Ensino intuitivo

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Author: Telles, João José de Sousa,1826-1903
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Author: Telles, João José de Sousa,1826-1903
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Ensino intuitivo - livro destinado às mães e paes de familia e às professoras e professores de instrucção primária

Title: Ensino intuitivo Subtitle: livro destinado s mes e paes de familia e s professoras e professores de instruco primria Author: Joo Jos de Sousa Telles Release Date: September 28, 2010 [EBook #33817] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Setembro 2010) ENSINO INTUITIVO LIVRO DESTINADO S MES E PAES DE FAMILIA E S PROFESSORAS E PROFESSORES DE INSTRUCO PRIMARIA POR JOO JOS DE SOUSA TELLES Socio honorario da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, Socio honorario da Sociedade Pharmaceutica Lusitana PROFESSOR DE PORTUGUEZ E INTRODUCO HISTORIA NATURAL LISBOA FERREIRA, LISBOA & C.a 132Rua Aurea134 1873 ENSINO INTUITIVO ENSINO INTUITIVO LIVRO DESTINADO S MES E PAES DE FAMILIA E S PROFESSORAS E PROFESSORES DE INSTRUCO PRIMARIA POR JOO JOS DE SOUSA TELLES Socio honorario da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, Socio honorario da Sociedade Pharmaceutica Lusitana PROFESSOR DE PORTUGUEZ E INTRODUCO HISTORIA NATURAL LISBOA FERREIRA, LISBOA & C.a 132Rua Aurea134 1873 LISBOA TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE THOMAZ QUINTINO ANTUNES IMPRESSOR DA CASA REAL 110Rua dos Calafates Ill.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro Jos Silvestre Ribeiro Ha annos, ouvindo os louvores, que intelligencia e probidade de V. Ex.a tecia um dos mais peregrinos talentos de Portugal, o grande poeta, hoje Visconde de Castilho, senti irresistivel desejo de ler os escriptos de V. Ex.a e de o conhecer em pessoa. Dessedentei-me agradavelmente e com muito proveito, nas numerosas paginas, que da penna de V. Ex.a haviam saido, umas reunidas em volumes, outras espalhadas pelos periodicos, todas porm rescendendo suave e, digamos assim, castissimo perfume de natural bondade e heroicas virtudes, qualidades que para mim valem muito mais que toda a erudio, e que realam sobremodo a que v. ex.a possue vastissima, colhida no incessante estudo de quantos engenhos famosos tem opulentado as sciencias, as artes e a litteratura. J eu, havia muito, conversava com V. Ex.a em espirito e me reputava seu discipulo amicissimo, quando tive a boa fortuna de fallar a V. Ex.a e de ser por V. Ex.a acolhido com a benevolencia, que lhe conquista a sympathia de quantos o tratam. Data d'esse dia a nossa amizade, confiado na qual ouso offerecer a V. Ex.a este livro modestissimo, que se alguma cousa vale pela boa f com que foi escripto. sympathico o assumpto; creio que mais um brado pedindo a to necessaria reforma do ensino infantil e primario na casa paterna e na escola, que to pouco tem ainda de paternal. Ser perdido, como os que o viajante extraviado soltaria no deserto, implorando o favor dos homens? Talvez. Incessantemente ha clamado o nosso probo amigo o Sr. Visconde de Castilho, e nem aquella potentissima intelligencia, nem aquella phrase, que nos faz acreditar a fabula de Orpho, nem a auctoridade d'aquella quasi intuio do bom e do bello ha conseguido, que amanhea para as criancinhas o dia da sua regenerao intellectual. No serei eu mais feliz; mas dar-me-hei por bem pago do trabalho, que puz em escrever estas paginas, se uma s me, que seja, ou um s mestre, aproveitar os conselhos, que lhes dou, e se, quando mais no obtenha, uma criancinha me dever algumas lagrimas de menos e algum bom ensinamento a mais. Associando o nome illustre e venerando de V. Ex.a a esta obrinha, imito o bom do Aim Martin e posso dizer a V.a Ex.a o que elle disse ao mavioso Lamartine. En vous offrant ce livre, je n'ai qu'un but, c'est de rattacher mes paroles aux vtres, c'est d'tayer leur faiblesse de votre force, ma raison de votre raison. Je veux qu'on dise un jour: Ceux-ci ont connu les veritables biens, ils se rencontrrent dans la mme foi, ils s'aimrent devant le mme Dieu. De V. Ex.a Admirador muito amigo Joo Jos de Sousa Telles. Lisboa 7 de julho de 1873. ENSINO INTUITIVO O livro, que hoje publicmos, uma tentativa modesta de acclimao de uma ida excellente, que l por fra tem produzido optimos resultados. Applaudem-na unanimes os mais insignes pedagogistas inglezes, allemes, americanos, francezes, e belgas; e ainda que tantos homens competentissimos em assumptos de ensino e educao nol-a no apregoassem famosa, bastaria a simples enunciao d'ella, para que enthusiasticamente a adoptassemos. Antes, porm, de exprmos minudenciosamente a ida nova, e nova lhe chammos attendendo ao pouco que se tem vulgarisado em Portugal, de razo nos parece conversarmos amigavelmente com o leitor cerca de alguns pontos da educao e instruco elementar. a educao da puericia e da juventude a mais gloriosa e ao mesmo tempo a mais difficil obrigao, que Deus impoz ao homem e mulher. luz da philosophia e da moral, a paternidade [10] e a maternidade consistem menos em gerar o infante, do que em desenvolver-lhe e aperfeioar-lhe incessantemente as faculdades da alma e do corpo, at que possa cumprir os seus deveres e arrostar as contrariedades da vida na curta, mas trabalhosa peregrinao, que principia no bero e acaba no tumulo. Incumbe, pois, aos paes empregar todos os meios ao seu alcance, para que os filhos, creaturinhas imbelles, que a Providencia confiou a seus cuidados, cheguem no mais curto espao de tempo, e pelo emprego de processos razoaveis, amenos, e repassados de amor e ternura ao estado de perfeio physica, intellectual e moral, que constitue o homem, tal qual deve ser, tal qual Deus quer que elle seja, tal qual a sociedade bem organisada o requer, para obreiro prestadio da civilisao. Infelizmente, nem todos os paes conhecem os seus deveres; e dos que os conhecem, muitissimos ha, que os no cumprem, ou por modo mui imperfeito se desempenham d'elles. D'esta ignorancia e negligencia funestissimas provem os maiores males, que affligem a humanidade, males para os quaes a maior parte das vezes no ha remedio. Tratando de assumpto differente, disse um douto, que muitas descobertas se poderiam fazer, se opportunamente perguntassemos: Por que? Appliquemos o engenhoso e facil processo de Arago ao exame das causas determinantes de alguns vicios [11] sociaes, e convencer-nos-hemos de quo exacta a nossa assero. Estamos na via publica. De toda a parte se nos apresentam creanas esfarrapadas, semi-nuas, esqualidas, famintas, petulantes; revolvem-se umas na lama e no p; dormem outras, tiritando, chuva e ao vento; estas divagam estendendo a mo asquerosa e pedindo uma esmola aos que passam; aquellas soltam dos labios rosados palavras, que fazem enrubecer os que as ouvem. Chamae-as, e perguntae-lhes quem alli as deixou, flres no esterquilinio, passarinhos implumes entre abutres esfaimados, anjos manchando as azas na sujidade das caladas. Responder-vos-ho: Nossas mes e nossos paes. Ides vosso caminho, alegre, tranquillo, olhando em redor, vendo prepassar trens sumptuosos, soberbos cavallos, mulheres elegantes, homens felizes e descuidsos. Chega-vos aos ouvidos um echo, um gemido, um choro infantil; olhaes... Que vdes? Na soleira de um portal, vestida em uns andrajos, quasi morta de fome e de frio uma criancinha, cujas faces, em vez de serem orvalhadas pelas lagrimas da materna alegria, e aquecidas pelos beijos fervidos da que lhe deu a existencia, se humedecem com as lagrimas da amargura infantil. Levantae o pobresinho, apertae-o contra o peito, osculae aquella carinha de jasmim e rosas, e perguntae-lhe: [12] Anjo meu, que barbaros te deixaram aqui abandonado? E a innocencia vos responder, no com palavras, que as no sabe ainda articular, mas com ternissimos soluos: Abandonou-me meu pae e minha me. Alm vae caminho do cemiterio, a tumba, que andou de porta em porta recolhendo os miseros, cujas familias no poderam coalhar o bastante para o modesto funeral dos seus parentes. Fazei-a parar; mandae que a abram; olhae para dentro. Horror! exclamareis vs ao ver por entre os adultos exanimes, em sacrilego desarranjo, um bando de creanas quasi esqueletos, rachiticas, chagadas, meio apodrecidas, com signaes evidentes de terem vindo ao mundo com o estigma da morte profundamente gravado nas frontes innocentes. Martyres obscuros, podereis vs dizer-lhes, para quem o mundo no teve nem uma cora, nem uma palma; estrellas cadentes, que brilhastes um momento e desapparecestes n'um eterno occaso; quem assim vos macerou os corpinhos, e vos deu a beber o fel da morte ao alvorecer da vida? E a mudez sombria d'aquellas florinhas envenenadas na hastea, e emurchecidas antes de desabrocharem, responder: Nossos paes e nossas mes. Vdes aquelle peralvilho, aquelle afeminado, todo pomadas, todo essencias, gesto insolente, olhar altivo [13] e desdenhoso, que vae rindo e galhofando com outros da sua ral. Parou, fazem-lhe roda, applaudem-n'o outros taes. Que bocadinhos de oiro estar elle a dizer? Escutae-o. Mfa da religio, que desconhece; insulta os sacerdotes, que acertam de passar junto d'elle; escandalisa as donzellas; zomba dos ancios; aos pobres, em vez de os esmolar, despede-os insolente. Indagae como to cedo se depravou aquelle moo, que deveria estar ainda sentado no banco da escola. Dir-vos-ho que incuria paterna deve elle toda a sua ruina. Entrae no templo a presencear as augustas ceremonias, que rememoram a angustiosa paixo e morte do grande amigo da humanidade. Que observaes? A turba irreverente, descomposta, sacrilega, rindo, conversando, ostentando galas, trocando gracejos, costas para os altares, olhares distrahidos, attitudes grosseiras e vilans. Quantas preces saem d'aquelles labios? Que pensamentos povoam aquellas mentes? Que piedosos affectos existem em tantos coraes? Escandalisa-vos o desacato? Quereis saber porque na egreja esto, como no poderiam estar na casa da opera? Chamae de banda um dos levianos e perguntae-lhe o que lhe ho dito seus paes da grandiosa tragedia do Calvario; do incruento sacrificio, que a [14] representa, da respeitabilidade do altar, do valor das preces humildes e sinceras? Responder-vos-ha, sorrindo: No vos comprehendo; meus paes nunca me fallaram d'essas coisas. Que vozearia aquella? Porque tantos gritos, tamanho borborinho? Ergue-se um homem mal trajado, e arenga turba. Poucas palavras tem dito, e j uns o applaudem phreneticos, j outros o vituperam enfurecidos. o povo soberano, que usa e abusa de seus direitos. A onda encapellada das ruins paixes sobe, sobe, invade a improvisada tribuna e derruba o Demosthenes improvisado. Todos fallam, todos proclamam a ida nova. Ouamol-os. Abaixo os padres, no precismos d'elles; abaixo a religio, que para nada presta; acabemos com a propriedade, os ricos s querem beber-nos o sangue; viva o communismo, grita um; viva o socialismo, que melhor, responde outro; nada, nada d'isso, venha a republica. Acabemos com os tributos e seremos felizes; e o exercito para que serve? Elimine-se o exercito. Pedi instruco, pedi ensino facil, bom, universal, escolas primarias a cada canto, bibliothecas populares, livros optimos ao alcance de todos no preo e no estylo; pedi moralidade, diz com voz firme e [15] sonora um operario, fronte ampla, respeitaveis cans, rosto sereno, mo calejada pelo trabalho. Fra com o visionario brada a turba. Que quer dizer instruco? Para que servem os livros? Para que prestam as escolas? regouga um miseravel, em cujo rosto se retrata a ignorancia e occiosidade; e bradando turba, aps si a leva canada, mas no saciada de disparatar. Dirigi-vos ao operario honesto e prudente e informae-vos de quem sejam aquelles doidos. Uns infelizes, dir elle, bons coraes, ms cabeas. Pobresinhos todos; porm mais pobres de instruco que de dinheiro, porque todos tem aptido para o trabalho, mas a todos faltou a educao. No tiveram paes, como eu felizmente tive, que os mandassem ensinar. A mr parte nem ler sabem, nem fazer o seu nome. Se lhes fordes perguntar o que seja republica, socialismo, communismo, salario, religio, exercito, boa f vos affirmo que no podero responder coisa que geito tenha. Mas deixemos estes homens, nem todos maus; muitos bonissimos, desvairados pela febre ardente de antigos e profundos padecimentos, que buscam a verdade e o bem, como os alchimistas da idade media, por meios absurdos e inconvenientes, mas que tem a coragem de affrontar os perigos, de sacrificar a propria vida, e de soffrer com a resignao dos martyres dos primeiros seculos do christianismo esses hediondos supplicios, a que ainda [16] hoje o mundo civilisado assiste com profunda magoa e indignao. Volvamos os olhos para aquell'outros. D'onde vem? Das enxovias. Para onde vo? Para o degredo. Homens, mulheres, crianas! Deixam a patria, os amigos, as familias, os formosos campos, onde nasceram, este co to puro, este sol to esplendido, este clima to amoravel, este abenoado e feracissimo torro, para irem em paizes inhospitos luctar com a morte opprobriosa, ralados de saudades, roidos de remorsos, despreziveis aos olhos de todos, e condemnados pela voz implacavel da propria consciencia. Vm alli assassinos, sacrilegos, perjuros, fratercidas, patrecidas, ladres, incendiarios; todos os crimes, todas as torpezas, todas as infamias, o lodo asqueroso de todas as humanas miserias, as trevas da ignorancia preversa, a lepra do grande corpo social. Ponde os olhos n'aquelle quadro, mes e paes. No interrogueis os que o crime despenhou; no insulteis a desgraa; no amargureis mais aquelles coraes devastados e corroidos pelo crime, onde poder haver ainda alguma fibra incorrupta e sensivel; mas perguntae a vs mesmos que educao receberam aquelles miseros de seus progenitores? que sorrisos e carinhos lhes cercaram os beros? [17] que palavras ouviram aquelles entes ao entrar na vida? que exemplos tiveram para seguir? quaes as escolas, a que os mandaram? que affectos semeiaram n'aquelles coraes? quantas vezes lhes apontaram para o co e lhes fallaram de Deus? que noes lhes deram da verdade, da justia, da honra, do dever? que meios empregaram para lapidarem aquelles diamantes? que processo adoptaram para desinvolver-lhes a intelligencia? E se no acertardes com as respostas a estas e a muitas outras perguntas, que o caso suscita, ide-vos por essas cidades, e villas, e aldeias, e povoados e indagae a historia de cada um d'aquelles infelizes. Raro achareis que se prevertesse o que dos paes houvesse recebido desvelada educao. Mas o que educao desvelada? Eis o ponto importantissimo, para o qual chammos a atteno de todos. No o desenvolveremos aqui. Assumpto para um livro, e j larga e proficientemente tratado por grandes mestres da sciencia de educar. Diremos apenas, que muitos paes e mestres ha, por desgraa nossa e d'elles, que no comprehendem nem a extenso, nem a intensidade da palavra educar. Para uns educar crear, nutrir o animal, desenvolver-lhe o physico; e nem sempre conforme os dictames da medicina e da hygiene. Para outros educar iniciar a criana nas Para outros educar iniciar a criana nas regras [18] mais elementares da leitura, da escripta, da contabilidade e de uma arte ou officio. No falta quem se vanglorie de ter educado bem, excellentemente, seus filhos, por que lhes deu mestres de linguas antigas e modernas, de geographia, de historia, de philosophia e de muitas outras cousas mais. Tal se orgulha de ver o herdeiro de seu nome sair laureado de uma escola ou academia e entrar na sociedade precedido da fama de optimo estudante. Tal outro se julga em paz com a sua consciencia e se tem por excellente educador, porque o mancebo, cujos primeiros estudos dirigiu, das columnas de um jornal assombra o mundo com seus artigos, ou deleita as turbas com versos, que reputa mais correctos e melodiosos que os de Cames, Garrett ou Castilho. E consistir em to pouco a sciencia difficilima de educar? No, mil vezes no. Que vale ao homem, a quem Deus concedeu uma certa poro de intelligencia, susceptivel de indefinido desenvolvimento, crescer e medrar no physico, permanecendo-lhe embryonaria a melhor das faculdades? Que vale ao homem, que poderia elevar-se pelo estudo, pela leitura, pela applicao das potencias da alma e vir a ser um poderoso auxiliar do progresso da humanidade, qualquer que fosse a sua posio social, saber apenas os primeiros rudimentos das artes de aprender, e tanto pela [19] superficie, que nem d'elles se possa servir, a no ser nos mais simples usos da vida? Quantos e quantos dos que cursaram as escolas e as academias, e n'ellas se distinguiram, tiveram mais trabalho em debellar os erros da educao elementar do que em arcar com as difficuldades, e segredos das sciencias superiores? E quantos no vem dos institutos scientificos imperfeitamente instruidos, no por culpa dos mestres, nem d'elles mesmos, mas pela incuria e ignorancia dos paes e dos primeiros educadores? Todos os homens intelligentes, que tem consagrado a vida ao magisterio superior, reconhecem e confessariam, se quizessem, que a falta de cultivo intellectual nas edades tenras difficulta extremamente aos estudantes a comprehenso das sciencias, e os inhabilita para tirarem dos cursos mais bem delineados as vantagens, que d'elles poderiam obter. D'ahi a meia sciencia, as ideas falsas, a confuso dos principios, a impossibilidade das grandes concepes, a timidez na applicao pratica, o desamor do estudo, que fecunda o que nas aulas se ouviu, e a propenso para a preguia, que se contenta com o pouco cabedal adquirido e no busca grangear mais. Se das escolas superiores passarmos s secundarias, encontraremos as mesmas causas produzindo os mesmos effeitos; e dir-nos-ho os professores intelligentes e zelosos, que das mos dos paes [20] e dos primarios educadores, receberam a mr parte dos alumnos com os olhos do espirito to cerrados ainda, que de todo desconheciam as verdades mais elementares e intuitivas, os phenomenos mais simples e intelligiveis, as relaes mais claras. Na escola primaria, o professor instruido, que comprehenda quanto tem de nobre e grandioso o seu ministerio, em apparencia to humilde, na realidade to augusto; que considere na criana o homem e no homem o futuro todo inteiro da humanidade; que abranja com a vista o largo horisonte das criaturinhas, que o rodeiam, e que deseje dissipar as trevas d'aquelles entendimentos com luz tenue e suave, como convem a edades infantis, tem ainda a luctar com os defeitos da educao domestica, que devendo ser a primeira, a mais engenhosa, a mais insistente, e mais efficaz, muitas vezes nulla, muitas quasi nulla e quasi sempre deficiente. E se o que vamos dizendo se applica em cheio educao das faculdades intellectuaes da puericia, que so ainda assim, as que os paes de ordinario mais appetecem ver desenvolvidas nos filhos, outro tanto se pde asseverar da educao physica e moral. Conhecida a doena, urge accudir-lhe com o remedio. J o bom do Genuense, mestre de nossos paes, mestre de muitos de ns outros, que hoje ensinamos e que suppmos ter alguma valia, e to injustamente esquecido e mettido para o canto, relembrava a regra de Ovidio: [21] Principiis obsta, sero medecina paratur, cum mala per longas invalure moras. Acode ao doente apenas a molestia d o primeiro rebate; que de nada lhe prestar o remedio, tardio. E haver remedios, que prestem para os males de que enferma a educao elementar? Ha, e muitos; o caso est em applicar-lh'os a tempo e judiciosamente. No todos apontaremos aqui, porque no este livrinho um tratado de pedagogia, mas to smente um, que valer por muitos. remedio barato, condico esta que no para desprezar; de facil manipulao; composto de simples, que por toda a parte e a toda a hora se acham; e por cima de tudo isto, to agradavel, que em vez de lhe fazerem caretas, os que o devem tomar, o appetecem e pedem sequiosos e nunca fartos de saboreal-o. este remedio o Ensino intuitivo. Para applical-o, diga-se j e bem alta e claramente, nem todos servem. Em mos de ignorantes converte-se em veneno, e em vez de beneficios, s produz males. indispensavel, pois, que paes e mestres, que hajam de o empregar, possuam profundo e variado cabedal de conhecimentos. Antes, porm, de entrarmos a dizer o que este ensino seja, convem que nos lembremos das condices organicas, physiologicas e intellectuaes das crianas. [22] o infante um organismo em via de formao, incompleto, fransino, em que a vida animal consiste quasi exclusivamente no movimento tumultuoso, na expanso incessante, na assimilao continua. Abriu os olhos ha pouco, e ainda no teve tempo de ver bem o grandioso espectaculo da natureza, cujos protentos o deslumbram; descerraram-se-lhe hontem os ouvidos, e por isso lhe echoam l dentro, ainda confusas, as harmonias, os ruidos, as palavras, que mal percebe; aspira sofrego os aromas, que rescendem as flores, mas no os distingue; sabora o nectar, mas querer tambem provar o fl e degustar o absintho; apalpa enlevado a pelle assetinada e suavissima das faces maternas, mas queimar-se-ha incauto na chama da vla, que admira, sem a comprehender. No intimo, na cabea, cujos ssos ainda se no consolidaram completamente, no corao, que palpita violento, jorrando sangue para todo o corpo, comeam de germinar as idas e os affectos, cuja elaborao de hora para hora, de dia para dia, de mez para mez se complica, e transmitte com incrivel velocidade. So dois mundos luctando atravez do fragil envolucro, que chammos corpo; o mundo externo, cujos variadissimos factos contempla attonito sem suspeitar que os determinam infinitas leis, que os encadeam reciprocamente innumeras relaes, e que sobre elle actuam incessantemente: o mundo interior, o mundo dos sentimentos, das ideas, dos [23] affectos, cuja admiravel genese comea, e que ha de irromper atravez dos sentidos, e reagir violento sobre os modificadores de fra. A creana porque um ente material, que tende a completar-se, carece de muita alimentao, de muito sol, de muito e bom ar, de muito movimento, de liberdade, e de sensaes variadas, mas suaves, que a deleitem, e que attraiam a sua atteno. Se todas ou algumas d'estas condices lhe faltarem vel-a-heis extinguir-se subito, como a luz de uma vla mingua de oxigenio; ou estiolar-se e pender para o tumulo, onde no tardar a sumir-se, como a planta, que germinou em solo arido e assombrado. Como creatura intelligente e moral, necessita que lhe dirijam e robusteam as faculdades, proporo que se forem desenvolvendo, ministrando-lhes objectos apropriados s foras das mesmas faculdades, e em quantidade tal, que nem as cancem, nem as desgostem. No desprezo d'estes principios est, a nosso ver, o primeiro e mais funesto erro do actual systema da educao infantil. Na maxima parte das escolas da puericia entram quotidianamente as criancinhas faltas do indispensavel alimento, e alli se conservam largas horas em casas estreitas sombrias e mal ventiladas, respirando ar infecto, inhibidas de fazer os movimentos, que a sua edade imperiosamente reclama, sem [24] horisontes extensos e ridentes, que as alegrem, sem nada que as encante e lhes deleite os sentidos. O mestre, seno carrancudo e severo, quasi sempre sufficientemente serio e concentrado, para no lhes incutir a confiana e amr, que so os mais suaves e ao mesmo tempo os mais fortes laos, que prendem o discipulo ao perceptor. Comea a lio. No ha canticos, nem musicas, nem exercicios gymnasticos, nem historiasinhas, que alegrem aquelles coraes e instruam aquellas mentes nas coisas, que com maior facilidade poderiam comprehender. Para os mais pequeninos, para aquelles que mais se lembram ainda dos beijos maternaes e das douras da casa paterna, o triste e monotono a, b, c, as aridas columnas do syllabario, e a empyrica taboada. Para os mais crescidinhos, a grammatica, a historia patria, a chorographia, a doutrina christ. Que percebem os pobres infantes de tudo aquillo, que involuntariamente decoram, e machinalmente repetem? Nada, ou quasi nada. Tomae d'entre os alumnos de uma escola o mais adiantado, o mais estudioso, o que mais talento revele, e interrogae-o. Ouvil-o-heis repetir o compendio, mo ou bom, com certa facilidade e elegancia; mas se lhe perguntardes o sentido de uma palavra, a razo de um facto, vel-o-heis crar e emudecer, porque a elle, o estudante eximio, deixaram [25] sempre em pouso as mais nobres faculdades da alma, excitando-lhe apenas, e ainda assim por um processo defeituoso, a faculdade auxiliar, a memoria. Olhar com seriedade para a educao e instruco da infancia, e reformal-a completamente, adequando-a s edades dos estudantinhos, e tornando-lh'a facilima, deleitavel, e todo o ponto util, no s necessidade urgente, seno dever impreterivel. O primeiro passo para esta grande reformao, que o bom senso, a sciencia, a caridade, e o interesse de todos ns esto ha muito a pedir a grandes brados, dar-se-ha quando os governos, os municipios, as associaes e os particulares se resolverem a edificar casas para escolas infants, e primarias, espaosas, alegres, agasalhadas, com o seu jardim, meio descoberto, meio assombrado com arvoredo, tendo no centro um pequeno lago ou tanque e aos lados alguns apparelhos e jogos gymnasticos; quando a frequencia da escola infantil, preparo para a primaria, fr obrigatoria; quando o ensino da infancia fr esclusivamente confiado a mulheres intelligentes, instruidas, honestas e amoraveis, que do corao se consagrem ao ministerio sacratissimo de educadoras, e que a todos os discipulos, amem e acarinhem, como se fossem todos elles seus filhos queridos; e quando finalmente o Ensino intuitivo se tornar obrigatorio e exclusivo nas escolas infants; e obrigatorio, como auxiliar [26] de qualquer outro, nas escolas primarias e secundarias. Muitos annos ho de decorrer, infelizmente, primeiro que se realizem estes nossos alvitres. Levantar-se-ho contra elles os ramerraneiros, os enthusiastas do passado, os indifferentes, os que no crem no aperfeioamento humano comeado a operar na escola infantil, os que s vem a prosperidade publica, no exercito, nas estradas, nos caminhos de ferro, nos telegraphos electricos, nas escolas superiores, nas academias, e nos museos, como se tudo isto no estivesse a pedir, para ser verdadeiramente util, muita e slida instruco no povo, muita moralidade, e muito amor ao trabalho, e como se estas indispensaveis qualidades as podesse ter uma nao, onde no ha escolas infants, onde as escolas primarias so pouquissimas e defeituosas, onde os methodos de ensino so ruins, e onde os professores, muitos d'elles dignissimos e habeis, so to vergonhosamente retribuidos, que para pobrissimamente viverem, tm de se occupar em misteres totalmente alheios do ensino e educao. Muitos annos, repetimos, ho de decorrer primeiro que os exemplos da America, generosissima com a instruco primaria, sejam imitados na extrema Europa. No o quer o deficit, exclamaro os financeiros, e applaudil-os-ho todos os que mais ou menos manuseam o oramento do estado. [27] Se a indole d'este escripto o permittisse, facil nos seria impugnar esta nefasta e incessante invocao da pobreza publica, e mostrar que em Portugal o que falta, e muito, verdadeiro patriotismo, sincera vontade de progredir, a iniciativa individual nos arrojados commettimentos, caracteristicos dos povos, que comprehendem os seus deveres de membros da grande familia social e que os no pospe aos seus interesses particulares. Colhmos, porm, as vlas s consideraes, que todos estes assumptos nos suggeriram, e entremos j a dizer o que seja o Ensino intuitivo, e as vantagens que d'elle resultam. Todos os que lidam com crianas tero percebido que nas primeiras idades o homem dominado incessante e invencivelmente pela curiosidade, ou desejo de saber; que para saciar esta inclinao empregam os infantes no s os olhos, mas os outros sentidos; que ao verem um objecto, mrmente se lhes agrada, ficam diante d'elle como que absortos, com os olhos mui abertos, s vezes quasi sem pestanejar; que se lh'o consentem, tomam nas mosinhas o que primeiro estiveram vendo, e o apalpam, a principio com timidez, depois com afoiteza; que o levam ao nariz, e bocca, e que por fim comeam de separar as partes de que se compe, se no inteirio. Apoz tal exame, e s vezes simultaneamente, chovem as perguntas: O que isto? [28] Quem fez? De que ? Para que serve? Quem trouxe? Tero tambem observado os educadores, que n'estes exercicios instinctivos, as criancinhas, em geral, no comparam, nem por consequencia raciocinam. Fazem como as abelhas, que andam de planta em planta, de flr em flr, colligindo os materiaes com que mais tarde ho de fabricar o seu mel. Com a differena que as abelhas nasceram aptas para aquella industria e nunca em vez de mel nos do outro produto; e as criancinhas, artistas novis, mas livres e dotadas de intelligencia perfectivel, podem pela maneira imperfeita porque as suas faculdades intellectuaes e moraes se comearem a desenvolver, e continuarem a exercer-se, viciar de tal arte o espirito, que de futuro ou nada possam conhecer bem, ou s com extrema difficuldade e grande dispendio de tempo. Em aproveitar as naturaes tendencias da infancia e juventude, em amenisar-lhe o comeo da extensa e espinhosa senda, que tem de percorrer na vida, em desenvolver-lhes e aperfeioar-lhes gradual e insensivelmente as faculdades; em enriquecer-lhes de copiosos e variadissimos conhecimentos o espirito; em formar-lhes o corao, desenvolvendo n'elle astuciosamente o gosto do bom, do bello e do verdadeiro; em habilital-as o mais cedo possivel, sem a minima violencia, para a vida pratica, deixando [29] para tempo opportuno theorias e systemas, para comprehender os quaes mister intelligencia robusta, em que consiste o Ensino intuitivo. este ensino primeiro que tudo dos sentidos externos, os quaes maneira que se vo exercendo sobre os objectos, para lanarem no espirito os germes de quantas sciencias e artes ha, se aperfeioam insensivelmente, adquirindo cada dia mais vigor e aptido. pois indispensavel que os educadores procurem especialmente que as criancinhas empreguem os sentidos, ora simultanea, ora successivamente, nas cousas que tenham de estudar, que as vejam de perto, que as tomem nas mos, que as cheirem, que as provem, quando no houver inconveniente, que as dividam e recomponham, sem que se lembrem de que esto a estudar. Tudo servir para estes exercicios intuitivos, se o educador tiver instruco variada e profunda. Tudo servir, por que, como disse Jacotot: Tudo est em tudo. Um gro de areia, um alfinete, uma agulha, um boto, um palito, uma moeda de prata ou cobre, a folha de uma arvore, um bago de uva, sero compendios to importantes como um cavallo, uma ave, um peixe, um relogio, uma caixa de musica, ou uma machina de cozer. Milhares de cousas baratissimas se podero apresentar aos estudantinhos para larguissimamente os instruir; muitissimas haver em todas as casas, [30] taes como cadeiras, mezas, pennas, papeis de differentes qualidades, flres, fructos, relogios, thesouras, campainhas, etc. De um sem numero de objectos se podero obter modelos em ponto pequeno ou de madeira ou de papelo, ou de qualquer outra substancia apropriada. Na falta absoluta de exemplares naturaes, que so os melhores, ou de copias em vulto, que servem perfeitamente, sendo bem feitas, empregar-se-ho com muita vantagem estampas coloridas ou em negro. O que deve ser banido das escolas infants o syllabario, a taboada, o cathecismo, a grammatica, o compendio de chorographia e o de civilidade. Da exposio, exame e comparao das coisas ou das estampas, segundo o processo que j vamos indicar, que as crianas ho de ir colhendo as idas exactas e claras, que depois sabero associar s mil maravilhas, formando espontaneamente o ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 33817
Author: Telles, João José de Sousa
Release Date: Sep 28, 2010
Format: eBook
Language: Portuguese

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