Cartas de Inglaterra

Cartas de Inglaterra Os inglezes esto experimentando, no seu atribulado imperio da India, a verdade d'esse humoristico...
€6,15 EUR
€6,15 EUR
SKU: gb-25641-ebook
Product Type: Books
Please hurry! Only 10000 left in stock
Author: Queirós, Eça de,1845-1900
Format: eBook
Language: Portuguese
Subtotal: €6,15
10 customers are viewing this product
Cartas de Inglaterra

Cartas de Inglaterra

€6,15

Cartas de Inglaterra

€6,15
Author: Queirós, Eça de,1845-1900
Format: eBook
Language: Portuguese

Cartas de Inglaterra

Os inglezes esto experimentando, no seu atribulado imperio da India, a verdade d'esse humoristico logar-commum do seculo XVIII: A Historia uma velhota que se repete sem cessar. O Fado ou a Providencia, ou a Entidade qualquer que l de cima dirigiu os episodios da campanha do Afghanistan em 1847, est fazendo simplesmente uma copia servil, revelando assim uma imaginao exhausta. Em 1847 os inglezes, por uma razo d'Estado, uma necessidade de fronteiras scientificas, a segurana do imperio, uma barreira ao dominio russo da Asia... e outras coisas vagas que os politicos da India rosnam sombriamente, retorcendo os bigodesinvadem o Afghanistan, e ahi vo aniquilando [2] tribus seculares, desmantelando villas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; collocam l outro de raa mais submissa, que j trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e, logo que os correspondentes dos jornaes tm telegraphado a victoria, o exercito, acampado beira dos arroios e nos vergeis de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz... Assim exactamente em 1880. No nosso tempo, precisamente como em 1847, chefes energicos, Messias indigenas, vo percorrendo o territorio, e com grandes nomes de Patria e de Religio, prgam a guerra santa: as tribus reunem-se, as familias feudaes correm com os seus troos de cavallaria, principes rivaes juntam-se no odio hereditario contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo todo um rebrilhar de fogos de acampamento nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que so o caminho, a entrada da India... E quando por alli apparecer, emfim, o grosso do exercito inglez, volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente, por entre as gargantas das serras, no leito secco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquella massa barbara rola-lhe em cima e aniquila-o. Foi assim em 1847, assim em 1880. Ento [3] os restos debandados do exercito refugiam-se n'alguma das cidades da fronteira, que ora Ghasnat ora Candahar: os afghans correm, pem o cerco, cerco lento, cerco de vagares orientaes: o general sitiado, que n'essas guerras asiaticas pde sempre communicar, telegrapha para o viso-rei da India, reclamando com furor reforos, ch e assucar! (Isto textual; foi o general Roberts que soltou ha dias este grito de gulodice britannica; o inglez, sem ch, bate-se frouxamente.) Ento o governo da India, gastando milhes de libras, como quem gasta agua, manda a toda a pressa fardos disformes de ch reparador, brancas collinas de assucar, e dez ou quinze mil homens. De Inglaterra partem esses negros e monstruosos transportes de guerra, arcas de No a vapor, levando acampamentos, rebanhos de cavallos, parques de artilharia, toda uma invaso temerosa... Foi assim em 1847, assim em 1880. Esta hoste desembarca no Industo, junta-se a outras columnas de tropa india, e dirigida dia e noite sobre a fronteira em expressos a quarenta milhas por hora; d'ahi comea uma marcha assoladora, com cincoenta mil camelos de bagagens, telegraphos, machinas hydraulicas, e uma cavalgada eloquente de correspondentes de jornaes. Uma manh avista-se Candahar ou Ghasnat;e n'um momento, aniquilado, disperso no p da planicie, o pobre [4] exercito afghan com as suas cimitarras de melodrama e as suas veneraveis colubrinas do modelo das que outr'ora fizeram fogo em Diu. Ghasnat est livre! Candahar est livre! Hurrah!Faz-se immediatamente d'isto uma cano patriotica; e a faanha por toda a Inglaterra popularisada n'uma estampa, em que se v o general libertador e o general sitiado apertando-se a mo com vehemencia, no primeiro plano, entre cavallos empinados e granadeiros bellos como Apollos, que expiram em attitude nobre! Foi assim em 1847; ha-de ser assim em 1880. No emtanto, em desfiladeiro e monte, milhares de homens que, ou defendiam a patria ou morriam pela fronteira scientifica, l ficam, pasto de corvoso que, no , no Afghanistan, uma respeitavel imagem de rhetorica: ahi, so os corvos que nas cidades fazem a limpeza das ruas, comendo as immundicies, e em campos de batalha purificam o ar, devorando os restos das derrotas. E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, que resta por fim? Uma cano patriotica, uma estampa idiota nas salas de jantar, mais tarde uma linha de prosa n'uma pagina de chronica... Consoladora philosophia das guerras! No emtanto a Inglaterra goza por algum tempo a grande victoria do Afghanistancom a certeza [5] de ter de recomear d'aqui a dez annos ou quinze annos; porque nem pde conquistar e annexar um vasto reino, que grande como a Frana, nem pde consentir, collados sua ilharga, uns poucos de milhes de homens fanaticos, batalhadores e hostis. A politica por tanto, debilital-os periodicamente, com uma invaso arruinadora. So as fortes necessidades d'um grande imperio. Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vacca para o leite e dois ps d'alface para as merendas de Vero... Outra historia melancholica a da Irlanda. Quem no conhece as queixas seculares da Irlanda, da Verde Erin, terra de bardos e terra de santos, onde uma plebe conquistada, resto nobre de raa celtica, esmagada por um feudalismo agrario, vivendo em buracos como os servos gothicos, vae desesperadamente disputando urze, rocha, ao pantano, magras tiras de terra, onde cultiva, em lagrimas a batata? Todo o mundo sabe istoe, desgraadamente, esta Irlanda de poema e de novella , em parte, verdadeira: alm dos poucos districtos onde a agricultura rica como em qualquer dos uberrimos condados inglezes, alm de Cork ou Belfast, que tm uma industria fortea Irlanda permanece o paiz da miseria, bem representada n'essa estampa romantica em que ella est, em andrajos, beira de um charco, com o filhinho nos [6]braos morrendo-lhe da falta de leite, e o co ao lado, to magro como ella, ladrando em vo por soccorro... Os males da Irlanda, muito antigos, muito complexos, provm, sobretudo, do systema semi-feudal da propriedade. O povo irlandez numeroso, exageradamente prolifico (nem a emigrao, nem a morte, nem as epidemias, alliviam esta ilha muito cheia) e vive n'uma terra pobre, de cultura estreita, apenas no seu tero trabalhada: os proprietarios, lords inglezes ou escocezes, sempre ausentes das terras, no admittindo a despeza d'um schelling para as melhorar, esto em Paris, esto em Londres, comendo pecegos em janeiro, e jogando pelos clubs o whist a libra o tento: os seus procuradores e agentes, creaturas vorazes, sem ligao com o solo nem com a raa, forados a remetter incessantemente dinheiro a SS. SS., interessados em conservar a procuradoria, cem sobre o rendeiro, levantam-lhe a renda, foram-n'o a vendas desastrosas, enlaam-n'o na uzura, tributam-n'o feudalmente, apertam-n'o com desespero como a um limo meio secco, at que elle verta n'um gemido o ultimo penny. Se o miseravel este anno, fatigando o torro, sustentando-se de hervas seccas, economisando o lume quando ha seis palmos de neve, consegue arrancar de si a somma [7] que S. S., o Lord, reclama para offerecer uma esmeralda loura Fanny ou pallida Clementine, para o anno l est enleado na divida, sem meios de comprar a semente, com uma terra exhausta a seus ps... Ento o procurador, de lei em punho, vem, corre, penhora-o, vende-lhe o catre, expulsa-o do casebre, atira-lhe mulher, creancinhas e avs entrevados para as pedras do caminho... E ahi vae mais um bando de desgraados engrossar o lamentavel proletariado que pova a verde ilha dos bardos. So milhares, so milhes! Esta populao, com o ventre vazio, os ps ns sobre a geada, volta-se ento para a Inglaterra, a me Inglaterra, que tem a Lei, que tem a Fora, que tem a Responsabilidade: a Inglaterra, commovida na sua fibra christ, volta-se para os seus economistas, os seus politicos: estes individuos pousam as suas vastas frontes nas suas vastas mos, e arrancam das concavidades da sua sabedoria pharisaica esta resposta, a tenebrosa resposta da meia edade s reclamaes do soffrimento humano: Paciencia! o remedio est no ceu... A Inglaterra, valendo-se capciosamente do clero catholico da Irlanda, e da religiosidade da plebe, para a manter na resignao da miseria, acenando-lhe com as promessas cr de ouro da bemaventurana um salutar espectaculo! [8]Sejamos, porm, justos: a Inglaterra manda tambem, aos milhes de esfomeados, farinha e dois ou tres schellings: e o Punch faz-lhes a honra de lhes dedicar pilherias. De tudo isto que resulta? Que o irlandez, vendo a fome no seu lar, a Inglaterra occupada com o dr. Tanner, o Punch muito divertido, e o ceu muito longefaz uma trouxa dos seus andrajos, vae villa mais proxima, apresenta-se ao comit dos Fenians ou seco de Mollie Maguire e diz simplesmente:Aqui estou!... Estas duas associaes secretas so terriveis e completam-se uma pela outra. Os Fenians, que estiveram um momento desorganizados, mas que tm hoje a prosperidade de uma instituio publica, so uma seita politica, com o fim claro de conquistar a independencia da Irlanda: o seu meio uma futura insurreio, batalhas luz do dia, um esforo heroico de raa que sacode o estrangeiro. evidente, portanto, que a Inglaterra no tem nada a temer d'esta associao: uma esquadra no canal de S. Jorge, dez mil homens desembarcados, e os Fenians sero, no estylo da cano, como a herva dos campos depois que passou o ceifador, um estendal de cousas sem vida. Mas no assim com Mollie Maguire; esta constitue puramente uma conspirao: os seus estatutos, os seus fins, a sua organizao, [9] os seus chefes, tudo est envolvido n'um mysterio, que o terror na Irlanda; s so claros os seus crimes. Ha um proprietario duro que levantou a renda? Uma noite, ou elle ou o seu procurador apparecem beira de um caminho, com duas balas na cabea. Quem foi? Foi Mollie Maguire: foi ninguem, foi a Miseria, foi a Irlanda. Ha um senhorio, um agente, que fez uma penhora? meia noite, a sua casa comea a arder, e n'um momento uma ruina fumegante. Quem foi? Mollie Maguire. Houve um burguez especulador que comprou o casebre de um proprietario penhorado? No outro dia l est no fundo de uma laga, com um pedregulho ao pescoo. Quem foi, coitado? Mollie Maguire. Todos os dias, n'estes ultimos mezes, so assim, dois, tres d'estes crimesque tm em Inglaterra o nome de agrarios. Os tribunaes, a policia, j se no fatigam em devassas e em autos: para qu? Mollie Maguire intangivel, Mollie Maguire impessoal. E se houvesse um magistrado to desgostoso da vida que quizesse descobrir d'onde viera a bala, o pedregulho ou o fogoteria certamente, horas depois, o que tanto parecia desejar: um punhal atravez do peito. So verdadeiramente os processos do Nihilismo militante: nem falta a esta seita aquella vaga exaltao mystica que complica o Nihilismo. Se Mollie (Mollie o diminutivo de Maria) no [10] uma divindade, pelo menos uma degenerao fetichista da divindade: a tenebrosa padroeira das desforras da plebe, aquella em quem os desgraados abandonados de Deus, do Deus official, do Deus da Missa, encontram soccorro, amizade, forauma sorte de encarnao feminina do diabo do Sabbath, confidente dos servos e dos feiticeiros da meia-noite. A estas duas associaes deve juntar-se uma terceira, legal essa, fallando alto nas praas, com jornaes, com taboleta, vivendo sob a proteco da Constituio, respeitada da policia, e que se chama a Liga da Terra. O seu fim promover, por meio de meetings e representaes, uma vasta agitao, um impulsivo movimento da opinio, que force o parlamento inglez a reformar o systema agrario. Mas realmente uma associao legal? So os seus fins to honestamente moderados, to estreitamente constitucionaes como se diz? Todo o mundo duvida. Na Irlanda, sempre que dois homens se reunem, conspiram: quando se sentem quatro, apedrejam logo a policia:que ser ento quando reconhecerem que so duzentos mil? Alm d'isso, as reclamaes d'esta associao so de um vago singular: nada de pratico, nada de realisavel: apenas os velhos gritos sentimentaes da aspirao humanitaria. E, ao mesmo tempo, os homens, que a dirigem, so espiritos positivos e experimentados. Ha aqui uma contradico assustadora. [11]Sente-se que os chefes d'este movimento, sabendo bem que da Inglaterra nada tm a esperar, esto simplesmente, sob as apparencias da legalidade, organisando a insurreio. Formular um programma pratico para o parlamento votar, seria, na opinio d'elles, ocioso e pueril: as declamaes verbosas em que se falle muito de legalidade, ordem, parlamentarismo bastampara illudir a policia... E no duvidoso que, n'um certo momento, Fenians, Mollie Maguire e Liga da Terra formaro um s movimentoo da revolta desesperada. Este era o estado da Irlanda ha dois mezes, quando se deu o caso inesperado do bill de compensao. Este projecto de lei apresentado pelo ministro Gladstone (parte por um sentimento liberal de justia, parte para agradecer os fortes servios dos irlandezes nas ultimas eleies) no trazia certamente um remate aos males da Irlanda; mas, coarctando os abusos dos senhores, difficultando a arbitrariedade das expulses, modificando a legislao barbara das penhoras, alliviava o trabalhador irlandez do ferreo calcanhar feudal que o esmaga. O bill passou entre os applausos da camara dos communs: mas escuso de acrescentar que a camara dos lords, essa augusta e gothica assembla de senhores semi-feudaes, o regeitou com horror, como obra execravel do liberalismo satanico! [12]Veem d'ahi o resultado: os agitadores da Irlanda, os seus prophetas, os seus chefes apossaram-se com enthusiasmo d'esta regeio da camara dos lordse utilisaram-n'a to habilmente, como Antonio utilisou a tunica ensanguentada de Cesar. Foram-n'a mostrando plebe indignada, por campos e aldeias, gritando bem alto: Aqui est o que fizeram os lords, os vossos amos, os vossos exploradores! A primeira proposta justa, em bem da Irlanda, que se lhes apresenta, repellem-na! Querem manter-vos na servido, na fome, no opprobrio das velhas edades, no estado da raa vendida! s armas! E desde ento a Irlanda prepara-se ardentemente para a insurreio: apesar dos cruzeiros que vigiam a costa, todos os dias ha desembarques de armas; o dinheiro, os voluntarios affluem da America; pelos campos vm-se grupos de duzentos, trezentos homens, de espingardas ao hombro, fazendo exercicios como regimentos em vesperas de campanha; ainda que seja agora a epoca das colheitas, a populao no est nos campos, est nos meetings, nos clubs; e os tribunos, os agitadores, prodigalizam-se sem repouso. No falta, decerto, a estes homens nem coragem, nem aquella eloquencia pathetica que faz passar nas multides o arrepio sagrado. Um d'elles, Redathd, exclamava ha dias: Dizem-nos a cada momento: sde justos, pagae [13] ao lord, pagae ao senhorio! E citam-nos a palavra divina d'aquelle que disse: Dae a Cesar o que de Cesar! Houve s um homem, Brutus, que deu a Cesar o que a Cesar era devido, um punhal atravez do corao! Esta brutalidade tem grandeza. Agora imagine-se isto lanado a uma multido opprimida, com os gestos theatraes d'esta raa violenta, de noite, n'um d'estes sinistros descampados da Irlanda, que so todos rocha e urze, ao claro d'archotes, dando aquella intermittencia de treva e brilho que como a alma mesma da Irlandae veja-se o effeito! Em Inglaterra, mesmo, os optimistas consideram a insurreio quasi inevitavel para os frios do outomno. E o honesto John Bull prepara-se: j o ministro do interior est em Dublin, e eminente a declarao da lei marcial... N'este ponto, radicaes e conservadores so unanimes: se a Irlanda se levanta, que se esmague a Irlanda! Smente John Bull declara que o seu corao ha-de chorar emquanto a sua mo castigar... Excellente pae! O jornal o Standard, o veneravel Standard, tinha ha dias uma phrase adoravel. Se, como de temer, a Irlanda vier a esquecer-se do que deve a si e Inglaterraexclamava o solemne Standard, doloroso pensar que no proximo inverno, para manter a integridade do imperio, a santidade da [14] lei e a inviolabilidade da propriedade, ns teremos de ir, com o corao negro de dr, mas a espada firme na mo, levar Irlanda, ilha irm, ilha bem amada, uma necessaria exterminao. Exterminao muito: e quero crr, que est alli, para rematar com uma nota grave, uma nota d'orgo, a harmonia do periodo. Mas o sentimento curioso e raro: e seria um espectaculo maravilhoso vr, no proximo inverno, John Bull percorrendo a Irlanda, cheio de ferocidade e afogado em ternura, com os olhos a escorrer de lagrimas e a sua bayoneta a pingar de sangue... Ainda as fataes necessidades de um grande imperio! Volto ao meu desejo: um quintalejo, uma vacca, dois ps d'alface... E um cachimboo cachimbo da paz! [15] II cerca de livros Outubro chegou, e com este mez, em que as folhas cem, comeam aqui a apparecer os livros, folhas s vezes to ephemeras como as das arvores, e no tendo como ellas o encanto do verde, do murmurio e da sombra. Estamos, com effeito, em plena Book-Season, a estao dos livros. Estes dous mezes, setembro e outubro (e elles merecem-no porque como cr, luz, repouso, so os mais simpathicos do anno) tm accumulado em si as mais interessantes seasons, as estaes mais fecundas da vida ingleza. A London-Season, a celebre estao de Londres, quando a Aristocracia, maior e menor, os dez mil de cima, como se dizia antigamente, o folhado, como [16] se diz agora, recolhe dos parques e palacios do campo aos seus palacetes e jardinetes de Londrespassa-se em abril, junho e julho, verdade seja. Mas essa uma v e ca estao de trapos, de luvas de vinte botes, de lacaios, de champagne, de batota e de cotillon. Emquanto que as outras!... Olhem-me para estas sabias, uteis, viris, solemnes seasons, que abundam n'estes dourados mezes de setembro e outubro. Isto sim! Aqui temos, por exemplo, a Congress-Season, a estao dos congressos. Que espectaculo! Toda a verde superficie da Inglaterra est ento, de norte a sul, salpicada de manchas negras. So congressos em deliberao. Ha-os de metaphysicos e ha-os de cosinheiros. Aqui, duzentos individuos carrancudos e descontentes elaboram uma nova ordem social; alm, uma multido de sabios, acocorados, semanas inteiras, em torno de um objecto escuro, no pdem chegar concluso se um tijolo vilmente recente ou uma laje da camara nupcial da rainha Ginevra; e adiante cavalheiros anafados e luzidios assentam a doutrina definitiva da engorda do leitoesse amor! Os congressos mais notaveis este anno framo de medicina em Londres, a que assistiram mil e tresentos congressistas medicos e cirurgies dos dois mundos e dos dois sexos, e onde se prometteu [17] humanidade, para d'aqui a annos, a suppresso das epidemias pelas vaccinas; o da British Association, a grande Sociedade das Sciencias (congresso annual celebrado este anno em York) em que o presidente, sir John Lubbock, esse amavel sabio que tem passado a existencia a estudar as civilizaes inferiores dos insectos, laboriosas democracias de formigas, deploraveis oligarchias de abelhasoccupou-se d'esta vez, dando um balano sciencia durante os ultimos cincoenta annos, a mostrar algumas das estupendas habilidades d'esse outro ephemero insecto, o Homem: e emfim o congresso annual da Egreja, celebrado em Newcastle, composto de bispos, dignitarios ecclesiasticos, theologos, doutores em divindade, este largo clero anglicano, o mais douto e litterario da Europa. N'este, entre outros assumptos discutiu-se a Influencia da Arte na vida e no pensar religioso: mas, quanto a mim, o resultado mais nitido foi o revelar incidentalmente que a frequentao dos templos, em Inglaterra, diminue de um tero todos os dez annos, ao passo que o espirito de religiosidade cresce nas massas, tornando-se assim o sentimento religioso cada dia mais desprendido das frmas caducas e pereciveis das religies. N'este momento ha outros congressoso dos Metallurgistas, o das Sciencias Sociaes, o dos Telegraphistas, o Archeologico, o dos Gravadores, o [18] dos... emfim, centenares. At o dos Browninguistas. No sabem o que so os Browninguistas? Uma vasta associao, tendo por fim estudar, commentar, interpretar, venerar, propagar, illustrar, divinisar as obras do poeta Browning. Isto, mesmo n'este paiz de arrebatados enthusiasmos intellectuais, me parece um pouco forte. Browning sem duvida, com Shelley, Shakspeare e Milton, um dos quatro principes da poesia ingleza: mas tem o inconveniente de estar vivo. Elle proprio assiste, materialmente, com o seu paletot e o seu guarda chuva, ao congresso de que objecto espiritual e assumpto: e fatalmente, pelo effeito mesmo da sua presena, a admirao litteraria tende a tornar-se idolatria pessoal, e os shake hands que elle distribue comeam naturalmente a ser mais apreciados no congresso que os poemas que elle escreveu. Por isso mesmo que o divinisam, o amesquinham: no ento o grande poeta de Inglaterra, o idolo particular dos Browninguistas, deixa assim de ser um espirito fallando a espiritospara ser apenas um manipanso aterrorizando supersticiosos. Mas, continuando com as estaes, temos ainda a Yachting-Season, a estao nautica, das regatas, das viagens em yacht. Hoje em Inglaterra ter um yacht , como entre ns montar carruagens, o primeiro dever social do rico ou do enriquecido, uma das frmas mais triviaes do conforto luxuoso. Um yacht no s [19]um frgil e airoso barco de cincoenta toneladas e vela branca; pde ser tambem um negro e poderoso vapor de duas mil toneladas e sessenta homens de tripulao. N'este ultimo caso, em logar de bordejar gentilmente em redor das flres e das relvas da ilha de Wight, ou de ir mergulhar n'essas prodigiosas paisagens marinhas do alto Norte da Escossia, vae dar a volta ao mundo, carregado de biblias para os pequenos patagonios e de champagne e d'amor para as lindas missionarias, vestidas de marinheiras. A vida de yacht tem os seus costumes especiaes, a sua etiqueta, a sua phraseologia, a sua moral propria, e sobretudo a sua litteratura. A litteratura de yacht vastaWilliam Black, o autor das Azas Brancas, do Nascer do Sol, da Princeza de Thude, o seu romancista official: um paisagista maravilhoso, de resto, tendo na sua penna todo o vigor do pincel d'um Jules Breton. Temos igualmente n'este mez a Shooting-Season, a estao da caa ao tiro, que abre no 1. de setembro com uma solemnidade tal, e no meio de um interesse publico to intenso, to frementeque me d sempre ideia do que devia ter sido nas vesperas da Grande Revoluo a abertura dos Estados Gerais. Peo perdo d'esta abominavel comparaomas a carne fraca, e eu considero esta estao sublime. n'ella que se caa o grouse, e durante [20] ella que se come o grouse. No sabem o que o grouse? um passaro do tamanho da perdiz, que vive (Deus o abene!) nos moors, ou descampados da Escossia... Agora deixem-me repousar um momento, e ficar aqui, n'um extasi manso, pensando no grouse, com as mos cruzadas sobre o estomago, o olho enternecido, lambendo o labio... No imaginem que eu sou um guloso. Mas nunca se deve fallar nas coisas boas sem venerao. Lord Beaconsfield, esse mestre do bom gosto, deu-nos o exemplo quando, tendo mencionado n'um dos seus livros o ortolan, esse outro delicioso passaro, acrescentouque o peitinho gordo do ortolan mais delicioso que o seio da mulher, o seu aroma mais perturbador que os lilazes, e o sabor da sua febra melhor que o sabor da verdade. Pde-se dizer o mesmo do grouse. Continuando, temos a Burglary-Season, a estao dos assaltos e roubos s casas. Esta comea tambem em setembro, quando a gente rica sai de Londres e deixa os seus palacetes, ou fechados, ou ao cuidado de um velho e somnolento guarda-porto. Os salteadores de Londres, corpo social to bem organisado como a propria policia, procede ento systematicamente, por quadrilhas disciplinadas, usando os mais perfeitos meios scientificos no arrombamento e no saque d'essas propriedades abarrotadas de cousas ricas... [21]Temos a Lecture-Season, ou estao das conferencias. O seu nome explica-a e seria longo detalhar-lhe a organisao. Basta dizer que n'esta estao no ha talvez um bairro em Londres (quasi podia dizer uma rua), nem uma aldeia no resto do paiz, em que se no veja, cada noite, um sujeito, com um copo d'agua, dissertando sobre um assumpto, deante d'uma audiencia compacta, attenta, interessada e que toma notas. Os assumptos so tudodesde a ideia de Deus at melhor maneira de fabricar graxa. E os conferentes so todo o mundodesde o professor Huxley at um qualquer cavalheiro, o senhor Fulano de Tal, que sbe plataforma a contar as suas impresses de viagem s ilhas Fidji, ou as aptides curiosas que observou no seu co... Ha ainda outras estaes que basta enunciar: a Hunting-Season, a estao da caa raposa (isto todo um mundo); a Cricket-Season, a estao em que se joga o cricket,e em que se vm d'estes edificantes espectaculos: doze cavalheiros, vindos do fundo da Australia, outros doze partindo dos altos da Escossia, e encontrando-se em Londres a jogar ao desafio uma tremenda partida que dura tres dias, na presena arrebatada de um povo em delirio! Temos tambem a Angling-Season, a estao da pesca linha, instituio nobilissima a que a humanidade deve o salmo e a truta. o sport favorito [22] da alta burguezia culta, da magistratura, dos homens de sapiencia, d'aquela parte da velha aristocracia sobre que mais pesam as responsabilidades do Estado. Todo este mundo, de solemne respeitabilidade e de alto ceremonialpesca linha. Talvez por isso, de todos os sports inglezes, a pesca linha um dos que tm produzido uma litteratura mais consideravelto consideravel que a sua bibliografia, a simples enumerao dos seus tratados, occupa um livro de duzentas paginas! Ahi observo com respeito a noticia de um ponderoso estudo sobre a Pesca linha entre os Assyrios... S esta semana a litteratura da pesca linha nos deu j dois livros, segundo as listas: A carteira de um pescador linha, Pela beira dos rios. Temos ainda a Traveling-Season, a estao das viagens, quando o famoso touriste inglez faz a sua appario no continente. N'esta epoca (setembro e outubro) todo o inglez que se respeita (ou que, no podendo em sua consciencia respeitar-se, pretende ao menos que o seu visinho o respeite) prepara umas dez ou doze malas e parte para os paizes do sol, do vinho e da alegria. Os anjos (se o no sonharam, como diz Joo de Deus) devem assistir ento, do seu terrao azul, a um espectaculo bem divertido: toda a Inglaterra fervilhando no porto de Dovere d'ahi successivamente partirem longos formigueiros de touriste, [23] riscando de linhas escuras o continente, indo alastrar os valles do Rheno, negrejando pela neve dos Alpes acima, serpenteando pelos vergeis da Andaluzia, atulhando as cidades da Italia, inundando a Frana! Tudo isto so inglezes. Tudo isto traz um Guia do Viajante debaixo do brao. Tudo isto toma notas. Isto s vezes viaja com a esposa, a cunhada, uma amiga da cunhada, uma conhecida d'esta amiga, sete filhos, seis creados, dez ces, e outros ces conhecidos d'estes ces; e isto paga por tudo isto sem resmungar! No: no digo bem, resmungando sempre. Esta viagem de prazer passa-a quasi sempre o inglez a praguejar (mentalmenteporque nem a Biblia nem a respeitabilidade lhe permitem praguejar alto). A verdade que o inglez no se diverte no continente; no comprehende as linguas; estranha as comidas; tudo o que estrangeiro, maneiras, toilettes, modos de pensar, o choca; desconfia que o querem roubar; tem a vaga crena de que os lenes nas camas d'hotel nunca so limpos; o vr os theatros abertos ao domingo e a multido divertindo-se amargura a sua alma christ e puritana; no ousa abrir um livro estrangeiro porque suspeita que ha dentro cousas obscenas; se o seu Guia lhe affirma que na cathedral de tal ha seis columnas e se elle encontra s cinco, fica infeliz toda uma semana e furioso [24] com o paiz que percorre, como um homem a quem roubaram uma columna; e se perde uma bengala, se no chega a horas ao comboio, fecha-se no hotel um dia inteiro a compr uma carta para o Times, em que accusa os paises continentaes de se acharem inteiramente n'um estado selvagem e atolados n'uma putrida desmoralisao. Emfim o inglez em viagem, um ser desgraado. evidente que eu no alludo aqui numerosa gente de luxo, de gosto, de litteratura, de arte: fallo da vasta massa burgueza e commercial. Mas mesmo esta encontra uma compensao a todos os seus trabalhos de touriste quando, ao recolher a Inglaterra, conta aos seus amigos como esteve aqui e alm, e trepou ao Monte Branco, e jantou n'uma table-d'-hote em Roma e, por Jupi ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 25641
Author: Queirós, Eça de
Release Date: May 29, 2008
Format: eBook
Language: Portuguese

Returns Policy

You may return most new, unopened items within 30 days of delivery for a full refund. We'll also pay the return shipping costs if the return is a result of our error (you received an incorrect or defective item, etc.).

You should expect to receive your refund within four weeks of giving your package to the return shipper, however, in many cases you will receive a refund more quickly. This time period includes the transit time for us to receive your return from the shipper (5 to 10 business days), the time it takes us to process your return once we receive it (3 to 5 business days), and the time it takes your bank to process our refund request (5 to 10 business days).

If you need to return an item, simply login to your account, view the order using the "Complete Orders" link under the My Account menu and click the Return Item(s) button. We'll notify you via e-mail of your refund once we've received and processed the returned item.

Shipping

We can ship to virtually any address in the world. Note that there are restrictions on some products, and some products cannot be shipped to international destinations.

When you place an order, we will estimate shipping and delivery dates for you based on the availability of your items and the shipping options you choose. Depending on the shipping provider you choose, shipping date estimates may appear on the shipping quotes page.

Please also note that the shipping rates for many items we sell are weight-based. The weight of any such item can be found on its detail page. To reflect the policies of the shipping companies we use, all weights will be rounded up to the next full pound.

Related Products

Recently Viewed Products