Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito português

Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito português Title: Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no...
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Author: Tello de Magalhães Collaço, João Maria
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Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito português

Title: Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito portugus Author: Joo Maria Tello de Magalhes Collao Release Date: July 31, 2011 [EBook #36927] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Julho 2011) Joo Maria Tello de Magalhes Collao ENSAIO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO PORTUGUS COIMBRA FRANA E ARMENIO, Editores Arco d'Almedina ENSAIO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO PORTUGUS Joo Maria Tello de Magalhes Collao ENSAIO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO PORTUGUS COIMBRA FRANA E ARMENIO, Editores Arco d'Almedina imprensa da universidade1915 A MINHA ME Dissertao para concurso a assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (III GrupoScincias Polticas). INTROITO Pode dizer-se com verdade que o problema da inconstitucionalidade das leis figura na ordem do dia do direito pblico contemporneo. E, se a todos os escritores da especialidade le deve interessar, entre ns, a circunstncia de a Constituio haver adoptado o timo princpio de conhecerem os tribunais da inconstitucionalidade das leis tornou verdadeiramente indispensvel o estudo da questo. O que hoje apresento, no decerto, o estudo desejado, nem o estudo necessrio, mas apenas um ensaio, que procurarei valorizar tendo sempre em contemplao o aspecto naciona. O problema da inconstitucionalidade da lei porventura s o props a doutrina do constitucionalismo, s a apario das Constituies? Decido-me pela negativa, e no primeiro captulo do meu ensaio me esforo por demonstr-lo. certo que a significao do problema diversa no regimen poltico dito absoluto? Mas justamente assim o considero. [x] H depois a colocar o problema perante o sistema monrquico constitucional e distrair das doutrinas da poca quais as tendncias esboadas. A constitucionalidade da lei surge, em certos termos, como uma condio do seu cumprimento, perante a actual Constituo poltica da Repblica? Impunha-se o exame dessa noo, a determinao do seu alcance, o estudo dos seus caracteres. Restava concluir afirmando a esperana de que o alargamento dste princpio h de ter por certo uma influncia normalisadora contra a imoderao do Parlamento? Fundada fica essa esperana e oxal em boa hora. ENSAIO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO PORTUGUS CAPTULO I BREVISSIMA NOTCIA DA NOO DE LEIS FUNDAMENTAIS AT IMPLANTAO DO REGIMEN CONSTITUCIONAL 1.A noo da lei fundamental desde o comeo da Monarquia at Restaurao. As leis do reino. Da forma por que hoje geralmente exposta poderia concluir-se que a distino entre a lei constitucional e a lei ordinria data apenas do momento em que, pela primeira vez, e com solenidade, se formulou uma lei superior, um texto escrito fundamental. E, como a noo de lei constitucional tem sido modernamente referida teoria da diviso dos poderes e sua organizao, e s liberdades individuais vulgar imaginar-se que a noo de lei constitucional deriva do constitucionalismo. E, todavia, nada h to pouco exacto... Na primeira fase da nossa histria poltica que, desde a fundao da monarquia se estende at D. Joo II, o poder legislativo est nas mos do Principe, em concorrncia com o qual ninguem [4] o pode exercitar? certo. Mas restringem-no os privilgios das classes e o conselho legal das crtes, que, nessa poca, mais do que um agrupamento dependente da vontade dos Principes, foi um autntico estabelecimento constitucional, de que tanto dependeu a confeco das leis. Eram as crtes instituies deliberantes, consultivas apenas, uma e outra natureza possuiram consoante as pocas denominadas do seu esplendor e da sua decadncia? O problema est hoje ainda desprovido da soluo que possa dizer-se nica, to glosado tem sidoe to apaixonadamente (vid. a Deduco chronologica e analytica, 669. e seg.; Ribeiro dos Santos, nas Notas ao plano do novo codigo de direito publico de Portugal..., nas Notas ao ttulo II, pg. 64 e seg.; Paschoal de Mello, na Resposta que deu... (incluida no volume das Notas acima) pg. 88 e seg.; Coelho e S. Paio, nas Preleces de direito patrio publico e particular..., 1. e 2. parte, pg. 1-78; Antnio Caetano do Amaral, Memoria (V) para a historia da legislao, e costumes de Portugal, na Historia e memorias da academia real das sciencias de Lisboa, t. VII, pgs. 362-385; Jos Liberato, no Ensaio; Coelho da Rocha, no Ensaio, 2. ed. 55. a 67.; Gama Barros, Historia da administrao publica em Portugal... t. I, pgs. 537-577; Abel Andrade, Evoluo politica em Portugal, t. I, pgs. 129-155). Poder arguir-se que depois de D. Joo II, os reis comearam a exercer o poder legislativo fra de crtes, deixando estas de ser ouvidas e frequentes? Mas, at essa poca, a antiga forma mantem-se. [5] certo que nem sempre os reis deferiam matria representada em crtes? Sem dvida. Mas isso, nota-o habilmente Ribeiro dos Santos, no prova que os reis no dependessem do conselho legal das crtes. Significa, diferentemente, que para se tornarem em leis os captulos delas se carecia do concurso da vontade e consentimento do Principe, que era o nico, em quem residia o poder efectivo de legislar. No menos seguro, porm, o afirmar-se que nesse perodo, em regra, toda a matria deferida como objecto de lei geral e perptua ficava constituindo direito estabelecido, direito do reino, contra o qual no devia exercer-se isolada a auctoridade rgia. Da a frase celebre de D. Joo II, ao exclamar que se o soberano he senhor das leis, logo se fazia servo delas, pois lhe primeiro obedecia. Essas limitaes no surgiam apenas do direito estabelecido nas leis em que o rei deferia aos agravamentos, artigos ou captulos apresentados em crtes, porque sbre costumes, usos e foros antiquissimos da nao se fundavam tambem outras restries que de certa maneira modificavam o poder dos reis e lhes tornavam limitada a soberania (Ribeiro dos Santos, Notas ao ttulo I, no op. cit., pg. 79). Estas, as duas fontes do direito fundamental que, evidente, se no encontram num s texto solene, antes devem ser procuradas [6] atravs dos assentos de crtes, das leis gerais, das probies dos forais, e coligidos com aqueles outros elementos, escritos uns, e tradicionais outros. Tais seriam as normas relativas sucesso do reino, natureza e constituio, fins e privilgios das ordens, natureza e representao das crtes; ao estabelecimento das leis e ordenaes gerais, imposio de tributos, alienao de bens da Coroa, cunhagem e alterao da moeda, feitura da guerra. E, ou se creia ou no no ajuntamento das velhas crtes de Lamego a quem a verso seiscentista atribue as leis da sucesso definidas como a verdadeira lei de instituio do reinobem certo que a leis tais como essas se referia Joo das Regras quando, na orao famosa com que nas crtes de Coimbra, arengou pelo Mestre de Aviz, ao expr os motivos por que D. Joo I de Castela no podia suceder no trono, dizia E que, estando por todos os principios vago o Reino, e os Portuguezes na posse de eleger Rei, que tambem lhe dava o Direito; e pelas primeiras, e principaes Leis d'elle, inhibido por ser estrangeiro, cujas disposies no podia alterar El-Rei D. Fernando... (Memorias do Senhor Dom Joo I, liv. 1., cap. 4., in-fine). So as leis, o direito do reino, aquele que o prprio rei, por si s, no poder alterara noo [7] precursora de lei fundamental. Quando o sculo XVII vier, Joo Pinto Ribeiro ter uma expresso feliz designando o prestgio dsse direito, ao dizer que os capitulos dos foros jurados tinho de todo atado o poder dos reis. 2.Necessria conformidade das novas leis ao direito do reino. O ofcio do Chanceler mr do reino Guarda-se e resguarda-se esse direito? Os cuidados com le so, pelo menos, fervorosos. E, na histria das altas magistraturas portuguesas, uma deve relembrar-se que no ser rro classificar de magistratura vigilante da conformidade das novas leis ao direito fundamental. assim que o Chanceler mr do reinoantiquissimo cargo cujo provimento se devia fazer em quem andasse pelas cumiadas nas condies de scincia, virtude e nascimento e a quem a Ordenao exigia que seja de boa memoria, por se acordar das Cartas, que tever em guarda. Outro-si das que mandar fazer, que nam sejam has contra as outras...pelo regimento que lhe dava a Ordenao afonsina, deveria cuidar que nom sejam dadas contra direito as cartas assignadas pelo rei e que, se achar, que hi ha alguma, que non fosse feita como devia a no dever grosar n cancellar, antes a todas deve-as [8] trazer a Ns pera nos dizer as duvidas que, em ellas tem... (Ord. Aff., liv. I, tit. II). Ele evitaria assim as leis contrarias s Ordenaes, e Direitos do Reino, e prejudiciais ao Estado... e isto porque os nossos Monarchas, embaraados com infinidade de negocios, podem muitas vezes no se lembrar de todas as Leis do Estado, e por isso determinarem cousas contrarias ao Direito estabelecido. Para ocorrer a estes prejuizos elles crearo este Magistrado maior, para vigiar sobre as Provises dos seus Tribunaes, e sobre as suas mesmas Leis... (Coelho e S. Paio, op. cit., pgs. 74, 75 e 76, em nota). Do rigor e alcance dste preceito to pouco deve duvidar-se se certo que le foi ardilosamente mutilado pelo cdigo filipino. Quanto s cartas assinadas pelos desembargadores do pao, vdores de fazenda, etc.; quanto s provises assinadas pelo rei mas de cousas despachadas pelos ditos desembargadores, ou outros oficiais da crte; e quanto s cartas ou provises de graamanteve-se o rigor da ordenao. O Chanceler investigaria se elas eram contra o direito estabelecido. Mas quanto s cartas passadas e assinadas por el Reie esse era o grande escrupulo da Ordenao antigao cdigo filipino emudeceu, e as cartas de lei todas passavam, sem que o Chanceler Mr tivesse o dever de as no glosar nem cancelar logo que fssem contrrias ao direito do reino. E, to util e to... constitucionalisador era o velho preceito da Ordenao que, quatro sculos decorridos, Ribeiro dos Santos o invejaria para um novo cdigo poltico como providncia to sbia, e to capaz de nos preservar de muitos males (cit. Notas ao ttulo I, nas Notas cit., pg. 100). [9] 3.As leis contra o direito do reino. O direito de representao das crtes. Uma vez cometida, porm, a violao do direito estabelecido, selada e assinada, promulgada e publicada uma lei assim, algum direito de recurso havia contra ela? Haviae, quando se frequentavam as crtes, era facil e seguro praticar ste direito... As crtes usavam nessas circunstncias do direito de representao e ...se aggravavo ao Principe e requerio o que cumpria ao bem dos povos; as suas representaes eram feitas segundo todas as leis da ordem, como se v nas de Lisboa de 1455, em que se requereo ao Principe contra as cartas passadas em prejuizo das leis e capitulos estabelecidos em crtes... (Ribeiro dos Santos, Notas cit., pg. 99). O prprio Paschoal de Mello, no seu O novo Codigo de direito publico de Portugal (tit. II, 9.), permitindo aos fieis vassalos no s a liberdade de representarem modestamente os inconvenientes de alguma ordenao em particular, ou lei geral em prejuizo do povo, como mandando-lhes que positivamente o faam, se autorisava com o facto de essa liberdade no implicar com as razes da soberania, e de ser muito prpria da justia e boas intenes dos Principestanto mais que era certo haver em Portugal muitos exemplos destas representaes (nas Provas de [10] O novo Codigo cit., pg. 182). De facto, muitos requerimentos ha dos povos para que as leis e assentos, que se fazio em crtes, se guardassem exactamente; para que se confirmassem de novo; para que no valessem as cartas, que em contrario se dessem chancellaria; para que se no dispensassem, mudassem ou revogassem, seno em crtes... (Ribeiro dos Santos, Notas cit., pgs. 67-8), assim como de representaes contra certas leis que os reis houveram por bem revogar (Gama Barros, op. e loc. cit.). 4.A noo comum da lei fundamental nos tericos da Restaurao. As doutrinas da soberania popular. O conceito de pacto. Mas a noo de lei fundamental ser incomparavelmente mais bem expressa pelos nossos teoristas famosos do perodo da Restaurao. Est j desdobrado todo o largo sculo XVI, onde mal cabem as lutas formidveis do movimento da Reforma e do movimento contra-reformista. As suas conseqncias esto estudadas, superiormente estudadas e, neste passo, s tenho logar para transcrever as palavras em que, recentemente, Saitta resumia todo o tremendo conflito. No primeiro perodo da Reformao catolicismo e o papado haviam-se resignado a uma atitude de inactividade perante os progressos crescentes do protestantismo, e ter-se-ia anunciado a hora [11] derradeira para aqueles se em sua defeza no surgissem SuarezDoctor EximiusBellarmino e Marianna que entraram denodadamente no conflito intelectual renovando por completo as doutrinas politicas comuns, sbre as quais exerceram uma influncia s comparavel, segundo Saitta, aos doutores da Edade-Mdia. Do aos Estados, no uma base em leis de revelao divina: mas uma base racional e humana. Os poderes que os organisam esto na prpria comunidadeque os defere aos seus magistrados, sem a eles renunciar contudo. tse de que os reis reinam por graa de Deus de quem imediatamente derivam o seu poderos doutores Jesuitas opem tenazmente a afirmao de que todo o poder dos reis vem diretamente do povo, da comunidade. Com que intuitos o sustentam? Meramente religiososdiz Saitta. Meramente polticosdir-se- com igual verdade, porque afinal tudo conduzia soluo poltica de fazer que dos povos dependessem os reis e contra estes os primeiros pudessem levantar-se, porque, caso o Principe governasse mal, lhes admitiam o direito de recuperar o poder que s eles possuiam e que nos reis apenas haviam delegado. O Principe aparece assim vinculado ao povo, e ste mais elevado e mais forte que ele (superior et potentior). [12] A teoria dos Jesuitas proclamando a soberania popular ditada por autenticos sentimentos democrticos? De forma alguma! Ela apenas visa a justificar o direito de rebelio contra os reis que favoreciam o movimento da Reforma, aproveitando a doutrina em favor do Papa (vid. Giuseppe Saitta, La scolastica del secolo XVI e la politica dei gesuiti, a pag. 170-201, e Stahl, Filosofia del Diritto, trad. de Pietro Torre, pg. 320 e seg., a citado). Dentre os doutores do seu tempo Suarez foi o mais privilegiado talento e o de mais prodigiosa influncia na sua poca e nas seguintes. A audcia das suas proposies leva os Papas, que o haviam apelidado de Doctor Eximius, a probir os seus livros, a coloca-los no Index? E, todavia, sem embargo o continuam saudando como luminar e amparo da igreja catlica. Vinte anos regeu Suarez em Coimbrae eis por que, entre ns tambm, so os teoristas da Restaurao que melhor exprimem a noo perfeita da lei fundamental. As doutrinas da soberania popular e de que uma lei existe vinculando o rei ao povo ho-de ter na poca o mais oportuno cabimentose certo que s elas vo justificar perante o Summo Pontifice da Egreja Catholica, Reys, Principes, Respublicas e senhores soberanos da Christandade (ofertorio do livro de Velasco de Gouvea, Justa Acclamao...) que aos Filipes, por [13] estrangeiros, faltava condio para no trono portugus poderem suceder segundo a lei fundamental de Lamegoassim como, depois de apossados dele, dele podiam ser desapossados se certo que, por injustos, se haviam tornado indignos de reinar. O poder dos reisdizems os povos lh'o transferiram. S eles o detinham. S a comunidade o possue. Porqu? Por que como se no ache concedido em particular a pessoa alga, nem a muitas juntas; antes proceda daquella razo natural da conservao, resulta que est originalmente nos Povos, e Respublicas; e que deles o recebem imediatamente. Para que foi transladado esse poder? Para se poderem conservar os povos, porque para viverem em Republica, e Povo, que constitue como hum corpo, no podia ser sem terem cabea; alis ficaria monstro, e sem qu os governasse e dirigisse, vivendo em confuso, sem entre elles haver paz, concordia ou justia... (Velasco, op. cit., pgs. 27, 28 e 31; a mesma ideia em Villa Real, e no Anticaramuel..., pg. 37). Foram os poderes transladados para o rei. Mas significa isso que os povos se tenham abandonado, numa renuncia, s suas mos? No. Severamente h-de escrever Velasco que, conforme s regras de direito natural, e humano, ainda que os Reynos transferissem nos Reys todo o seu poder, e imperio para os governar, foy debaixo de ha tacita [14] condio de os regerem, e mandarem com justia, e sem tyrannia... (op. cit., pg. 13-14). Por expresses diferentes, Joo Pinto Ribeiro,o mesmo revolucionrio intemerato de 1640, na obra verdadeiramente maravilhosa da redeno de Portugalhaveria de exprimir que ...O titulo, e nome de Rey teve principio, na boa administrao da justia, no bem, e utilidade publica, na conservao da terra, pera cujo governo era cada Rey eleyto. Sogeytavo-se a hum homem seu natural, pera que como tal amasse os seus, pera que com prudencia, e valor os compuzesse em suas duvidas, e segurasse os menores, e de menos fora da soberba dos mayores, e mais poderozos... (Usurpao, Reteno, Restaurao de Portugal, pg. 47). O soberano tem assim um oficio e, nele, conhece leis a que atende e se submete? certo. No ento, por direito, rei absoluto? No deve se-lo. Como diz Villa Real el epiteto absoluto se toma siempre del que gobierna segun su gusto (op. cit., pg. 43) e no foi para que governassem por tal forma que os povos instituiram rei. Os Reys no foro criados, e ordenados pera sua utilidade, e proveyto, se no em beneficio, e prol do Reyno... (Joo Pinto Ribeiro, op. cit., pg. 11 v.). Essa foi a tcita condio, de que escrevia Velasco, aludindo ao fim com que era designado o rei. A tcita condio foi como que um autentico [15] compromisso que, ao receber o poder, os reis tomaram. Como, por que forma se estabeleceu? Com uma singela naturalidade, Velasco exprime que, como disse talvez Santo Agostinho; A translao do poder se fez entre os homens per modo de pacto; transferido nelles o poder, com pacto, e condio de os governarem e administrarem com justia, e tratarem da defenso, e conservao e augmento dos proprios Reynos... (op. cit., pg. 30). Esta noo assim expressa a indicao de toda uma doutrina. Ela significa que antes dsse pactono existe a autoridade rgia, no existe o poder de reinar nem a prpria magestade ou soberania. Por esse pacto ela se transferiu ao rei primeiro eleito: ser guardando-o que os sucessores usaro o mesmo poder. Dir-se-a hoje que esse pacto fra o acto creador de tal poder. 5.O pacto e o rei. O rei no pode alterar o govrno da repblica A ideia do pacto torna fcil um limite autoridade rgia. Se o poder dos reis e a forma do seu govrno derivaram dum pacto, nem contra, nem alm dste, aquele poder exercer-se. A noo de lei fundamental derivar por essa forma do prprio acto que nos reis creou o poder de reinar, e, assim, isoladamente, no podem les [16] revogar, dispensar ou alterar o que duma conveno proveiu. nesse sentido que, num belo trecho Joo Pinto Ribeiro dizia que nega todo o direyto poder o Principe revogar, n quebrantar o pacto, e contracto celebrado com seus vassallos, sem alga justa, e conhecida utilidade publica desse Reyno, com cujos vassalos contratou e que assi grita todo o direyto, que nos ensina nam poder haver causas justas, que obriguem a alterar e mudar o governo da republica, sem que se offenda o bem publico, que sempre se deve preferir ao gosto e vontade dos Principes; principalmente nas materias, que pertencem a seu officio, conforme ao uso do Reyno... (Usurpao... pgs. 14 e 15). E, como se dest'arte no ficasse ainda bem assinalada a intangibilidade do pacto em face ao arbtrio rgio, e houvesse necessidade de alargar o domnio que o rei no pode perturbar, o nosso jurisconsulto Villa Real diria que no es del poder del Principe, el variar las leyes, los privilegios de un Reyno; pues aunque por la fora coactiva, no esten sugetos, alas leys, lo estan siempre por la directiva; y no se llaman absolutos, sino los que son tiranos. Como no obedecen a la raon, siguen solo las leys de su Voluntad... Porqu resguardadas as leis e privilgios? Porque o pacto constituem-no no apenas as leis solenemente estabelecidas por fundamentais, [17] mas tambm os fros e liberdades, privilegios e graas ganhas por direito antiquissimo, e que, nem por no serem guardadas em leis como as acima, deixavam de ser consideradas como direito inviolvel do reino, e a que o rei, na poca que estudo, devia jurar guarda antes de ser aclamado e jurado: ...Isto he, o que significa fazerem os Reys primeyro juramento aos povos de lhes goardarem seus foros, usos, e costumes, de lhes administrar justia, e de pois se obrigarem esses povos per juramento a lhes obedecer e goardar fidelidade... (Joo Pinto Ribeiro, Usurpao, pg. 42 v. e 43). Joo Pinto Ribeiro presentia assim a lei de 12 de abril de 1642 pela qual D. Joo IV, deferindo aos captulos 1 e 35 dos estados eclesistico e da nobreza das crtes de 1641 determinava que os reis que nos reinos houvessem de suceder jurassem, (antes de serem levantados,) todos os privilegios, liberdades, foros, graas, e costumes, que os Reys seus predecessores lhes concederam e juraram... Mas a lei no bastra, parece, e para que todos os Vassallos... possam pedir aos Reys meus sucessores o juramento da confirmao das graas e privilegios, antes de entrarem na sucesso mandava passar o alvar de 9 de setembro de 1647, renovando a determinao da lei e prevenindo que fazendo elles, ou algum delles o contrario (que no creio nem espero), sero malditos da maldio [18] de Nosso Senhor, e de Nossa Senhora, e dos Apostolos, e da Corte Celestial, e da minha, que nunca creso, prosperem, nem vo adiante... No o devem: mas se os Reis faltarem ao pacto ou o atingiremque se seguir da? Ha de obedecer-se ao rei que violou o pacto? Unanimes, os teoristas da restaurao resolvem-se pela negativa. Por qu? Porque s est nos povos a eleyo, e creao de seus Reys, e nella contrato com elles haverem-nos de administrar em sua conservao, e utilidade. Todas as vezes, que os Reys lhes falto com a obrigao do officio, que lhes dero de defensores, e conservadores da republica, os podem remover, como pessoas que lhes falto condio do seu contrato, e fico os vassallos dezobrigados de lhes obedecer, ou a cudir a seu servio, e lhes podem como a tiranos negar a obediencia... pela simples razo de que no he mayor o poder nos Reys, pera condenarem por traidores, aos que em menos cabo deste contrato, lhes faltaro com a fidelidade prometida, que nos mesmos povos, pera lhes removerem a obediencia coando esquecidos da obrigaam, com que se lhe deu a curadoria da republica, elles lhes falto com a palavra dada, e quebranto o juramento de sua promessa (Joo Pinto Ribeiro, Usurpao, pg. 42 v.). Podem assim os povos negar obedincia ao reiremove-lo [19] mesmo, como diz Joo Pinto Ribeiro? Podem. Mas como? Reassumindo o poder que neles primitivamente estava ou consistia, usando a expresso de Velasco. Mas esse poder no o haviam os povos transladados nos reis? Haviam. Mas tudo foi com pacto, e condio de os governarem, e administrarem com justia, e tratarem da defenso, e conservao e augmento dos proprios Reynos. Renunciaram por ventura os povos ao poder que s eles possuiam? No, pois posto que...transferissem nos Reys seu poder, e imperio, no foi abdicandosse totalmente delle, se no ficandolhe ao menos in habitu, para o poderem reassumir, e exercitar in actu em alguns casos, e com certas circunstancias.... Em que casos ento? Em todos aqueles em que assim o pea a razo da sua natural conservao e defeza, e esses se ho de entder, e praticar smte em h de dous termos.... Um deles justamente o caso em que, por no cumprir o pacto, o rei pe em risco a conservao do reino. Foi-lhe dado o poder debaixo da tacita condio de o conservar e governar justamente e sem tyrannia, e se a prpria conservao e defeza do reino que o rei pe em risco pela frma de tirania com que governaa repblica no pode arriscar a sua vida exatamente pelos [20] meios com que se propoz perpetua-la. E ento em nome do direito de defeza, do poder natural, concedido a todos, de se defenderem, que o reino pde eximir-se da sujeio ao reifaculdade de que nunca o povo se privou nem podia privar na translao que fez. E, ento, usa do meio mais adequado que he privallo do Reyno, tirando-lhe o poder que lhe deu... (Velasco, op. cit., pgs 32, 33 e 38). Mas a rebelio, a sediotornadas por essa forma em direito? No o e mais. S acto de rebelio o dirigido contra o soberano que justo e legtimo. Mas ser absoluto, no respeitar o pacto no es ser legitimo seor... (Villa Real, op. cit., pg. 44). E d'a resulta que no he sediciozo antes licito ao Povo, resistir ao Rey tyranno, ou que tyrannicamente governava. Com que fundamentos de direito? Por dous legitimos titulos. Hum do principio natural, pello qual podemos c fora, resistir fora que se nos faz, que he o que o direito chama: Vim vi repellere... Outro, de que sempre este cazo se entendeo ficar expcetuado naquella primeira translao, que o Povo fez de seu poder no Rey... (Velasco, op. cit., pg. 34-5). absolutamente nesse sentido que Joo Pinto Ribeiro justifica os portuguezes de se revoltarem contra o injusto govrno dos Felipes. Pelos captulos da crte de Tomar, Felipe I obrigara-se a despachar sempre na lngua portugusa, e em conselho constituido por portuguses, todos os negcios do reino. Mas logo comeou despachando contra a frma do capitulado e arrebatadamente que o jurista exclama: [21] ...e queriam que ha naam tam honrada o nam sentisse, e o nam gritasse, vdose desprezada, e enganada, e que contra toda a razam e justia se tratavam, e despachavo por outros os negocios, que por razo de seus foros, e estatutos se devio de decidir com ministros certos, e determinados. Maldito governo, que poem sua segurana em desprezo de Vassallos honrados; errada resoluo do Rey, que despreza a lingoa daquelles, a que governa, e manda, no havendo mayor firmeza entre vassallos, e Rey, que fallarem a mesma lingoa, e saberem que o entendem, e sam entendidos delle... (op. cit., pg. 15). Nesta defeza pode o povo ir at ao ponto de licitamte matar ao Rey sempre que ste fr tirano. Haver, em regra, que esperar-se sentena contra o rei que com justo ttulo ocupe o reino mas fr tyranno no governo? certo. Mas nem por isso nos outros casos o meio deixa de ser lcito quando o Reyno de outro modo se no pode livrar do seu jugo, e imperio ou quando de outro modo se no pode livrar de sua tyrnnia. Eis toda a teoria. E para que ela no seja reputada um desvairo, abona-se Velasco de alguns que escrevem mesmo que matar o rei no somente o pode fazer a Republica, e o Reyno, mas cada hum dos particulares e clama que a mesma lio est nas doutrinas de S. Thomaz onde o Sancto, com Marco Tullio approva por esta cabea, a morte que dero ao Emperador Julio Cesar, que com tyrania occupava a Repblica [22] Romana; e da mesma maneira louva o feito de Lucio Bruto, que extinguindo ao dito Tarquino, Rey soberbo, lanou fora o titulo de Reys de Roma... (Velasco, op. cit., pgs. 38 e 39; e a mesma ideia em Sousa de Macedo, no Lusitania liberata, pgs. 519-529). 7.A noo de lei fundamental nas crtes de Lisboa de 1679 e de 1697 J no peristilo da poca chamada do absolutismo, nas penltimas e ltimas crtes de Lisboa, regularmente convocadas, novamente h de caraterisar-se a lei fundamental como um limite ao poder do reie dir-se-a at que a noo dessa lei, como superior auctoridade rgia, tomava vulto justamente na hora em que a auctoridade rgia tendia para um ilimitado exerccio de todos os poderes. Seria o canto do cisne da velha constituio da monarquia portuguesa... Essas penltimas crtes de Lisboa de 1679 haviam sido convocadas por D. Pedro II para que, no casamento de sua filha a Infanta D. Isabel com Victor Amadeu II, Duque de Saboia, Principe de Piamonte e Rei de Chipre, fsse dispensado, das leis de Lamego, o pargrafo que probe de casar com estrangeiro filha do Rei que no trono suceder. Ento se definiu a natureza daquelas leis. Elas constituiam a ley fundamental. Como se caracterisava? [23] Pelo seu fim. E era o fim da Ley fundamental perpetuar a Monarchia, e Coroa destes Reynos, nos sucessores daquelle excellente Principe D. Affonso Henriques (assento dos trs estados de 11 de dezembro de 1679). Essa, a lei sbre todas dominante. Eis por que, numa adjectivao cheia de entusiasmo, o estado eclesistico na sua consulta definia a Lei de Lamego como sendo ...a sempre firme athe agora no dispensada Ley de Lamego que sendo o fundamento desta Monarquia, tambem he o muro da nossa Segurana, e devia estar gravada com letras de ouro no s em marmores, que quebro mas em bronzes que se eternizo... Diferente da lei, da ordenao geral apenas no objecto? No. Distinta dela na forma tambem. Para estabelecer, alterar, dispensar ou derogar uma lei fundamental carecia o rei do assentimento dos trs estados do reino ajuntados em crtese da, as palavras empregadas no decreto de 26 de novembro de 1679 que os convocava para que juntos em Cortes, pello que lhe toca declarassem, e para mayor cautella dispenassem... nesse casamento a lei fundamental de Lamego. Foi dispensada a lei? Foi. Mas por esta vez smentee to smente por esta vez o era que o estado eclesistico pedia a S. A. mande [24] fazer hum assento de Cortes, assinado por todos os Tres Estados, e que se guarde na Torre do Tombo, em que se diga a necessidade por que a Ley das Cortes de Lamego se dispensa fazendo-se o assento com taes declaraoens que para sempre conste que a tal Ley foi ligitima e verdadeiramente fundada, continua e constantemente establecida, e observada, e que daqui em diante fica como athe aqui foi sempre firme, e valioza, e que se necessario he de novo os Tres Estados do Reyno a ratifico, assim e da maneira que as primeiras Cortes de Lamego a fundaro. Assim se fez, e l se declara que a dita lei de Lamego ficar em toda a sua observncia e firmeza para o diante, sem que se possa fazer argumento dessa dispensao, ou derogao para os casos futuros, em quanto no intervizir o nosso consentimento... (vid. idntico texto no assento de 11 de abril de 1698). S depois de prestado esse consentimento que o rei interpunha a sua approvao e auctoridade Real e a lei ficava valiosa. E para o prprio rei ela se tornava inviolavel visto que ha das mayores obrigaes dos Principes, a observao das Leys Municipaes, principalmente as fundamentaes do Reino ... (Decreto de 26 de novembro de 1679). [25] 8.A noo da lei fundamental na era pombalina. Seu objecto, sua forma. O Principe faz as Leis e as deroga quando bem lhe parece. No h contra os reis mais recurso que o do sofrimento. To particular, to outra a mesma noo para a teoria pombalina! Admite ela uma lei fundamental, e superior vontade do rei? Certamentee talvez mesmo em nenhuma poca dela se apresente um conceito to claro, desembaraado e perfeito. Ela ser definida comoa base, e primeiro principio da Sociedade civil do mesmo Reyno; e contendo por isso o mais Sagrado deposito, e o mais inviolavel Monumento da civilidade, e do socego publico em todas as Naes, que se governo pelos dictames da razo... No h nao que a no possua: visto que ...a primeira, e a principal Regra do Direito Publico de ......Buy Now (To Read More)

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Ebook Number: 36927
Author: Tello de Magalhães Collaço, João Maria
Release Date: Jul 31, 2011
Format: eBook
Language: Portuguese

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