A Fome de Camões

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A Fome de CamõesQuando no mundo o Genio abandonado expira fome e ao frio, indignamente, um livido...
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Author: Leal, António Duarte Gomes,1848-1921
Format: eBook
Language: Portuguese
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Author: Leal, António Duarte Gomes,1848-1921
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A Fome de Camões

Quando no mundo o Genio abandonado expira fome e ao frio, indignamente, um livido remorso ensanguentado sacode o mundo tenebrosamente. Como o arrepio d'um terror sagrado, alguma cousa grita intimamente: como uma voz terrivel que suspira nas cordas vingativas d'uma Lyra. E essa Lyra s feita d'ameaas. Essa Lyra s feita de vinganas. Essa Lyra s falla de desgraas, d'antigos crimes, de crueis lembranas. Essa Lyra espedaa e quebra as taas, calla os festins, e faz parar as danas, e essa Lyra ai! da tragica innocencia a Lyra terrivel da Consciencia. E a Lyra diz: O que fizeste, mundo! das grandes almas unicas, sagradas, das grandes frontes d'um sonhar profundo que eram as frontes as mais bem amadas? O que fizeste d'esse abysmo fundo de vontades mais rijas do que espadas, d'esses simples e santos coraes que faziam chorar as multides? O que fizeste d'essas linguas d'ouro que sabiam pregar como os prophetas? Como enxugaste o seu comprido chro? Como arrancaste as ponteagudas settas? O que fizeste, mundo! do thesouro que vs homens mortaes chamais poetas: mas cujo nome d'harmonias bellas s o sabem as Cousas e as Estrellas? Deitaste ao lodo, rua, e aviltamento esses que adora a Natureza inteira, esmagaste entre as pedras o talento, os seus craneos quebraste, na cegueira! As suas cinzas espalhaste ao vento! Profanaste os seus louros na poeira! E repousam sem lastimas nem lousas os que viam as lagrimas das Cousas!... Por isso me ouvirs em toda a parte como um soluo e um grito vingador, n'uma alta torre, atraz d'um baluarte, entre os festins, nas convulses do amor. Na paz, ou levantando o estandarte da guerra, escutars a minha Dr. Por que eu, mundo! guarda-o na lembrana, --Eu sou a Lyra, e a minha voz Vingana! E o mundo escuta, indefinidamente, a voz da Lyra a protestar terrivel. Ouve-a na sombra, ou pelo sol poente, se o vento dobra o cannavial flexivel, ouve-a nos sonhos, ouve-a intimamente, n'uma continua musica inflexivel, at que emfim vencido n'esta lia o mundo clama: Faa-se a Justia!-- Era uma noute livida e chuvosa, ermas as ruas, ermas as caladas. Nada cortava a solido brumosa, nem ais d'amor, nem gritos de facadas. Das nuvens colossaes acastelladas smente a meia lua silenciosa, boiava em morto ceu ermo d'estrellas, como um navio que perdeu as vellas. Quem que cruza chuva e ventania, meia noute, as ruas solitarias? s tu santa Miseria, que de dia foges da luz do Sol, o pai dos prias? Ou s tu Fome ou Vicio, que sem guia, vaes nas noutes sem lua, mortuarias, provocar o Deboxe e os estrangeiros baa luz dos tristes candeeiros? Destino! Destino!--eu sei a historia de muitas das tragedias soluantes, de muito nome que esqueceu a Gloria, de muitos prantos que cairam d'antes! Sei que riscam teus dedos flammejantes, como uma sina m, muita memoria, e que nada ha maior e mais escuro do que o brilhante e o bronze do teu muro! Mas no quero contar o drama agora do Brilhante, do Leque, e do Farrapo, da meretriz que no bordel descra, do amor do Charco, do histrio, do sapo; nem a fara de sangue a toda a hora, do Ouro e do Velludo--o rico trapo, nem a sina immoral sinistra e crua da historia diabolica da Rua. Um dia eu contarei a extranha lenda Destino! dos teus encantamentos, seguirei, passo a passo, a tua senda Miseria! e direi os teus tormentos. Para que a alma da Ral aprenda, contarei os crueis temperamentos, Direi o Incesto a amamentar os filhos, e o Parricida a esvasiar quartilhos. Um dia accenderei a selva escura das almas que suffocam nascena, das noutes s riscadas d'amargura, como um phosphoro risca a treva densa. E com a ponta d'um brilhante duro marcar-te-hei tragica Doena que vais, limpando as lagrimas internas, fazer um toast Morte nas tabernas. Um dia evocarei os teus mysterios, tragedia da Rua e os teus segredos, mais funestos que os tristes cemiterios, mais profundos que os bastos arvoredos: direi sonhos, desejos quasi ethereos, desejos que teem azas nos degredos, d'uma alma que ama o Azul, o Azul almeja, como a agulha da torre d'uma egreja. Um dia esfiarei todo o rosario da Innocencia e da Fome aventureira, do Luxo, do Egoismo solitario, do Genio soluante na trapeira, da Virtude embrulhada em seu sudario, pedindo esmolla sua irm rameira, e o Crime dando bailes d'apparato, em quanto o Justo expira no grabato. Descobrirei as contas da Avareza junto ao esquife d'uma virgem bella, o Tedio bocejando lauta meza, a Fome da mansarda na janella, a Inveja ululando contra a preza, como uiva lua a lugubre cadella, e o Suicidio, nas manhs geladas, espedaando o craneo nas caladas. Um dia cantarei a ladainha da Desgraa e da Forma triumphante, da Espada que tilinta na bainha, da Mascara que ri e passa avante, da Fome que ergue as mos e se definha, do Leque, da Batina, e do Brilhante das lagrimas mortaes do eterno Entrudo, das miserias do Cancro e do Velludo. Por que tem muito que cantar o imperio e o inferno da Carne e dos desejos, porque eterno e livido o mysterio da Morte. So eternos os almejos. Por que ha lagrimas do bero ao cemiterio, ha lagrimas no Amor e at nos beijos, prantos communs e de grotescos traos nas miserias dos reis e dos palhaos. Porque tem muito que cantar as scenas Rua! das extranhas odysseas das tuas festas, procisses serenas, do negro sangue que te agita as veias. Por que ha remorsos, lagrimas e penas entre os motins e os frenesins das ceias. Por que n'esta funesta e eterna fara. ai! tanto chora o actor como o comparsa. Por que ha bastantes coraes vencidos, altos desejos que no mais voaram, sinistros ais e intimos gemidos lagrimas mudas que se no choraram. Sim, ha soluos que no so ouvidos, lagrimas mortas que se congelaram, n'uma miseria, um abandono nobre como um enterro n'uma rua pobre! Porque ninguem conhece onde termina o tregeito que r, solua, engana, porque a eterna Mascara domina, e uma esfinge cada face humana. Porque a Morte em ns ceifa uma ruina, quando nos rouba na aza deshumana, e esta mulher que ri com tanta graa, talvez uma lagrima que passa! Mas agora eu s conto o Irrevogavel, mais monstruoso do que um sonho ardente, conto a historia funesta, inexoravel, do Genio morto fome, indignamente. Quero narrar o que o innarravel! fazer sentir o que jmais se sente, fazer chorar o choro masculino Do Genio contra a noute do Destino! O Genio um archanjo refulgente que enrista a lana contra a escura Sorte, tem no seu gesto uma expresso potente, que diz: eu quero! e empallidece a Morte. Para o Vulgo porem vil inclemente, e o Destino esse cego antigo e forte, um guerreiro tragico e proscripto, e a fronte tem como um luar maldito. Este vulto, portanto, que caminha altas horas, ao frio das nortadas, Cames que de fome se definha nas ruas de Lisboa abandonadas. Cames a que a Sorte vil mesquinha faz em noutes de fome torturadas, elle o velho cantor d'heroes guerreiros!... vagar errante como os vis rafeiros. Morreu-lhe o escravo, o seu fiel amigo, o seu amparo e seu bordo no mundo, morreu-lhe o humilde companheiro antigo, no seu peito deixando um vacuo fundo. Hoje pois triste, velho, sem abrigo, faminto, abandonado e vagabundo, tenta esmollar tambem pelas esquinas. lagrimas!.. glorias!.. ruinas!.. Mas no estende o valoroso brao, que outr'ora trabalhou entre os guerreiros, a mo recusa-se a suster o passo dos transeuntes raros, sobranceiros. A Fome roe-o, curva-o o canasso. Cospem-lhe a neve, a chuva, os aguaceiros. caladas fataes! nas enxurradas vae muito fel de lagrimas choradas. Capites! Capites egoistas! duras velhas mais duras que o granito! ha caso mais sublime s vossas vistas que mais vos deva merecer um grito, mais negro, mais cruel para os artistas, mais sagrado, dramatico, infinito, que mais abale os nobres peitos francos que um Genio pobre e de cabellos brancos!?... O Genio continua ventania a errar pelas ruas silenciosas, como um espectro que dissipa o dia, como as grandes estatuas dolorosas. Assim a noute vaga, na agonia dos martyres das noutes trabalhosas, at que o sol jorrou pelas viellas, e ensanguentou os olhos das janellas. Comeam-se a ouvir esses rumores das capitaes egoistas acordadas, a musica dos carros chiadores que chegam das aldeias retiradas. Recomeam as pombas seus amores sobre as brancas egrejas penduradas, e nas torres dos astros companheiras, a palpitar, nas glorias, as bandeiras. Comeam-se a ouvir as matutinas musicas da cidade, e as alegrias dos gallos com as notas crystallinas dos sinos com extranhas simphonias. O sol lava de glorias as collinas as torres, os beiraes, as gelosias, e como a moa que um amante beija avermelham-se os vidros d'uma egreja. Dos passaros retinem os gorgeios nas arvores, nas pontas dos eirados, os vis riachos, os lodosos veios, correm ralhando, ao sol, precipitados, os cavallos remordem os seus freios, vo passando aldees para os mercados, e atraz dos lentos carros os boieiros veem sombrios, graves, e trigueiros. Somente ao Genio uma tristeza enorme entenebrece todos os ruidos, como um sombrio corao que dorme, que j no tem nem sonhos, nem gemidos! S sente uma saudade extranha, informe, como aroma dos tempos revolvidos, das grandes selvas, sombras e palmeiras quando o sol desce as ingremes ladeiras. Os aldees tisnados dos trabalhos, recomeando as horas das fadigas, recordam-lhes os picos carvalhos a sombra, os bois, as sestas to amigas! Fazem lembrar-lhe as curvas dos atalhos, a ermida, a fonte, os fenos, e as cantigas, que elle escutara, pelas luas claras, s louras raparigas nas ceras! Lembram-lhe a India, os templos monstruosos, com seus deuses terriveis, singulares, as arvores de fructos venenosos, as bastas selvas, os gentis palmares! Lembram-lhe os tigres ruivos, sequiosos, que vo beber a rios como a mares, e pelas noites immortaes, eternas! o luar nas figueiras das cisternas E elle quizera achar-se em alto monte, em cima tendo os astros por juizes, dizendo adeus ao sol no horisonte, acabar os seus dias infelizes: na boa terra Me deitar a fronte e entre as vegetaes, entre as raizes, misturar sua vida e acerbas dores com as almas das plantas e das flores! Para o velho cantor eram fugidos ai! como luz que para sempre expira, os bellos tempos jovens e lusidos, as mulheres ideaes que o Amor inspira! Rotos, chuva, os tragicos vestidos, posta de parte, empoeirada a lyra, achava-se hoje n'uma rua, mundo, velho, faminto, pobre, e moribundo! Sem ousar mendigar, como um vadio, vaga nas ruas da Cidade egoista. A tarde chega, o bello sol fugiu. A noute vem, que o corao contrista. Irrompe a lua sobre a verde crista d'um monte ao longe, e no lagedo, ao frio, o Genio cae emfim, hirto e sem falla, como um cadaver que se deita valla. N'este momento uma mulher gigante, que pareceu sair d'um pesadello, pallida e triste, qual saudade errante, deixando ao vento as ondas do cabello, to magra como a Sombra, o seu semblante toldado d'um desgosto immenso e bello, chegou-se ao Genio hirto e abandonado, como a viso d'um sonho torturado. E disse-lhe: Bem perto d'esta rua dar-te-ho, mendigo, uma guarida, no dormirs lividez da lua e ters leito onde acabar a vida. Se a Sorte t'esmagou, a Sorte crua, ergue a cabea pallida e abatida, e ri contente, triste, para a ea, que em breve vai findar a tua pea! A mulher ajudou a levantal-o. Cingiu o brao ao Genio moribundo. A Morte que passava em seu cavallo deu-lhe um sorriso livido e profundo. --O teu semblante, velho, d-me abalo, disse a mulher. No vulgar no mundo! Dize-me pois que cousas tenebrosas te ho cavado essas rugas dolorosas! Eu fui--o Genio disse--um malfadado cantor d'heroes e feitos dos antigos! Amei tudo que grande e desejado, e terrivel luctei contra inimigos! Sentei-me no castello derrocado, no deserto solar, cruzei os p'rigos! E com saudade emfim d'estas collinas, quiz expirar-lhe, um dia, entre as ruinas! Ninhos fizeram no meu peito amores, como andorinhas sobre as cathedraes! Conheo o aroma das malditas flores! Sei os soluos dos compridos ais! Sobre o deserto pallido das Dres, ninguem como eu peregrinou jamais! E pelas noutes regeladas, cruas, chorei com fome, errando, pelas ruas! Porm que porta negra agora abriste? Que aspecto este morto e desolado? Acaso o inferno depois d'isto existe? Acaso pesadello desmanchado? --Cala-te! disse a Sombra magra e triste, Cala-te, Genio immenso, desgraado! E com sorriso d'expresso fatal a Sombra concluiu-- o hospital! ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 21855
Author: Leal, António Duarte Gomes
Release Date: Jun 18, 2007
Format: eBook
Language: Portuguese
Publisher: Empreza Litteraria Luso-Brazileira de A. Souza Pinto, e Livraria Industrial de Lisboa & C.a Typ. Occidental
Publication Date: 1880

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