Theóphilo Braga e a lenda do Crisfal

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Theóphilo Braga e a lenda do Crisfal Title: Thephilo Braga e a lenda do Crisfal Author: Delfim...
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Author: Guimarães, Delfim de Brito,1872-1933
Format: eBook
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Author: Guimarães, Delfim de Brito,1872-1933
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Title: Thephilo Braga e a lenda do Crisfal Author: Delfim de Brito Guimares Release Date: May 15, 2008 [EBook #25479] Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Nota de editor: Devido quantidade de erros tipogrficos existentes neste texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Maio 2008) Thephilo Braga E A LENDA DO CRISFAL Obras de Delfim Guimares PROSA: Alma dorida, com prefcio de Teixeira Bastos, 1 vol broch. 500 ris A Viagem por terra do snr. Joo Penha, (crtica literria) 1 folh. 100 O Rosquedo (Scenas da vida de provncia) Esgot.o Ares do Minho (Contos) 1 vol. broch. 200 Bernardim Ribeiro: O poeta Crisfal (Subsdios para a Historia da literatura portugusa) 1 vol. broch. 800 EM PREPARAO: Luis de Cames.Diogo Bernardes. VERSO: Lisboa Negra, 1 fol. 200 Confidencias, 1 vol. broch. 400 Evangelho, 1 vol. 400 No! Mil vezes no! 1 fol. 200 Sim! Mil vezes sim! 1 fol. 100 Sonho Garretteano Esgot.o A Virgem do Castelo, (2. edio) 1 fol. 100 reis Outonaes, 1 vol. broch. 500 NO PRELO: Flores do mal (interpretao em versos portuguses de poesias de Carlos Baudelaire) TEATRO: Aldeia na Crte, drama em 3 actos, de colaborao com D. Joo da Camara, representado no D. Amelia, 1 vol. broch. 500 ris Juramento Sagrado, comedia n'um acto em verso, representada no D. Maria II, 1 fol. 200 A PUBLICAR: Domingo de Pscoa, pea de costumes minhotos OUTROS TRABALHOS: A Dama das Camelias, de Dumas, filho (traduo), 1 vol. broch. 200 ris Saudades, (Histria de Menina e moa), de Bernardim Ribeiro, edio revista (vol. 29 da Coleco Horas de Leitura) 200 Trovas de Crisfal, de Bernardim Ribeiro, edio revista 300 Versos portuguses, de S de Miranda, edio revista 500 DELFIM GUIMARES Thephilo Braga E A Lenda do Crisfal 1909 Livraria Editora GUIMARES & C.a 68, Rua de S. Roque, 70 Lisboa THEPHILO BRAGA E A LENDA DO CRISFAL I Razo de ser d'este livro Quando em maio de 1908 tornamos pblica a concluso a que haviamos chegado de ser Crisfal um pseudnimo do autor da Menina e moa, como procurmos demonstrar no volume recentemente dado estampa: Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal), tinhamos o convencimento pleno de que uma tal nova, divulgada pela imprensa, seria bem acolhida por quantos se interessam pelo estudo da nossa Histria literria, com excepo apenas do snr. dr. Thephilo Braga. O laureado professor do Curso Superior de Letras no perdoa a quem quer que seja que ouse discordar de suas sentenas, nem v com bons olhos que outros, que no s. ex.a, encarem problemas que se prendam com a Histria da literatura portugusa. E n'este caso do Poeta Crisfal, mais do que em nenhum outro, o snr. dr. Thephilo Braga no desejava que ninguem bulisse, pelo motivo que teremos ocasio de apontar no decurso d'este livro. No contavamos com o acolhimento benvolo [6] do infatigavel escritor. Para fundamentar o nosso juizo, bastava-nos invocar os precedentes sabidos, tristemente lembrados, e, muito em especial, o desforo pouco generoso do snr. dr. Thephilo Braga para com a memria d'esse desventurado que se chamou Antero,porque o poeta incomparavel dos Sonetos ousara flagelar o dogmatismo scientfico do antigo camarada universitrio; o fel que o plumitivo da Historia da Litteratura deixa transparecer nas apreciaes com que, baldadamente, procura amesquinhar a figura gigantesca de Herculano,porque o insigne historiador nacional jmais se associou aos turibulrios do filsofo comtista (sem calemburgo);o desdem com que o professor de literatura apoda, soberanamente, de gramtico, o distinto romanista, snr. Epiphnio Dias,por este haver despedaado, com a autoridade do seu nome, aquela inveno alegre dos cantos de ledino, em que o snr. dr. Thephilo continua a persistir, apesar de tudo, com manifesta falta de sinceridade. Mas no ignorando taes precedentes, e conhecendo que o estudo que iamos apresentar ao pblico no deixaria de nos acarretar a m vontade do autor da Histria da Litteratura Portugueza, nem por um momento hesitamos em levar a bom termo o nosso trabalho, tendo em ateno tam smente que se tratava de desfazer uma lenda, estpida como tantas outras lendas, que privava de parte da glria a que tinha jus o nome aureolado de um dos maiores poetas portuguses, o delicado e inditoso Bernardim Ribeiro, o nosso querido Bernardim. Derruamos a coluna em que se firmava um espantalho, mas erguiamos a um pedestal mais [7] grandioso e altvolo a figura amoravel do grande bucolista. A literatura portugusa s ganhava com a descoberta. Que, se alguma cousa perdesse, era sobeja compensao o que se conquistava para a verdade histrica... Mas a proclamao de uma tal verdade ia prejudicar um livro, ou livros, do snr. dr. Thephilo Braga... No havia dvida. Que importava isso? Para reivindicar para Bernardim Ribeiro a autoria da Carta e da cloga de Crisfal, no valeria a pena sacrificar uma das muitas produes do operoso escritor? Bernardim Ribeiro um dos astros fulgurantes da rtila constelao que brilha, intensa e perduravelmente, no ceu de Portugal. J conta alguns sculos, e ainda hoje nos deslumbra o seu fulgor... Aps a local produzida pelo snr. dr. Alfredo da Cunha no seu Diario de Noticias, dando conta dos nossos trabalhos de investigao, que punham termo lenda de Crisfal, tivemos a ventura de ver que o snr. Jos Pereira Sampaio (Bruno) havia chegado a concluso idntica nossa, como foi registado n'um brilhante artigo de Joo Grave no Diario da Tarde, do Porto, confirmado inteiramente por uma carta de Bruno, reproduzida no jornal citado, em que o prestigioso publicista, com a reconhecida autoridade do seu nome, que nada deve ao reclamo, afirmava de maneira absoluta que estavamos com a verdade; que o trovador Cristovam Falco era simples produto de uma lenda, que o criptnimo Crisfal pertencia a Bernardim Ribeiro. Do artigo do nosso camarada Joo Grave, e [8] da carta do ilustre escritor snr. Jos Sampaio, no faremos citaes n'esta altura. Ambos os preciosos documentos se encontram integralmente exarados no nosso livro Bernardim Ribeiro. No os desconhecem, por certo, aqueles que nos do a honra da leitura d'este trabalho. Como recebeu o snr. dr. Thephilo Braga essas comunicaes do Diario de Noticias, de Lisboa, e do Diario da Tarde, do Porto? Passando a Jos Pereira Sampaio (Bruno), e a ns outros, um diploma de ignorantes! Em 29 de maio, um amigo salientou-nos no jornal A Epoca a seco que o escritor snr. Silva Pinto tinha a seu cargo, e que n'essa data estampava, reproduzida do Diario da Tarde do Porto, a seguinte carta do snr. dr. Thephilo Braga: Meu caro Joo Grave:Encantou-me o favor da sua carta, communicando-me o problema litterario que preoccupa o nosso velho amigo e luminoso critico Jos Sampaio sobre a apochryficidade do auctor do Crisfal, e que annuncia o primoroso litterato Delfim Guimares. sempre boa a vindicao d'uma verdade em qualquer campo: no campo litterario e artistico, isso tem o relevo d'uma conquista, d'um triumpho. Ninguem mais desejaria que fossem possiveis, isto realidade demonstrada, as descobertas de Sampaio (Bruno) ou de Delfim Guimares, sobre a identidade de Christovam Falco em Bernardim Ribeiro. Isso, porm, no passa d'uma miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos historicos[1]. Diogo do Couto falla em Christovam Falco como celebrado auctor do Crisfal, quando narra factos praticados por seu irmo Damio de Sousa. Ora, Diogo do Couto, contemporaneo d'este na India, inventava-lhe um irmo? E tendo sido impresso o Crisfal sem nome d'auctor, (no pliego-suelto da Bibliotheca Nacional de Lisboa) dava-o como auctor d'essa celebrada cloga a capricho seu? O Padre Antonio Cordeiro, na Historia Insulana, (resumo das Saudades da terra, do dr. Gaspar Fructuoso, amigo de Cames) tambem faz as mesmas referencias ao poeta Christovam Falco. E a edio de Ferrara, de 1554, e a de Colonia, de 1559, inscrevendo o seu nome? E Frei Bernardo de Brito, fazendo a Silva de Lisardo, ou segunda parte do Crisfal, falla nas serras de Lor-vam, onde esteve D. Maria Brando, a namorada d'este poeta do Crisfal. [9] Nada d'isto leva a admittir a hypothese. No emtanto, que tragam a lume os seus resultados. A vantagem de ns todos. Com um abrao do seu, etc. Theophilo Braga. Para o professor do Curso Superior de Letras, a concluso a que, tanto Bruno como ns, haviamos chegado, no passava d'uma miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos historicos, e esta sentena autoritria vinha a pblico quando o snr. dr. Thephilo Braga ignorava em absoluto quaes os argumentos com que ns e o insigne publicista nosso conterrneo procurariamos fazer vingar nossas teses. Magoou-nos a impertinncia, confessamos, e no resistimos a manifestar publicamente a impresso em ns produzida pela prosa do snr. dr. Thephilo Braga, dirigindo n'esse mesmo dia a seguinte carta a Joo Grave, que este distinto jornalista fez inserir no numero de 1 de junho do Diario da Tarde: Meu prezado camarada Joo Grave:Acabo de ler, reproduzida por Silva Pinto na Epoca, a carta que o snr. dr. Thephilo Braga dirigiu ao meu caro Joo Grave a propsito do trabalho que preparo, em que me proponho demonstrar que Crisfal foi simplesmente um anagrama cabalstico de Bernardim Ribeiro, pertencendo por conseguinte a este lrico as poesias que uma lenda fez atribuir a Cristovam Falco. [10] O nosso bom amigo e erudito escritor Jos Pereira SampaioBruno, como se viu da interessante carta que estampou no Diario da Tarde, como complemento ao artigo que o meu caro Joo Grave publicou sobre o assunto, chegara a concluses eguaes, e para mim foi extremamente grato que o nome prestigioso de Bruno viesse valorizar a minha descoberta com a grande autoridade do seu concurso. Ao ilustre professor, snr. dr. Thephilo Braga, afigura-se isto uma miragem, por falta de conhecimento dos existentes recursos historicos, que cita, desde Diogo do Couto a frei Bernardo de Brito. Peo-lhe, pois, meu caro Joo Grave, a fineza de dizer no seu jornal que conheo perfeitamente os recursos histricos a que alude o incansavel historiador da Litteratura Portugueza, como no podia deixar de conhecer pela leitura das edies do Bernardim Ribeiro e o Bucolismo do snr. dr. T. Braga. Que Bruno no ignora nenhum d'esses recursos, estou convicto, que, de resto, nem o distinto escritor snr. dr. Thephilo Braga pde ter dvidas a tal respeito, porque isso seria fazer ofensa ao justificado nome literrio de Jos Sampaio. Para fechar, devo ainda dizer-lhe, meu bom amigo, que de modo nenhum eu vou sustentar que no existiram vrios cavalheiros com o nome de Cristovam Falco. Se estes no tivessem existido no tomaria vulto at aos nossos dias a lenda do Crisfal! No o enfado mais. Creia-me, com verdadeira estima, seu amigo, adm.dor e obg.do S/C. Lisboa, 29-maio/90. Delfim Guimares. A Bruno tambem no passou despercebido o amavel diploma do professor do Curso Superior de Letras, e que o ilustre escritor se sentiu melindrado prova-o suficientemente a carta que dirigiu a Joo Grave, e que, confiados na benevolncia do sr. Jos Pereira Sampaio, vamos [11] trasladar das colunas do jornal A Epoca, que a reproduziu do Diario da Tarde: Meu caro Joo Grave:Novamente o venho importunar, pois entendo que, perante a carta, alis to bondosa e honrosa para mim, do dr. Theophilo Braga, hontem inserta no seu jornal, me cumpre consignar em publico, ainda uma vez, que aps o apparecimento do livro de Delfim Guimares, defendendo a propozio de que Christovam Falco no mais do que Bernardim Ribeiro, eu publicarei o meu, j por V. na sua folha duas vezes amavelmente annunciado, e onde, entre outros, sustentarei egualmente o mesmo ponto, pensando que refutarei ahi cabalmente as asseres, na sua carta de hontem no Diario da Tarde, pelo nosso doutissimo confrade e illustre publicista produzidas, mostrando ento, com todo o respeito devido a to indefesso e insigne trabalhador, que a minha hypothese (e de Delfim Guimares) no tal uma miragem e que, pelo contrario, o ensino corrente no assumpto que inteiramente phantastico e chimerico. A V., prezado collega, reitero os protestos do meu agradecimento. Todo seu Porto, 27 de Maio de 1908. Jos Pereira Sampaio (Bruno). O snr. dr. Thephilo Braga achou que era prudente no voltar estacada, e assim deixou passar em julgado a nossa carta e aquela em que o snr. Jos Sampaio, por uma frma categrica, visando directamente as lies ministradas pelo professor de literatura, declarava que o ensino corrente sobre Cristovam Falco era inteiramente phantastico e chimerico. Na elaborao do livro: Bernardim Ribeiro (O Poeta Crisfal) obedecemos ao propsito de no converter o nosso trabalho n'uma diatribe, e procuramos suavizar quanto possivel a situao em que eramos forados a colocar o snr. [12] dr. Thephilo Braga, em obedincia verdade, e no porque nos animasse qualquer desejo de ser desagradaveis ao infatigavel vulgarizador. E, procedendo assim, entendiamos cumprir um dever, que tinha sobeja justificao nos cabelos brancos do professor do Curso Superior de Letras, cuja primeira edio do seu Bernardim Ribeiro coincidiu com o ano do nosso nascimento. No esquecemos nunca que fomos educados no respeito devido velhice. No trabalho da reviso das provas do nosso estudo, em que fomos auxiliados pela prestante amizade de Henrique Marques, mais de uma vez modificmos referncias feitas ao professor que contraditavamos, e sempre da melhor vontade substituiamos um adjectivo, suavizavamos a salincia de um erro do Mestre, desde que o nosso amigo Henrique Marques, com o seu apreciavel critrio, nos fazia notar que uma palavra, uma frase nossa, poderia ser tomada como um desprimor para com o snr. dr. Thephilo Braga. Queriamos fazer vingar uma obra de justia; no era nosso intento agravar quem quer que fosse. E que no fomos descortses, nem violentos, nem injustos, para com o professor que contraditavamos, prova-o o testemunho insuspeito do eminente publicista snr. Jos Caldas, que nos honrou com uma carta penhorantssima, de que reproduziremos neste lugar algumas linhas: A delicadeza das suas referencias, com relao aos auctres cujas concluses no acceita ou impugna, verdadeiramente modelar. Se houvessemos sido menos cortses para [13] com o snr. dr. Thephilo Braga, s. ex.a no se julgaria, com certeza, no dever de agradecer-nos a oferta do exemplar do nosso trabalho que entendemos enviar lhe. E o professor do Curso Superior de Letras escreveu-nos a agradecer o livro, embora na sua carta transparea o despeito que lhe produziu o nosso estudo sobre Bernardim Ribeiro, em que desvendamos vrios erros contidos em volumes da Historia da Litteratura Portugueza. Registmos aqui essa carta do snr. dr. Thephilo Braga, que no deixa de constituir um documento interessante para aqueles que seguirem com ateno a marcha dos acontecimentos provocados pela pendncia literria em que estamos envolvidos. , textualmente, como segue: Lisboa, 25 de Novembro de 1908 ...sr. Delfim Guimares e meu presadissimo amigo [14] Muito me penhora a honrosa offerta do seu recente trabalho, em que apresenta o seu processo para a identificao do poeta Bernardim Ribeiro com o Crisfal ou Christovam Falco. A ninguem interessaria tanto o conhecimento d'este problema, como a mim, que esbocei uma biographia de Christovam Falco com elementos historicos (documentos authenticos) comprovando dados genealogicos. Tive de ler immediatamente o seu livro, para vr que materiaes traria para o aperfeioamento do meu trabalho. Mesmo no prologo fez-me V. a justia de que eu aproveitaria tudo quanto se prestasse a futuras emendas. Desde as noticias genealogicas trazidas por Braancamp Freire sobre D. Maria Brando, que Christovam Falco amou, sendo ambos muito creanas, via-me forado a tomar o nascimento d'elle no fim do primeiro quartel do seculo XVI. Isto me impossibilitava de continuar a admittir as relaes pessoaes de Christovam Falco com Bernardim Ribeiro j velho e dementado em confidencias de amor com um rapaz no vio da mocidade; e por tanto as Eclogas em que elle figurava interpretativamente tinham de ser lidas a outra luz. V., acabando de fazer a destrina entre o Poeta e seu primo mais antigo, deu-me elementos para uma melhor interpretao das Eclogas de Bernardim, (eliminadas as relaes com Christovam Falco), e mostrando como realmente as poesias d'aquelle, como mestre, influiram no mais moo, que como novel chega a fazer centes e intercalaes de versos de Bernardim Ribeiro. Ha uma affirmativa historica, de Diogo do Couto, na sua Decada VIII, que, fallando de Damio de Sousa Falco, accrescenta como reforo historico: irmo de Christovam Falco, aquelle que fez aquellas cantigas nomeadas do Crisfal... E tambem no seculo XVI Fructuoso (resumido pelo P.e Antonio Cordeiro na Historia insulana) diz de Christovam Falco: parente do Baro velho e do famoso poeta Christovam Falco, que fez a celebre Ecloga Crisfal das primeiras syllabas do seu nome... Tambem nas edies de Ferrara e Colonia, feitas por curiosos sem criterio litterario se repete a attribuio que dizem ser de Christovam Falcam, ho que parece alludir o nome da mesma Ecloga. No se podem refutar por negativa estes testemunhos de homens de letras do seculo XVI, e que se reflectiram nos genealogistas. A Ecloga do Crisfal no podia ser publicada pelo seu auctor, nem pelo seu consentimento porque era uma inconfidencia de antigas relaes amorosas com uma senhora que estava casada. A edio sem data, de Lisboa, s podia ser feita por 1542, quando Christovam Falco estava em Roma; e quando Cames foi para Ceuta em 1547 na carta que d'ali escreveu emprega muitos versos do Crisfal, que ento, andava no gosto. Na edio de Lisboa vem duas estrophes supprimidas no texto de Ferrara e Colonia, por que continham uma inconfidencia. Isto leva a explicar como Christovam Falco tentaria apagar a paternidade da Ecloga fundamentando-se-lhe a imputao com o anagramma das primeiras syllabas do nome. Os logares communs a Bernardim Ribeiro e Christovam Falco provam mais a favor da imitao de um discipulo, do que fuso dos dois poetas, repetindo-se o mestre na decadencia. Emfim ha dois schemas de paixo amorosa que se no confundem: o de Joanna e Fauno, Aonia e Bimnarder, e o de Maria e Crisfal. So duas almas, sentindo em situaes differentes. Atravs de todo o hypercriticismo o livro sobre Bernardim Ribeiro revela um trabalhador fervoroso, que me veio revelar a existencia de um exemplar da edio de Ferrara, no Porto, e que aqui descobriu o texto precioso da Ecloga Alexo assignada por S de Miranda. Felicitando-o pelo seu importante estudo, sou [15] admirador obr.mo e amigo Theophilo Braga Comea a carta do snr. dr. Thephilo Braga por um rebuado de ovos: o tratamento de prezadissimo amigo, que no tinha qualquer justificao... Isto , tinha uma justificao nica, qual era a de nos adoar a bca, para engulirmos sem relutncia aquela amargosa plula com que fecha a epstola de s. ex.a, quando, com generosa magnanimidade, confessa que o nosso livro revelou um trabalhador fervoroso, que ao professor do Curso Superior de Letras foi revelar a existencia de um exemplar da edio de Ferrara, no Porto, e que em Lisboa descobriu o texto precioso da ecloga Alexo assignada por S de Miranda. E, graas a estas revelaes-revelativas, a que no ligavamos importncia de maior, o historiador da Litteratura Portugueza felicitava-nos pelo nosso importante estudo, que, volvidas algumas semanas, havia de classificar de fruto de processos ta! Na devida altura, comentaremos largamente a carta substanciosa do snr. dr. Thephilo Braga. Por agora, continuemos na catalogao das peas d'este processo, para que os leitores julguem da justia que nos cabe, e avaliem da sinceridade, da correco, e dos processos do professor intangivel. [16] No jornal O Mundo, de 3 de dezembro de 1908, na local consagrada sesso da Academia das Sciencias de Portugal realizada no dia 2, vimos que o snr. dr. Thephilo Braga fizera uma comunicao, que outra cousa no era seno um desmentido formal e gratuito s concluses do nosso livro,mas sem a mais leve citao ao nosso obscuro nome, sem a menor referncia ao nosso desluzido trabalho, embora aproveitando-lhe os subsdios. Comprehende-se: o ilustre acadmico no desejava contribuir de modo nenhum para o reclamo que a imprensa estava dispensando ao volume sobre o Poeta Crisfal. Transcrevemos do Mundo o periodo referente a tal comunicao... scientfica: ...finalmente, trata de Bernardim Ribeiro e Christovam Falco, mostrando como a vida amorosa d'este oscilla entre 1525 e 1526, sendo n'aquella data moo fidalgo, tendo pelo menos 12 annos, ao passo que aquelle era j edoso; evidencia como na Ecloga transparecem diversas situaes da vida de Christovam Falco, e termina por invocar as opinies de Diogo Couto, Gaspar Fructuoso e outros que comprovam a existencia das duas individualidades que apesar de similhantes n'algumas situaes da vida, no podem jmais confundir-se. Ante este procedimento do nosso prezadissimo amigo, no pudemos ficar silenciosos, e, como um desforo legtimo, inadiavel, apelamos para o snr. dr. Brito Camacho, pedindo-lhe se dignasse publicar nas colunas da Lucta a seguinte carta, que o ilustre jornalista fez inserir no numero de 4 de dezembro do seu dirio: Ex.mo Snr. Dr. Brito Camacho, meu prezado amigo: [17] Pelos extratos, publicados em alguns jornaes de hoje, do que se passou na sesso de hontem da Academia de Sciencias de Portugal, vi que o snr. dr. Thephilo Braga disse o que quer que fosse, procurando refutar o meu recente trabalho sobre Bernardim Ribeiro, e insistindo na lenda do poeta Cristovam Falco de Sousa. No me admira que o original autor da Historia da Litteratura Portugueza persista n'um erro crasso, s para no se confessar vencido, porque j o caso engraadssimo dos cantos de ledino era precedente bastante para se ajuizar que o afamado professor do Curso Superior de Letras prefere manter um absurdo a ter de reconhecer publicamente que errou. Est no seu direito, e ninguem lh'o contesta. Parecia-me, porem, que, publicado o meu estudo sobre Bernardim Ribeiro, em que no torci a meu bel-*prazer a verdade, nem falsifiquei documentos, o snr. dr. Thephilo Braga tinha o dever moral de, pela imprensa ou em livro, dizer da sua justia, antes de ir para o seio de uma agremiao, a que eu no perteno, impor um desmentido formal e dogmatico, ao mesmo tempo que gratuito, ao meu trabalho. E tanto mais estranhavel se me afigura o procedimento do snr. dr. Braga, contestando porta fechada a minha tese, quanto certo que s. ex.a no desconhece que o insigne publicista snr. Jos Pereira Sampaio (Bruno) prepara um livro sobre o mesmo assunto do meu. Se o afamado professor do Curso Superior de Letras est de boa f, quem lhe assegura que os argumentos de Bruno no conseguiro convenc-lo, j que os meus, conforme de resto eu esperava, tal no conseguiram? tempo de pr de parte o magister dixit, porque, felizmente, os processos crticos dos Farias e Bernardos de Brito so coisas que passaram historia, e que no se ressuscitam j facilmente. Muito especialmente me obsequeia o meu bom amigo dando publicidade na nossa Lucta a esta minha carta, que representa o legtimo desabafo de um trabalhador que se preza de ser honesto, e que como tal tem jus a ser considerado. Mais uma vez agradecido o que se confessa, por estima e dever, De V. Ex.a amigo, admirador e obrigado S/C, Lisboa, 3-12-908. Delfim Guimares. [18] Com o esprito de rectido que todos, amigos e adversrios, so concordes em reconhecer ao snr. dr. Brito Camacho, o brilhante jornalista deu acolhimento benvolo nossa carta, acrescentando-lhe as seguintes linhas de saudao ao professor do Curso Superior de Letras: O nosso ilustre correligionario dr. Thephilo Braga tem as columnas d'este jornal s suas ordens para dizer da sua justia, como quizer. Trata-se d'uma questo de facto em historia literria, e no d'uma birra entre dois homens. Muito prazer teremos em que seja o nosso jornal o campo em que se dirima o pleito. No correspondeu o snr. dr. Theophilo Braga gentileza do director da Lucta; e at para comnosco estamos persuadidos de que, desde o momento em que s. ex.a viu a nossa carta irreverente no jornal de que Brito Camacho a alma, o pontfice da Litteratura Portugueza excomungou o intemerato jornalista. Que o dr. Camacho nos perde a excomunho que, involuntariamente, lhe acarretamos! Guardou silncio o snr. dr. Thephilo Braga durante semanas, mas no esteve inactivo, ao contrrio do que muitos poderiam supor. Com todo o engenho e arte, s. ex.a consagrou-se ao fabrico de uma pea, que no podemos classificar de literria, porque a negao de todos os processos literrios dignos de este nome, mas a que poder caber a designao de produto de arte... culinria. Como pastelo, faria honra a um cozinheiro, mas cremos bem que o snr. dr. Thephilo Braga deseja passar posteridade como um discpulo fervoroso de Augusto Comte, e no como aprendiz ilustre da scincia de Vatel. [19] A redaco do jornal O Dia, seguindo a praxe dos anos anteriores, honrou o snr. dr. Thephilo Braga pedindo lhe um artigo sobre o movimento literrio portugus em 1908, para o numero de 31 de dezembro d'esse ano. Como nunca, recebeu o snr. dr. Thephilo Braga jubilosamente o amavel convite. Tinha ensejo para impingir... o pastelo. Era o momento oportuno para respostar nossa carta publicada na Lucta, sem nos dar a honra de deixar sair dos bicos da pena aprimorada a confisso de que havia lido o nosso protesto. Podiamos, porventura, esperar outro procedimento por parte do snr. dr. Thephilo Braga? No, evidentemente. Pois no haviamos ns,cmulo das audcias!ousado protestar contra a comunicao do presidente da Academia de Sciencias de Portugal?! Reproduzimos do Dia de 31 de dezembro do ano findo a parte do artigo do snr. Thephilo Braga que diz respeito questo literria suscitada pelo nosso livro: ...No recente fasciculo (do Archivo historico portugus) ficou publicada uma interessantissima monographia sobre a antiga Feitoria de Flandres, um dos mais necessarios capitulos da nossa historia financeira e administrativa; o sr. Braancamp Freire intitula-o Maria Brandoa a do Crisfal, por que o pae d'esta dama, que inspirou o amor e a Ecloga de Christovo Falco, foi o pae d'ella, Joo Brando Sanches, segundo encontrara no nobiliario de Diogo Gomes de Figueiredo. [20] Em dois nobiliarios da bibliotheca da Ajuda tambem se acha esta mesma inscrio: Maria Brandoa a do Crisfal; e nos livros dos linhagistas Manso de Lima e Rangel de Macedo, da Bibliotheca Nacional, vem o mesmo schema genealogico, vendo-se toda a parentella da inspiradora de Crisfal no titulo dos Brandes Sanches, confundidos por vezes com os Brandes do Porto, com os de Coimbra e com os de Elvas. O sr. Anselmo Braancamp Freire, escreve em uma nota: Sei que se trata de provar, que a Ecloga de Crisfal no foi escripta por Christovam Falco, mas por Bernardim Ribeiro, e que por tanto a heroina no Maria Brando, mas sim a mesma do romance Menina e Moa d'aquelle auctor. E accrescenta que o sr. Delfim Guimares empenhado na interessante averiguao o consultara, communicando-lhe as bases em que fundava a sua argumentao, as quaes no conseguiram demovel-o da rotina. Quasi ao mesmo tempo, o sr. Delfim Guimares publicava o seu livro Bernardim Ribeiroo Poeta Crisfal, em que resume o j sabido da biographia do auctor da Menina e Moa, forando interpretaes de versos a significarem os factos que imagina. Como lhe nasceu no espirito a ideia de fazer esta descoberta? Pela impresso que lhe causra a leitura dos versos de Bernardim Ribeiro e os de Christovam Falco,dois poetas de temperamento semelhante, com eguaes influencias e educaes litterarias, com eguaes episodios nos seus infortunados amores, e havendo entre ambos versos absolutamente eguaes. D'aqui o identificar os dois poetas em um unico; como conseguil-o? Considerou a individualidade poetica de Christovo Falco como uma lenda estupida formada pelos genealogistas, e formou o nome de Crisfal indo buscar ta as palavras Crisma falsa, tirando-lhes as syllabas iniciaes para designarem a seu talante Bernardim Ribeiro. Fez-se ento uma grande luz no nosso espirito. No se tratava de dois poetas muito parecidos, de um creador e de um imitador. Bernardim Ribeiro e Crisfal eram um e mesmo poeta. O trovador Christovam Falco era o producto de uma lenda nascida da interpretao dada pelo vulgo (![2]) ao anagrama Crisfal. (Op. cit., p. 10). Alcanada a convico de que Crisfal era um anagramma de Bernardim Ribeiro, e norteados pelo conhecimento de que nas suas produces o poeta mudava constantemente os seus nomes pastoris, com pequeno trabalho de raciocinio no nos foi difficil deduzir a constituio do cryptogramma, que era formado pelas primeiras syllabas das palavras Crisma e Falso. [21] E depois d'este processo que, na opinio do sr. Gonalves Viannahonra a erudio portugueza,ataca as fontes genealogicas d'onde Diogo do Couto e Gaspar Fructuoso acceitaram como ouro de lei o peschesbeque de uma lenda estupida tecida pelo vulgo ignorante, e posta a correr mundo graas inepcia dos editores dos escriptos legados por esse grande e infortunado poeta que foi Bernardim Ribeiro! (Ib. p. 11.) E mais adiante, volta a repetir: A uma lenda estupida deveu esse rebento inglorio de John Falconet a celebridade que durante seculos usufruiu, em prejuizo do renome litterario do verdadeiro Crisfal, o doce, o inimitavel e inegualado Bernardim Ribeiro, etc. (p. 185.) Mas, como se pde chamar estupida a lenda genealogica se os nomes contidos na Ecloga de Crisfal condizem com os seus parentes taes como o de Pantaleo Dias de Landim seu av, e a Joanna, que lhe denuncia o casamento clandestino, uma prima, como o notou o sr. Jordo de Freitas? Os manuscriptos conhecidos de Bernardim Ribeiro andavam ligados com os de Christovam Falco, como se v pela descripo do n. 180 da Livraria do Conde de Vimieiro: Obras em prosa e verso de S de Miranda, Bernardim Ribeiro e Christovam Falco; tambem o Arcediago do Barreiro, dr. Jeronymo Jos Rodrigues, examinou no Porto um manuscripto analogo ao das edies de 1559, em que vinham a Menina e Moa, duas eclogas de Bernardim Ribeiroe at se acham no fim algumas poesias de Christovo Falco, do que se faz meno no mesmo logar de Nicolo Antonio. (Innocencio, Dic. Bibliog.) Para que chamar ineptos aos editores de Ferrara de 1554 e de Colonia de 1559, por terem reproduzido esses textos manuscriptos como os encontraram? Quando o sr. Delfim Guimares trabalhava para destruir uma miragem de seculos, foi communicar ao sr. dr. Alfredo da Cunha a descoberta que tinha feito e que, sem falsa modestia, reputava de alta importancia para a historia das lettras portuguezas. Era uma Noticia litteraria de sensao, o dr. Alfredo da Cunha deu alentos grande descoberta de que a figura do poeta Christovam Falco pertence exclusivamente ao dominio da lenda, por isso que tal poeta s existiu na imaginao d'aquelles que viram n'um anagrama cabalistico de Bernardim Ribeiro a encarnao de outra individualidade. [22] No noticiario de outro jornal sairam affirmaes absolutas, proclamando a sensacional descoberta, com uma sinceridade inconsciente que affasta de todo a ideia de ironia. A verdadeira descoberta pertence ao sr. Braancamp Freire determinando a epoca em que esteve em Flandres Joo Brando Sanches, e quando elle morreu, dando nos assim a data em que existiram os amores de sua filha unica D. Maria Brando, a do Crisfal, que plausivelmente se fixam ......Buy Now (To Read More)

Product details

Ebook Number: 25479
Author: Guimarães, Delfim de Brito
Release Date: May 15, 2008
Format: eBook
Language: Portuguese

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