaborarem e desenvolverem, caem no vago e em inextrincaveis confuses. assim que o nosso auctor comea por se declarar anti-materialista e pretende repellir o atomismo. affirmando que a materia no pde ser definida per esta ou aquella propriedade, mas que para o monismo, a materia o que in situ.... [8] aquillo que se manifesta aos nossos sentidos e ao nosso entendimento por modos diversissimos, sob forma de phenomenos infinitamente variados.... pretender isolar (d'este conjuncto) certas propriedades, abstrahir certas qualidades, grande erro.... para elle (o monista) qualidades, propriedades especificas ou funccionaes, funces, etc. so inherentes materia em que se manifestam e formam com ella um todo indissoluvel. Entretanto, meia pagina abaixo, d a entender que todas as propriedades da materia so frmas do movimento e se reduzem a movimentos elementares: a fora a propriedade ou a maneira de ser mais geral da materia.... todas as foras so reductiveis a movimentos.... uma fora no mais do que materia em movimento. Mas, se isto assim, a materia no j tudo o que in situ as suas propriedades no so j inisolaveis e indissoluveis, nem grande erro abstrahir do conjuncto d'ellas certas propriedades, visto que, de facto, a materia caracterisada por uma propriedade fundamental, o movimento, da qual todas as outras no so mais do que modalidades, ou, mais terminantemente, grupos e combinaes de movimentos simples elementares. Seriamos assim levados ao dynamismo, concepo j mais precisa e mais pratica do que o vago e indeterminado monismo, e que, depois de Leibnitz, cada vez mais tem ido penetrando, ou antes, impondo-se philosop as suas propriedades no so j inisolaveis e indissoluveis, nem grande erro abstrahir do conjuncto d'ellas certas propriedades, visto que, de facto, a materia caracterisada por uma propriedade fundamental, o movimento, da qual todas as outras no so mais do que modalidades, ou, mais terminantemente, grupos e combinaes de movimentos simples elementares. Seriamos assim levados ao dynamismo, concepo j mais precisa e mais pratica do que o vago e indeterminado monismo, e que, depois de Leibnitz, cada vez mais tem ido penetrando, ou antes, impondo-se philosophia das sciencias. [9] J por aqui comeamos a ver quanto a concepo monista da materia confusa e mal definida e, por conseguinte, pouco philosophica. Mas no o s por isto. A confuso primeira faz-se sentir em todos os aspectos da ideia de materia. impossivel, com effeito, passar-se naturalmente da noo d'uma substancia una, simples e apenas virtualmente susceptivel d'omnimodas modalidades, para a rica e quasi infinita variedade dos seres e qualidades de que se compe a universal realidade. Que importa que essa doutrina sibyllina nos diga que a sua substancia una e simples virtualmente susceptivel de toda a variedade de formas e qualidades? A questo est justamente em se saber como que, sendo una e simples, tal substancia pde effectivamente dar de si o movimento e a variedade. Sobre isto (e isto justamente o n vital da questo) muda a doutrina. Como que essa substancia una e simples se determina? como que, sendo una e simples, se pde dar n'ella opposio, diversidade, movimento? A concepo monista implica continuidade--e tudo no universo descontinuo; implica simplicidade--e tudo no universo complexo: implica inalterabilidade e indistinco--e tudo no universo perpetua mudana, differenciao e instabilidade. [10] O nosso auctor levanta se desdenhosamente contra o atomismo. Entretanto o seu monismo, ou cousa nenhuma, ou tem de se resolver na ideia de atomo. Pois o que est no fundo da concepo atomista? A ideia da descontinuidade da materia. E tal ideia impe-se: impe-se como um facto sensao; impe-se como um postulado sciencia, que, sem presuppor a descontinuidade, incapaz d'avaliar e exprimir por numeros (e esse o typo e a forma perfeita do conhecimento scientifico) seja o que fr na successo dos phenomenos; impe-se finalmente especulao, que no pde conceber movimento onde no ha distinco, opposio e successo, e no pde pensar a distinco sem pensar ipso facto a descontinuidade. Foi precisamente esta objeco que encontrou deante de si e contra a qual veio desmanchar-se a physica cartesiana com a sua ideia da materia-extenso. Como se concebe o movimento numa tal materia? perguntava-lhe o atomista Gassendi. E Boileau, com o seu solido bom senso, resumia a questo nos dois versos celebres: C'est en vain que Rohault sche pour concevoir Comment, tout tant plein, tout a pu se mouvoir O snr. V. de Lima, levantando-se, com os seus mestres, contra o atomismo, e acceitando ao [11] mesmo tempo, com as sciencias physicas, a reduco da ideia de materia de movimento, mostra mais uma vez a inconsistencia do monismo no terreno das ideias geraes da natureza e a falta de analyse segura que patenteia a concepo fundamental sobre que assenta. Declamar contra o atomismo facil: evitar com uma palavra vaga e ao mesmo tempo pomposa as difficuldades que envolve a concepo da materia, mais facil ainda: mas no isso o que se espera de verdadeiros philosophos; e uma tentativa de philosophia da natureza, s merecer este nome, quando sobre a analyse das ideias de substancia, fora e movimento se assente uma doutrina da materia que satisfaa ao mesmo tempo s exigencias puramente racionaes da especulao e as mais praticas da indagao scientifica. Nada d'isto encontro no monismo de Haeckel e seus discipulos: o terreno sobre que pretendem construir est, quanto a mim, muito longe de ser solido. SEGUNDO ARTIGO[C] Falta-me ainda encarar, n'esta esphera da ideia de materia, a concepo monista, sob um outro ponto de vista. o da espontaneidade da materia. O snr. Vianna de Lima affirma, por assim dizer, dogmaticamente, nas suas Observaes preliminares, essa espontaneidade e protesta contra a physica da inercia: entretanto, todo o seu livro, toda a sua maneira de comprehender a evoluo presupe a inercia da materia. que d'uma affirmao a uma theoria vae uma certa distancia, e no me consta que algum dos mestres do monismo tentasse ainda formular essa [14] theoria. O assumpto envolve com effeito uma difficuldade, que me parece exceder a capacidade especulativa dos doutores monistas. A ideia da espontaneidade da materia (ideia puramente especulativa, em que peze s pretenses do positivismo dos nossos naturalistas philosophos) parece estar em contradico com a theoria da conservao do movimento, que domina nas sciencias physicas e j em grande parte nas sciencias da organisao. No vejo que a doutrina monista resolva, como ella pde ser resolvida, n'uma esphera superior, esta contradico. Pelo contrario, no livro do sr. V. de Lima, pela maneira por que o principio da conservao do movimento applicado, sem a menor reserva ou explicao, desde a physica at psychologia, e a evoluo apresentada como o exclusivo resultado do puro mechanismo, a espontaneidade da materia, praticamente e apesar das affirmaes preliminares, constantemente desconhecida, ou antes, negada implicitamente a cada instante. De facto, como se o livro todo no tivesse outro fim seno destruir a these estabelecida nos prolegomenos--these que todavia , philosophicamente, o seu fundamento. Com effeito, se havemos de entender que todo o movimento, seja de que ordem fr, no s condicionado por um movimento anterior, mas realmente e exclusivamente [15] uma transformao d'esse movimento anterior, claro que tal concepo do movimento exclue in limine a ideia de espontaneidade. A condio passa a ser causa: o effeito, mera prolao da causa, uma apparencia sem ser proprio, sem autonomia. Consideremos mais de perto a contradico que d'aqui resulta. Se, por um lado, a materia em geral dotada d'espontaneidade, isto , se o movimento lhe inherente; mas se, por outro lado, qualquer movimento particular e todo e qualquer movimento se reduz no fundo, a uma simples transformao das aces anteriores que o condicionam; pergunta-se: como se consegue ento a espontaneidade geral e theorica da materia? Se o movimento A se reduz a uma simples transformao do movimento B, que o condiciona e no por isso espontaneo, o movimento B est para com o movimento C, que por seu turno o condiciona, exactamente na mesma relao, assim como o movimento C para com o movimento D, o movimento D para com o movimento E e assim indefinidamente--de sorte que em parte alguma se encontra movimento espontaneo. O que significa, pois, a espontaneidade attribuida theoricamente materia? E, sobre tudo, como se explica o proprio facto do movimento, que d'este modo est em toda a parte sem estar em parte alguma? que por toda a parte effeito, sem ter causa em [16] parte alguma? como se concebe esse modo de ser, que, no tendo autonomia em nenhum dos pontos onde se realisa e realisando-se universalmente, parece ser e no ser ao mesmo tempo? Ainda por este lado, se me no engano, a ideia da materia, segundo os monistas, est muito longe de apresentar a definio e consistencia necessarias. Ora essa ida tem de ser a pedra mestra de toda a construco philosophica na esphera da natureza. A final de contas bem apertada e espremida, a doutrina da materia, segundo a philosophia monista, reduz-se, como creio ter mostrado, s noes correntes, nas sciencias physicas, de atomo e fora. No s no ha n'ella originalidade alguma, mas o que peior, apresentam-se nos aquellas noes envolvidas nevoentamente n'uma concepo vaga, d'onde necessario extrahil as e, no fim de tudo, em vez de esclarecidas e aprofundadas, obscurecidas por forma tal que nada ha de lucido e fecundo a tirar d'ellas para uma comprehenso superior e verdadeiramente philosophica dos phenomenos da natureza. Com as observaes que acabo de fazer no pretendo de modo algum contestar o valor e a legitimidade, na esphera das sciencias physicas, das noes de materia, atomo, fora e movimento, nos limites em que a sciencia emprega estas noes: ellas no so, com effeito, para a sciencia [17] mais de que hypotheses, restrictas a um determinado campo e no tendo por fim seno a coordenao racional d'uma determinada ordem de phenomenos, d'um determinado aspecto da phenomenalidade. A sciencia, usando d'estas noes, no pretende impol-as fra da sua esphera, nem dal-as em absoluto, como explicao ultima e irreductivel das cousas. A conservao do movimento, scientificamente, um facto: um facto, que pela sua generalidade, envolvendo a explicao de innumeros outros factos, tem o valor d'uma theoria, mas d'uma theoria puramente scientifica. Se a conservao do movimento implica o determinismo, implica-o s nos limites e no ponto de vista do puro mechanismo, no ponto de vista da realidade como systema de movimentos--sem que a sciencia possa ou pretenda concluir d'ahi para um outro ponto de vista, que no o seu, e em que o mechanismo j no apparece como o limite e termo ultimo do conhecimento. Sciencia e especulao (volto a repetil-o) so cousas muito diversas, embora dependentes uma da outra, e o que basta sciencia no sufficiente para a especulao. Ideias, que no terreno scientifico bastam e so por isso, n'esse terreno, muito legitimamente consideradas irreductiveis, no bastam j nas regies da especulao, onde com effeito so reductiveis a categorias mais transcendentes. Se o conjunto das sciencias no pde, [18] como todos os verdadeiros pensadores reconhecem, supprir a philosophia ou substituir-se a ella, justamente porque o conjuncto das ideias geraes das sciencias, no inclue em si a totalidade dos elementos racionaes da comprehenso do universo, mas apenas o conjuncto d'esses elementos no ponto de vista da phenomenalidade. Ora o monismo, attribuindo ao ponto de vista das sciencias physicas um caracter absoluto, arvorando as ideias geraes d'um grupo de sciencias em ideias ultimas e irreductiveis, exorbitou da sciencia sem ao mesmo tempo fazer acto de philosophia. o que talvez consiga mostrar ainda mais claramente, fazendo a critica da ideia de evoluo segundo os monistas. TERCEIRO ARTIGO[D] A theoria geral da evoluo, diz o snr. Vianna de Lima (e so estas as primeiras palavras do seu livro) no um systema; a synthese comparativa, a concluso que sae do conjuncto de todos os factos positivos que o espirito humano tem podido at agora abraar.... a unica concepo racional e verdadeiramente scientifica do mundo. necessario fazer aqui uma distinco importante. A evoluo no , com effeito, um systema no dominio circumscripto de cada uma d'aquellas sciencias onde esta ideia, por assim dizer, se impe, onde mil factos a confirmam e onde fra [20] d'ella seria impossivel encontrar-se um principio geral de coordenao. Ahi, sem duvida, a evoluo no um systema, mas propriamente uma theoria scientifica. Mas estaro n'este caso todas as sciencias? De modo algum. A ideia de evoluo no intervem seno onde o elemento historico representa um papel proeminente, isto , acima de tudo, nas sciencias da organisao (incluindo n'este grupo a anthropologia e fazendo participar d'elle as sciencias sociaes, nos limites em que estas teem um caracter biologico) e depois ainda, mas d'uma maneira menos necessaria e menos definida, na astronomia, ou propriamente, astrogenia. s ahi que a diviso do trabalho se exerce, differenciando gradualmente e como que analyticamente as formas contidas virtualmente e, por assim dizer, envolvidas n'um germen ou facto primeiro, que o ponto da partida de toda a serie. A physica e a chimica, porem, esto completamente fra dos dominios da ideia de evoluo. A chimica parece reduzir-se toda atomicidade, e a maior ou menor complexidade de composio no foi nunca considerada como um desenvolvimen ......Buy Now (To Read More)

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