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Notas d'arte
Nota de editor: Devido existncia de erros tipogrficos neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Jan. 2010) NOTAS d'ARTE PORTO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL (a vapor) Travessa de Cedofeita, 54 1906 Ao INSTITUTO de ESTUDOS e CONFERENCIAS SOCIEDADE de BELLAS ARTES pelo que podem fazer em bem da Arte. (Esboo para um retrato) VASCO FERREIRA NO LIMIAR (1904) Caricatura do dr. M. Monterroso O philosopho Taine, dizia, ha bons vinte annos, no seu Curso Esthetico para:A Arte o reflexo dos costumes. E, de facto, assim . A Arte vae evolucionando sempre na ordem directa do aperfeioamento e da illustrao dos povos. Assim, quanto mais illustrado fr o publico, tanto mais perspicaz, mais estudioso e mais observador deve ser o artista, para que tenha o applauso geral e sincero a obra que executou e apresenta. E, mesmo por isso que entre ns, os artistas, pintores e esculptores, dia a dia fazem, na incessante lucta pela vida, os esforos mais lidimos e mais honrados para resolverem esse enorme e sublime desideratum:ser grande! [2] Infelizmente nem todos o podem conseguir. E, no o conseguem, porque para isso no so precisas s a boa vontade e a persistencia no estudo. Alguma coisa mais lhes necessaria, e essa, primacial:ter talento! Felizes os que teem esse delicioso e bello predicado; porque esses, vo gloriosamente para diante e so verdadeiramente grandes. Ha alguns annos, poucos ainda, a pintura entre ns era uma especie de Arte mystica, que apenas raros tentavam, n'um arroubamento de eleitos. Esses mesmos, faziam a pintura a seu modo, dentro de restrictas e acanhadas normas, sem pensarem sequer que o fluido ether que nos cerca e enche triumphantemente toda a natureza, em pulverisaes vibrantissimas de luz e de cr, precisa de ser estudado e qui pintado. Mas, se elles limitavam os ambitos do seu modo de executar, era que o publico tambem no exigia mais, e a critica no se preoccupava absolutamente nada com isso. Tanto elle como ella eram feitos por individuos, que ao visitar os museus e as exposies de pintura no tinham a intuio nitida e verdadeira da Natureza em todo o seu explendor, como manifestao psycologica da vista. Habitualmente todos elles amavam a Natureza pelo simples consolo que lhes dava, quando ao domingo, deixada a cidade, iam para o campo, no para fruir o delicado encanto de admirar um bello panorama, mas... para gosar o pantagruelico prazer de devorar um gordo carneiro assado, com o seu alguidar de loiro e assafroado arroz de forno, ou a saborosa pescada frita, com negras azeitonas e fresca e appetitosa salada de alface, acepipes estes que copiosamente regavam com tinto de Basto ou espumoso verde de Amarante. E, se um ou outro tinha uma tal ou qual intuio artistica, porque, l fra, nos grandes museus do estrangeiro, tinha visto qualquer cousa que lhe fizera notar tal, esse, ficava-se n'uma banal indifferena, sem se manifestar aggressivamente contra os systemas adoptados pelos pintores do seu tempo, que apresentavam nos seus quadros composies de conveno e feitas [3] no ar morno dos atelieres, sem a inspeco constante e immediata dos motivos a pintar... Uma Era nova e refulgente, desponta por fim, e os artistas que comeavam pondo de parte os velhos preceitos archaicamente usados, saltam por sobre as barreiras das convenes e correm pelos Campos da Arte, fra, em procura de elementos verdadeiramente verdadeiros, com que possam satisfazer as exigencias do publico mais illustrado e da critica mais independente que auctoritariamente se impe, cheia de razo, para que nos seus trabalhos haja mais naturalidade e menos fico. E, sob este refulgir de um novo sol, que orientado l fra, com as mais modernas noes d'Arte, estudando nas melhores e nas mais celebres escolas de pintura do Mundo, que nos apparece, entre outros, como Columbano, Malhoa, Salgado. Sousa Pinto, Marques de Oliveira, etc., etc., o grande, o sublime Silva Porto! Aquelle que para mim o maior dos paysagistas portuguezes dos ultimos tempos. E que, com o seu modo de ser e de ver, marca d'uma maneira deslumbrante o inicio d'essa nova Era para a pintura portugueza. Assombra-nos esse artista com os seus primorosos quadros feitos n'uma larguissima e franca sentimentalidade d'alma de homem de talento, exuberantes de verdade, geniaes de execuo. Era um grande! Era um sublime artista!... Mas, a Morte rapidamente o ceifa, avara de que elle tenha conseguido to sincera, to verdadeira e to lealmente roubar Natureza verdadeiros e flagrantes pedaos do seu grandioso Ser, para to maravilhosamente os transplantar tela. Ao morrer porm Silva Porto tinha hasteado, bem alto e bem firmemente, a bandeira gloriosa sob que se devia agrupar a nova pleiade dos pintores portuguezes. E, de facto, sob a egide d'essa bandeira que a Arte em Portugal brilha hoje mais fulgurante, podendo pr-se sem vergonha ao lado da Arte dos paizes onde Ella tem um culto mais largo e mais acerrimo. Se no em quantidade, pelo menos em qualidade, os artistas [4] portuguezes de nome, chegam onde podem chegar os artistas notaveis estrangeiros, sem temerem confrontos. E isto porque Portugal d'hoje, embora os pessimistas no queiram, vae avanando intellectualmente um pouco na civilisao moderna. E em taes circunstancias, como dizia Taine, ha bons vinte annos:A Arte o reflexo dos costumes. Antonio de Lemos (Alvaro). Cabea de negra (Bronze) DUQUEZA de PALMELLA NOTAS d'ARTE I Impresses d'uma Exposio Ha muito tempo j, deveria ter vindo dizer da bella impresso que me causou a 1. Exposio organisada pelo Jos Malhoa Instituto de Estudos e Conferencias, mas os meus affazeres obrigaram-me, para gaudio dos meus leitores (pois critica incompetente como a minha quanto mais tarde melhor), a s hoje cumprir este dever. Fui vr a exposio sete vezes, e de cada vez que l ia, novos encantos encontrava nos trabalhos expostos, pois a tentativa do Instituto teve o resultado mais brilhante que podia desejar-se. Concorreram a este certamen desde os nossos melhores artistas at aos mais modestos amadores, e na generalidade todos se apresentaram dignamente, no obstante um critico d'arte ter dito, em um semanario d'esta cidade, que aquelles trabalhos eram meras chromolythographias. Uma duvida me assalta o espirito relativamente aos conhecimentos artisticos e criterio de tal critico. Saber elle o que so chromolythographias? Mas, deixemos a cada um o seu modo particular de vr... e de apreciar, e vamos ao que importa... Demais, a lua est to alta?... [6] Vi, como disse, varias vezes os cento e dezesete quadros expostos, os dous bustos e o medalho em marmore. Jos de Brito Dos trabalhos de esculptura direi apenas que os dous primeiros so obra de Fernandes de S, pensionista do Estado, que em Paris completa a educao artistica do seu muito talento. A cabecita de creana, em marmore, um encanto, aquella boquita admiravel de bb pedia milhares de beijos... O medalho de Joaquim Gonalves uma bella copia de um primoroso trabalho do grande mestre Soares dos Reis. Agora, emquanto a quadros, ponho em primeiro logar, da a quem doer, os dous trabalhos de Malhoa, esse admiravel artista da Luz e da Cr. Eram um assombro os seus quadros. Que grande calamidadejos malhoa O Gozando os rendimentos, estudado com cuidado e traado largamente, empolgou-me por completo e fez-me gosar, conjunctamente com o personagem estudado, toda aquella commodidade natural de bom burguez que procura um amplo jardim publico para fazer socegadamente o seu chylo. Esta impresso forte que tive, confesso-o, foi devida talvez ao meu burguesismo. No Que grande calamidade, as figuras trabalhadas com um rigor de verdadeiro mestre, so flagrantes na sua dor, ao verem o seu querido porco, morto na pocilga. Talvez que, se entre as cabeas das figuras e o rebordo do caixilho houvesse um pouco mais de tela, mais imponentes ellas ficariam. E depois d'isto, de ter dito o meu modo de pensar sobre to primorosos trabalhos, vou, salteando o catalogo, dar a nota dos quadros que mais me prenderam a atteno. [7] Chrysantemosantonio costa Marques de Oliveira, como sempre, distinctamente. inegavelmente um grande desenhista. As suas Impresses de Espinho, so bellas e tanto, que uma foi adquirida pelo Instituto por indicao do jury competente. A Azenha, um encanto, Cabea de estudo, um primor. Greno, a fulgurantissima artista, bem, admiravelmente. Ento os Pensamentos? Esse, era uma delicia. Antonio Costa, para mim o unico pintor portuguez de flores, no desmereceu a sua grande fama e, os Chrysantemos e Na vindima, deram-me a prova evidente da sua muita aptido para este genero de pintura. Candido da Cunha Candido da Cunha, um novo de muito talento, com o seu Ultimos raios de sol, que j conheciamos e que foi adquirido tambem pelo Instituto, com os seusMar calmo, Martyr e Barcos de pesca, merecem hoje, como sempre, os nossos elogios. Julio Ramos, outro novo, paisagista apaixonado e distincto, dando s suas paisagens um tom de verdade admiravel. O Macieiras em flor, em especial e as outras dezeseis telas, lindas a valer. Jos de Brito, um mestre, talvez abusando um pouco das cores finas; todos os seus quadros so bons, mas para mim [8] superior a todos o Mulher do novello, estudo admiravelmente feito de uma velha repelenta, flagrantissima de verdade na expresso do rosto. Na Infancia de Diana, Joo Augusto Ribeiro bello estudo do n, alguma coisa me desagradou vista, especialmente um co que se via nos ultimos planos... Joo Augusto Ribeiro, bem nos seus pequeninos quadros Retalhos, Lar. D. Lucilia Aranha, uma verdadeira artista, cheia de talento e de fora de vontade, mais uma vez affirmou, com os treze quadros expostos, as suas aptides artisticas. Retrato de minha me torquato pinheiro Torquato Pinheiro veio marcar n'esta exposio o seu logar definido e assente ao lado dos bons artistas. Um caminho encharcado, Manh d'Abril, Margens do Lea, e todos os demais so feitos com alma de verdadeiro artista. Mas, a destacar, como primor de execuo, o Retrato de minha Me, que um trabalho notavel. D'entre os amadores, extremarei D. Leopoldina Pinto, com as suas flores, especialmente o Pelargonios, que senti no tivesse preo para ser adquirido. Mais artistas e amadores concorreram a este delicado certamen, mas, no me demorarei na enumerao dos seus trabalhos, porque isso iria ainda muito longe e os meus leitores, decerto, se at aqui chegaram, j bastante se tem aborrecido da semsaboria d'esta minha despretenciosa prosa, que do modo algum aspira ao nome de critica. II PINTORES PORTUENSES JULIO COSTA Convidado a delinear um artigo sobre o pintor portuense Julio Costa, pensei primeiro esquivar-me a tal empreza porque me julgo insignificantemente pequeno para fallar d'este artista. Julio Costa Mas, antepondo a esse primeiro impulso a amizade que lhe dedico, resolvi acceitar o encargo, e, tal como posso, desempenhar esta misso. Ser um artigo despretencioso, sem preoccupao do estylo ou requinte de forma, um artigo modesto como eu e como o temperamento do pintor illustre de quem me vou occupar. No conheo escolas, no discuto artistas, no cito nomes estrangeiros, nem rebusco particularidades de metier. Quando me occupo da pintura e de pintores nacionaes digo simplesmente, indiscretamente, a impresso que os quadros me deixam. Nada mais. E hoje, ao traar estas linhas a respeito de Julio Costa, no venho, acreditem, fazer a apreciao, pretenciosa ou sabia, da obra d'esse pintor; venho simplesmente deixar-lhe, sob o seu nome j aureolado pela critica consciente, o laurel amigo da minha admirao. [10] E posto este preambulo, ahi vae o que me parece dever dizer do Julio Costa. Portuguez de nascimento e condio, alma que se espande na mais suave de todas as alegriasa familiaJulio Costa vem, de ha tempos para c, vivendo quasi exclusivamente para os seus parentes, para os seus discipulos e para os seus trabalhos. Conselheiro Joo Franco julio costa um d'estes homens com quem, mesmo sem fallar, se sympathisa logo primeira vista. lhano de trato, affavel, de maneiras delicadas, cavaqueador emerito, tendo sempre um dito alegre para retorquir a um remoque que se lhe atire. Nunca deixa de chalacear, a no ser quando tem algum dos seus doente. Ento, sim, ento abate-se todo na dr d'aquelle que soffre e deixa-se levar n'essa corrente de magua que o subjuga brutalmente. uma luminosa alma dada ao bem e a tudo quanto bom, e d'ahi a unco deliciosa e meiga com que elle concebe os seus quadros de genero. Hoje, posto em foco, pelo brilhantismo dos seus ultimos trabalhos, deve orgulhar-se de ser um dos pintores preferidos nas commemoraes aos homens notaveis do nosso paiz. O retrato inegavelmente o genero que Julio Costa mais accentuadamente trata e que mais em evidencia o tem collocado. O retrato de El-Rei pintado para o salo do Tribunal da Relao, os retratos de Oliveira Martins, Dr. Ricardo Jorge, Joo Ramos, Dr. Eduardo Pimenta, Conselheiro Campos Henriques, [11] Conselheiro Joo Franco, e muitos outros, so affirmaes publicas do que digo. O primeiro, largo de ideia, magestatico de pose, tocado de iriadas cres, pois assim o pedia o grande do personagem. Collocado no amplo salo do Tribunal toma um aspecto soberbo, que nos infunde respeito. Oliveira Martinsjulio costa O segundo, em que a figura de Oliveira Martins, essa imagem de santo e de philosopho, se nos apresenta sentada em larga cadeira de espaldar, em posio natural de quem entretem uma conversa, ao contemplal-o, como que se escuta a sua voz de mestre, que discreteia sabiamente sobre os intrincados problemas economicos do nosso paiz, ou sobre os notaveis factos da nossa historia. E todos os outros, todos, so verdadeiras obras primas. No esquecerei fallar do seu ultimo trabalho, do retrato do Conselheiro Joo Franco, o homem forte e duro que emprehendeu, n'um arranco de verdadeiro portuguez, remodelar, n'um molde novo e n'uma nova orientao, a marcha dos negocios publicos. D'esse retrato j eu disse, quando tive occasio de o ver pela primeira vez, o seguinte: grande, na magestade da sua tela ricamente emmoldurada, o retrato do snr. Conselheiro Joo Franco. Absorve por completo a nossa atteno. Est executado n'um correctissimo desenho, tocado d'uma distincta tonalidade [12] de cres, n'um flagrante de pose e de semelhana. Ao retrato do Conselheiro Joo Franco s lhe falta fallar para ser o proprio. Quanto mais o contemplamos, mais correcto e mais perfeito achamos este trabalho. A figura parece que se destaca da tela, tal a perspectiva que Julio Costa lhe deu; s vezes como que a vemos mexer-se. Depois, ha um no sei que de vida, que nos faz imaginar que os olhos se movem, que os labios se vo descerrar para fallar. E as roupas, que delicada feitura, que nuances de verdade! Na facha que ella ostenta, vermelha, ha reflexos de moir. O retrato em questo no simplesmente um retrato; mais do que isso: um quadro. Todos estes seus trabalhos nos encantam e deslumbram, porque Julio Costa sabe apanhar tudo quanto v em volta de si. Sabe ver, que o essencial. D'ahi o colher a expresso da Impresso. Mas a Impresso escolhida, no da natureza selvagem, mas sim da natureza civilizada e culta. Julio Costa um civilizado! um delicado! um raffin (desculpem o francez). E esse effeito de raffinerie e essa predileco pela impresso escolhida que elle transporta aos seus retratos. Elle conhece bem o indefinivel e delicado interesse que se desprende das linhas d'um rosto. Elle sabe que nada to impressionante, para ns que contemplamos os quadros, como essas figuras immoveis e mortas... mas que esto vivas!... E os seus retratados vivem nos seus retratos. Em uma palavra, Julio Costa no pinta um retrato do seu modelo... pinta o retrato. Cada uma das nossas sensaes, das nossas emoes, dos nossos sentimentos, cada um dos nossos desejos, das nossas esperanas, dos nossos pensamentos secretos altera constantemente a nossa physionomia. A cada minuto, a cada segundo, qualquer de ns se [13] transforma, e deixamos de ser ento semelhantes a ns mesmos. Mas, Julio Costa sabe discernir n'essas fugitivas transformaes aquelle momento, que sempre da nossa figura, sabe fixar na mobilidade imperceptivel das linhas d'uma physionomia o seu aspecto caracteristico. Sabe reunir n'um gesto a multiplicidade das nossas attitudes. E por isso que Julio Costa, ao pintar o retrato, tem uma grande preponderancia sobre outros artistas. Demais a mais elle possue o que falta a muitos outros, uma bella correco no desenho. Que o desenho no s como muita gente pensa o esqueleto da pintura. No, o desenho uma parte integral d'ella, o desenho a propria pintura. J um celebre pintor francez, cujo nome no recordo agora, dizia dos seus desenhosA cr dos meus desenhos... como se o desenho no fora unicamente uma apresentao do claro escuro. Mas que a pintura sem um bom desenho, onde se definam os tons e meios tons, onde se delineem as distancias e as perspectivas, seria uma coisa chata, sem vida, sem relevo. O Soler architecto, esse bello rapaz cheio de talento que a Morte avidamente nos levou ha um bom par d'annos, dizia-me uma tarde em que me fazia uma preleco sobre as vantagens do desenho:Olhe, se voc quizer um bom quadro desenhe-o primeiro em todas as suas minudencias, com todos os seus effeitos de perspectiva, com todos os seus claro-escuros e, depois, a esmo, cubra isso com as tintas d'uma paleta e ter um bom quadro. Olhe que n'isto de pintura o desenho tudo. E de facto assim : para se poder pintar bem o que preciso primeiro saber desenhar. E Julio Costa sabe desenhar. D'ahi o elle dar aos seus trabalhos uma coreco distincta. Mas, Julio Costa no s notavel no retrato. Julio Costa -o tambem em outros generos de pintura. No assumpto religioso deu este artista provas indiscutiveis das suas aptides. O Calvario, que elle pintou para a egreja do Bomfim, o melhor attestado do seu savoir faire. D'essa obra prima, que veiu abrir uma polemica entre um critico da Palavra e o conego Alves Mendes, dizia este ultimo no seu opusculoA [14] O Calvariojulio costa crucificao de Jesus:Outros quadros de egual natureza adoecem de monotonia e languidez. Este no. tal a firmeza do desenho, tal a riqueza das tintas, tal e tanta a genial inspirao artistica, que a gente admira irresistivelmente e applaude enthusiasticamente esta magistral pintura de Julio Costa. Que melhor e mais auctorisada opinio que a d'este pintor da orao, este artista genial da palavra, que desenha com o seu verbo inexgotavel os mais fulgurantes e mais flagrantes quadros? Como consagrao a um artista no as tenho visto melhores nem mais perfeitas. Quando Julio Costa se entretem a fazer o quadro de genero, tambem, n'esses momentos, no deixa o seu nome em m posio. Ahi, como nos outros trabalhos, elle sabe dar aos seus typos e aos seus assumptos o quer que seja de suggestivo, de impressionante. No cousa simples enumerar a sua obra, porque ella no uma insignificancia. No entretanto, como [15] do meu desejo levar o mais longe possivel a resenha dos seus trabalhos, ahi vae o titulo d'alguns d'elles, que mais se notabilisaram nas exposies onde teem apparecido. Em primeiro logar colloco eu o No Vago, uma pastoral A Ti Annajulio costa de cr, como lhe chamou Oliveira Alvarenga. Era uma larga tela que resumia um delicado poema d'amor. Em plena primavera, sob a luz do lindo sol, uma mooila trigueira e forte, de seios proeminentes, encostada a um pedao de terreno alto e florido, sonha n'um vago presentimento triste. Ia para os trabalhos do campo, levava a sua foice, o seu cesto vindimeiro, o seu chapeu de palha; marcra ao namorado uma entrevista, na esperana d'um doce idyllio, mas o tempo passa, o namorado no vem, e ella, na sobrexcitao do seu amor e do seu ciume, vae desfolhando malmequeres que ora lhe dizem sim, ora lhe dizem no, e, por ultimo, como que adormece n'uma febre d'amor, olhos semi-cerrados, com o pensamento esvoaando no vago... Eis o quadro, que figura l fora, em Berlim, para onde foi vendido. [16] No esquecerei a Romeira, uma fresca rapariga que, em descantes alegres, parte para a romaria. E uma Cabea de estudo, que appareceu na exposio de Arte de 1894, uma linda cabea de rapariga de olhos vivos, labios de coral e com o seu leno de xadrez multicor, que um encanto! O retrato do Quinsinho Souto Mayor, um estudo de creana finamente trabalhado com o seu vestidinho de velludo, onde assenta uma romeira de renda, to bellamente pintada, que dava a perfeita illuso de que eram rendas que alli estavam collocadas sobre a tela. O Vencido, que um bom trabalho tambem, consiste em um rapazito que, aps uma refrega com outros, sae com um brao deslocado; que suavidade de cr, que tristeza nos olhos humidos! O retrato da Ti Anna, essa velhita encarquilhada que, no fundo do seu casebre, junto da lareira, vai fiando a loira estriga a pensar no tempo lindo que passou, quando era rapariga e cantava ao desafio nas esfolhadas e nas espadeladas, soberbo. Hoje, a pobre velha canta as tristes canes com que embala os netos, e fia o linho com que veste os filhos, que outras, que so novas, vo espadelando a rir e a cantar. E tudo isto se traduz n'aquelle quadro, e todo este romance se v alli representado n'uma sentida impresso e n'uma ideal concepo. O Costume dos arredores do Porto, tambem um lindo quadrouma cabecita de rapariga do campo cheia de vida e de frescura. E a Mimalha e a Varanda dos Mangericos e mil outros trabalhos d'elle?... Ah! mas vae muito longo este artigo e o leitor no tem obrigao nenhuma de estar infinitamente a ler-me; por isso, ponto. Julio Costa para mim um pintor que sabe muito da sua arte, digam l o que disserem, e se, dentro da sua modestia, no gostar do que eu agora digo d'elle que me perdoe porque eu s sei dizer o que penso, e isso muito rudemente ainda. III PINTORES PORTUENSES ANTONIO CARNEIRO JUNIOR Conhecendo Carneiro Junior ha muito, por ter tido j occasio de apreciar os seus trabalhos em outras exposies, corri, apressadamente, incumbido por a redaco da Vida Moderna, a vr a nova exposio dos seus ultimos Antonio Carneiro Junior trabalhos, com o grande interesse de conhecer o progresso e o desenvolvimento artistico d'este bello cultor da arte da pintura. E, francamente o confesso, as minhas espectativas confirmaram-se. Carneiro Junior, que era um dos novos que mais promettia, obteve, com o seu estudo no estrangeiro, a verdadeira comprehenso da arte de pintar, affirmando-o desde j com os magnificos trabalhos expostos no atrio da Misericordia. Pintando em todos os generos, como elle mais se avigora, e mais demonstra o seu talento , a meu vr, como pintor de figuras. A paisagem e a marinha no so o genero que mais o tentam, o que no quer dizer que no tenha paisagens adoraveis e marinhas deliciosas. preciso porm notar-se que, quem escreve estas linhas, um mero amador que vem simples e unicamente dar a resenha [18] dos quadros expostos e a sua impresso pessoal, dizendo simplesmente gosto ou no gosto, sem me prender nunca em consideraes sabias sobre o modo de pintar de cada um. No citarei escolas hollandezas, flamengas, etc., etc. com ares sabios de critico emerito. E no o farei, porque entendo que para se escreverem artigos substanciosos e chorudos sobre tal assumpto necessario, antes de mais nada, ter visto alguma coisa d'essas escolas e d'essa pintura, acompanhado isso da leitura de livros da especialidade. E, vulgarmente, no succede assim. Muitos dos nossos criticos conhecem esses quadros e essas escolas porque algum amigo, vindo l de fra, lhes trouxe, como recordao, catalogos dos muzeus que viu por l, e por ahi que elles fazem, a maior parte das vezes, critica. Ora eu, como nunca vi muzeus, Retratoantonio carneiro nem tenho lido livros sobre pintura, no fao critica, fao a minha reportagem, deixem-me assim dizer. E posto isto, l vae a impresso pessoal que me ficou d'alguns dos trabalhos de Carneiro Junior. E elle que me perde se no gostar. Em primeiro logar, se bem que no sejam estes os principaes trabalhos, ponho eu os desenhos a sanguinea-que figuram no catalogo com os n.os 27 e 28, Figuras para a fonte do Bem; 10, Estudo para o quadro do Amor; 6, Estudo para a figura Esperana; 25, Estudo de creana para a fonte do Bem. Os retratos do Marcos Guedes, n. 43; do dr. Alfredo de Magalhes, 34; do Antonio Patricio (filho), 32; de J. Teixeira Lopes, 36; do Claudio, 40; e os dous retratos de R. C., 37 e 38, so magnificos. Em todos elles ha um tom de vida e muito de alma, especialmente [19] nos dois ultimos, em que o artista pe todo o seu sentimento de amor. O quadro Tarde no mar, n. 56, delicioso; como que se sente, ao olhal-o, aquella cadencia ou melopeia que o grande mar sabe cantar quando suavemente beija a areia fina da praia. Campo de trigo, n. 77; em Auvay, impresso de frente, 89; impresso, (Bretanha), 71; em Lea, impresso, 68; o Tamega, (Amarante), 67; o Sena em Auteil, 62; Pinheiros ao cahir da tarde, 57; ...so, para mim, sentidissimas paisagens onde a nossa vista se perde e o nosso espirito se embrenha como em paginas brilhantes da Viagem da minha terra, de Garrett. Ha alli tambem um quadro, Leitura, de que muito gostei. N'um interior de casa escura, luz de um candieiro, tres mulheres, uma das quaes l. admiravel no s de execuo, como de composio. O esboo do quadro Fonte do Bem apreciavel e bem desejariamos vr o quadro definitivo. E, antes de terminar, deixe-me Carneiro Junior dizer-lhe que o seu triptyco, , para o meu fraco entender, um d'estes geniaes poemas que s os grandes artistas sabem conceber. Emquanto sua execuo acho-a primorosa. A Esperana, deliciosa virgem estudada e delineada com toda a pujana d'um bello espirito;O Amorassombroso de execuo; ha n'aquelle cavalleiro todo em ao vestido, a virilidade d'um cavalleiro andante; A Chimera, fundamente abstracta, na sua cr doentia e na sua expresso de verdadeira Fatalidade olha o quer que seja de horrivel, guiando o fogosissimo cavallo em que monta o cavalleiro;Saudadena base d'uma sphinge sonha uma mulher, toda de negro vestida. Quanta doura n'aquella expresso de tristeza! Como o pintor soube dar quella delicada mulher a nota melancolica do que na realidade a saudade! Este quadro seria bastante, para definir o grande talento do artista e o seu temperamento subtil de poeta. Que o artista me perdoe se no disse tanto quanto merecia a sua obra e acceite o parabem sincero de quem s diz o que sente. Maro 1901. IV Thadeu Maria d'Almeida Furtado palavras ditas beira da campa do fallecido professor No , o que vou dizer, uma biographia, nem um necrologio; representam simplesmente estas despretenciosas palavras como que um Thadeu Maria d'Almeida Furtado punhado de saudades espersas sobre a campa, ainda mal fechada, do illustre morto. Conhecendo-o desde ha muito, tive sempre por elle uma d'essas veneraes respeitosas de considerao e amisade, que se tem por aquelles que vivem sempre de cabea levantada e aos quaes no podem attingir nunca as settas envenenadas da m vontade e da calumnia. E por isso que hoje no posso deixar de vir dizer aqui algumas palavras a respeito de quem, sempre se fez querido de todos quantos, uma vez s que fosse, d'elle se aproximaram. Thadeu Furtado foi um dos mais antigos professores de desenho do Porto e dos de mais nomeada; cumpridor dos seus deveres, como poucos, recto nas suas apreciaes, como ninguem, quantas vezes fez elle rebentar essas bolhas de balofa vaidade, com que muitos mediocres se julgavam notabilidades, e a quem o publico inculto tecia os mais rasgados elogios; mas, sincero como era, nunca se pejava de dizer as verdades por mais duras que ellas fossem. [22] Trabalhador incanavel, at ao ultimo dia, em que um desastroso acontecimento o impossibilitou, foi regularmente occupar o seu logar na Academia, onde hoje era secretario e onde em outros tempos fra professor sapiente. E inegavelmente a este trabalhador indefeso, a este morto illustre, que se devem os melhoramentos ultimamente feitos n'aquella casa de ensino artistico. Quantas e quantas vezes, reclamados esses melhoramentos ao governo, foram elles lanados no rol dos esquecimentos, rol lendario, onde so archivadas todas as cousas uteis do nosso querido Portugal. Mas, Thadeu Furtado, com a sua vontade de ferro, ao saber no Porto o conselheiro Elvino de Brito, ento Ministro das Obras Publicas e antigo discipulo da Academia das Bellas Artes do Porto, a elle foi e depois de lhe mostrar, provando de visu a necessidade urgente d'aquelles melhoramentos, conseguiu o que at ali ninguem tinha conseguido. E portanto a este querido morto que se deve o ser hoje a Academia de Bellas Artes, seno um modelo de escolas para o seu genero, pelo menos um estabelecimento que no nos envergonhar quando mostrado a estrangeiros profissionaes. E, doa a quem doer esta minha affirmao, mas Thadeu Furtado vae fazer muita falta nossa Academia. Como professor foi sempre correctissimo, muito sabido no seu mtier, e a prova d'isso est, em que, todos os nossos grandes pintores de ha sessenta annos para c, foram todos seus discipulos e todos teem manifestado esta mesma opinio. No fui seu discipulo, mas fui seu amigo e unicamente como tal que venho aqui depr tambem a minha eterna saudade, que to grande, como foi a minha considerao e a minha amisade. E, para terminar esta minha sincera e triste despedida, consenti, meus senhores, que vos manifeste tambem aqui um grande desejo:Como todos bem o deveis comprehender, uma divida tem a Academia a pagar ao seu respeitavel professor e ao seu incanavel secretario; e essa divida s poder ser paga perpetuando-lhe a memoria com um monumento digno d'elle. Grato me seria, portanto, saber que os alumnos da Academia de Bellas Artes, reunidos aos professores, lanaram mo da ideia de que seja collocado o busto de Thadeu Furtado nos claustros da mesma Academia. [23] E, para realisar tal ideia, no tero mais do que fazer fundir em bronze um busto, que a familia do fallecido possue, feito, salvo erro, pelo brilhante estatuario Teixeira Lopes. E assim, como preito de homenagem ao professor morto, ficar ligado ao seu nome o nome d'um professor vivo que inegavelmente a primeira gloria da esculptura portugueza.Disse. Maro 1901. Leno em rendasd. maria augusta bordallo pinheiro V PINTORES PORTUENSES ARTHUR LOUREIRO Arthur Loureiro, esse grande artista que durante Arthur Loureiro no seu atelier tantos annos viveu longe de ns, n'esse bello paiz, a Australia, e que uma vez c, filho do Porto, amando o seu ninho com um amor especial de artista, apoz a sua primeira exposio onde nos mostrou que era um delicado pintor de figura, com os seus retratos, e os seus typos admiravelmente executados, vae para bem perto do Porto, para Villa do Conde e cheio de vontade e repleto de savoir faire, lana tela lindos quadros que so como filigranas da arte pintural. Antes porm de atacar o assumpto que [26] nos obriga a tomar da penna e rabiscar estas linhas permittam-se-nos algumas phrases ligeiras de introito. Ao entrarmos no atelier de Arthur Loureiro, decorado com uma distincta simplicidade, tem-se a suave impresso que o artista que ali trabalha um bom e um delicado. Confortavel e amigo, aquelle atelier sem preteno a luxo, todo elle resuma elegancia e bom gosto. Sem estofos custosos, meros cobrejes de farrapos, em tons escuros, biombos simples de couro lizo, moveis de linhas correctas desenhados por o proprio artista e executados sob a sua direco, d'um effeito soberbo! O indifferente, que ao acaso ali v, tem com certeza a impresso de que entrou na casa d'um amigo. Barra, Foz-Douroarthur loureiro D'entre os moveis, que guarnecem o atelier, destaca-se um largo divan-estante com as costas pintadas a sepia, que nos d a impresso de uma pirogra ......Buy Now (To Read More)
Ebook Number: 30926
Author: Lemos, António de
Release Date: Jan 11, 2010
Format: eBook
Language: Portuguese
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